Nascida no interior de São Paulo, Bianca Müller, a despeito de não ter chegado ainda na casa dos 30 anos, já ostenta um currículo com trabalhos importantes, especialmente na televisão. Ela ganhou notoriedade em virtude de Sessão de Terapia (2012), série dirigida por Selton Mello, na qual interpretou a personagem Nina Vidal. Dois anos depois foi a vez de chamar atenção na TV aberta, vivendo Mirna, na novela O Rebu (2014), da Rede Globo, na qual chegou a protagonizar um comentado ménage com os personagens de Camila Morgado e Jesuíta Barbosa. Na também global A Lei do Amor (2016-2017) foi a neta das figuras de Tarcísio Meira e Vera Holtz. Essa larga experiência televisiva foi entremeada por uma equivalente cinematográfica, em filmes como Boa Sorte, Meu Amor (2012), O Escaravelho do Diabo (2016) e agora A Repartição do Tempo (2018). Neste longa-metragem de Santiago Dellape, ela interpreta Carol, o interesse romântico do protagonista que, assim como ele, é duplicada por um chefe tirânico a fim de aumentar a produtividade num órgão público de Brasília. No bate-papo a seguir, ela fala sobre o processo de filmagem e, entre outras coisas, acerca da importância de papeis femininos fortes. Confira.
Bianca, como seu deu o convite para participar do filme?
Conheci o diretor em meio às filmagens do Jeitosinha, outro longa que fiz. Os cineastas de Brasília são próximos, parece que todos se conhecem (risos). Nisso, fui apresentada ao Santiago e ele achou que eu tinha o perfil da personagem Carol. De cara, achei o projeto bem ousado. Mas, em princípio, fiquei na dúvida se ele saberia realizar esse tipo de filme, até porque nunca havia assistido aos seus curtas. Ele me mandou o links e então pude conferir. Aí embarquei de vez. E falando sobre o processo, gosto muito de viajar trabalhando, de preferência para mergulhar em outras culturas, porque acho bem mais interessante, quando possível, do que ficar nos lugares apenas para o projeto.
As boas ficções científicas geralmente se propõem a comentar criticamente a realidade vigente. Como você percebe as críticas contidas em A Repartição do Tempo?
É um filme despretensioso, no sentido de não se propor a fazer discurso, com pontos muitos específicos de sátira e ironia política. Mas não é essa a questão principal. O objetivo é entreter, com umas piadas ácidas no meio. É como uma conversa de bar, com assuntos polêmicos, com alguém soltando pérolas no meio. Acho que o filme cumpre sua função, brincando com romance, ficção científica, comédia e suspense. Acho legal essa despretensão.
Sua personagem é o interesse romântico do protagonista, mas toma parte da ação. Qual a importância, nos dias de hoje, de interpretar uma mulher não passiva?
Acho fundamental, porque estimula esse tipo de comportamento nas mulheres. Também reforça a necessidade dessa posição e honra aquelas que conseguem fazer isso. É importante demais esse movimento todo pró-minorias. Gostaria até que ela tivesse mais espaço no filme. Mas, dentro da proposta, não sei se caberia esse espaço, porque ali já há muita história. Entrar mais na vida da Carol talvez desvirtuasse as coisas. A Carol, na verdade, estimula o protagonista a deixar de ser passivo, quando ela pede para ele tomar atitude.
A Repartição do Tempo tem uma pegada pop, recorre aos quadrinhos, mistura linguagens. Como você acha que o público vai receber o filme?
Muito difícil de saber. O filme é diferente, não tem apelo comercial, justamente por ter uma linguagem ousada. Talvez a massa não entenda direito a proposta. E, talvez, as pessoas mais ligadas ao cinema achem muito pop (risos). Ele provavelmente fique entre os dois lados. É um risco, e, como todo risco, é bem-vindo. É necessário sair da zona de conforto. Precisamos ousar.
Como foi o trabalho com o Santiago Dellape, o diretor do longa-metragem? Vocês tinham bastante espaço para improviso ou seguiram mais fielmente o texto?
Ele foi bem flexível, podíamos levar ideias. Claro, algumas frases específicas, especialmente as de humor, precisamos seguir à risca o que estava no roteiro, até por uma questão de timing das piadas. Mas minha personagem tem uma onda mais naturalista dentro daquela caricatura toda. É o primeiro longa-metragem do Santiago e ele estava querendo jogar junto, absorver dos atores, ouvir coisas e testar possibilidades. Algumas tentativas deram certo, outras não, e, então, buscamos caminhos alternativos. Ele estava bem aberto a sugestões.
E o Jeitosinha, filme ainda inédito, exibido apenas em festivais, no qual você interpreta um menino criado como menina? Alguma ideia de quando pode ser a estreia?
Não tem previsão, aliás, nem sei se vai para circuito. Foi um filme muito rico para mim enquanto atriz, no que diz respeito à construção de personagem. Um dos meus maiores desafios. É uma personagem bem difícil, complexa, apesar de inserida numa comédia. O diretor me pediu para viver o drama dela, pois a graça estaria em volta. Foi muito rico interpretar o drama dessa menina. Fiz um trabalho vocal e de corpo muito forte. Conheci pessoas maravilhosas na preparação. O tema é muito quente no momento, mas gravamos há quatro anos, quando as discussões sobre o assunto eram diferentes. Fiquei temerosa quando ele foi escolhido para passar em Brasília, até por ser um filme cômico, com mensagem bonitinha no fim, da necessidade de amar as pessoas, independentemente de qualquer coisa. Para o nosso momento atual é um filme delicado. Mas, para mim, repito, foi riquíssimo.
E projetos novos?
Filmei O Segredo de David no ano passado. O diretor é o Diego Freitas, um garoto super talentoso que veio da publicidade. Ele é bastante dedicado, tanto que fez o primeiro corte passado um mês do término das filmagens. Ele é mais jovem que eu e vem com o pique todo.
(Entrevista concedida por telefone, numa conexão Rio de Janeiro/São Paulo, em janeiro de 2018)
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