Praticamente uma unanimidade, Marieta Severo tem mais de 50 anos de carreira. Seja nos palcos, nas telinhas ou nas telonas, consegue atingir excelência com uma frequência impressionante. Em A Voz do Silêncio (2018), Marieta enfrentou o desafio de conceber uma personagem repleta de lacunas, acometida por uma condição psiquiátrica que potencialmente lhe faz embaralhar realidade e delírio. Restrita a movimentos entre dois ou três ambientes, a atriz preenche o quadro com seu talento maiúsculo, certamente sendo o grande destaque do elenco afinado pela direção segura de André Ristum. Conversamos com a artista no dia seguinte à estreia de A Voz do Silêncio no Festival de Gramado. Atenciosa e bem humorada, ela nos proporcionou um dos Papos de Cinema mais enriquecedores do evento. O resultado você confere agora, na nossa entrevista exclusiva com a grande Marieta Severo.
Marieta, o roteiro impõe à sua personagem várias limitações. Como se deu o processo de construção dessa figura, mesmo assim, tão forte?
Recebi o roteiro com uma dramaturgia bastante sólida, que sinalizava exatamente o que filme pedia de mim como atriz. A partir disso mergulhei nessa, vamos dizer, psicopatia da mulher. Ela não é apenas uma mãe mergulhada em culpa por ter rejeitado o filho. Possui características psíquicas especiais. Basicamente foi um processo de imersão nesse mundo. A personagem me abria várias possibilidades.
E como se deu, especificamente, a preparação para o papel?
Tivemos o auxílio do Luiz Mário Vicente, o preparador de elenco. Não foram nem tantos encontros, até porque sou do Rio de Janeiro e a possibilidade de ir a São Paulo era menor. Então fizemos de uma maneira bem concentrada . Foi muito útil o trabalho com o Luiz, porque ele me deu elementos especialmente à relação com os filhos, que foi onde focamos mais.
Engraçado, temos a ideia de que uma atriz com a sua tarimba sempre está pronta…
Não tem isso, realmente. Cada personagem é um desconhecido, um abismo. Claro que não é mais começar do zero, porque tenho 51 anos de profissão, né? (risos). Conheço meu processo de chegar ao personagem. Mas, de qualquer maneira, ele é um desconhecido. Tenho sempre a sensação de que não vou dar conta. Essa impressão retorna sempre diante de um novo personagem. Na verdade, escolhemos exatamente os papéis que dão essa sensação. É o famoso desafio. Essa mulher me deu muito isso.
A revelação da condição do filho é uma bomba que, inclusive, muda certas dinâmicas. No processo de mergulhar na personagem, como foi tratar dessa questão urgente nos dias de hoje?
Primeiro, você precisa de uma bela história para contar. Se ela ainda tocar em pontos urgentes da atualidade, melhor ainda. Dessa forma, você começa a ter mais vontade de conta-la. A base sempre é ter essa boa história para trabalhar. Mas, claro, que esse ingrediente, especificamente, é muito importante. Imprescindível que haja esse debate.
Nesses laboratórios, quanto tempo você ficou vendo programas evangelizadores na TV?
O suficiente para não morrer de intoxicação (risos). Vi coisas que não sabia existirem, sinceramente, até porque não acesso regularmente esses programas. Fiquei impressionada como eles ativam o lado empreendedor do ser humano, bem mais do que o da fé (risos).
E como se deu essa dobradinha com a Stephanie, com quem você contracena de fato?
Foi muito boa e tranquila. Estabelecemos uma relação de coleguismo com bastante facilidade, criamos sintonia facilmente. Apesar do filme ser espinhoso, de eu estar num terreno difícil, foi uma jornada muito gostosa. Sabe quando tudo flui bem? Pois é. As filmagens foram ótimas. O André Ristum é muito tranquilo, o set era absolutamente pacífico e amoroso. Tenho apenas lembranças boas.
(Entrevista feita ao vivo, em agosto de 2018, durante o Festival de Gramado)