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Ad Astra: Rumo às Estrelas :: Entrevista exclusiva com Rodrigo Teixeira

Publicado por
Bruno Carmelo

O produtor Rodrigo Teixeira possui uma trajetória bastante singular dentro do cinema. À frente da RT Features, ele produziu filmes independentes brasileiros (O Cheiro do Ralo, 2006, O Silêncio do Céu, 2016), grandes projetos populares nacionais (Alemão, 2014, Tim Maia, 2014), filmes independentes norte-americanos de drama e terror (Frances Ha, 2012, A Bruxa, 2015) e foi indicado ao Oscar pela produção de Me Chame Pelo Seu Nome (2017).

Agora, divide a produção com Brad Pitt no novo filme do aclamado James Gray: Ad Astra: Rumo às Estrelas (2019). Quem conhece o trabalho do diretor sabe que este não será uma ficção científica comum. Ao invés dos tradicionais tiros e explosões intergalácticos, Gray e Teixeira preferem um filme muito mais melancólico, inspirado no clássico Apocalypse Now (1979), segundo o produtor. Na trama, Roy McBride (Pitt) é um astronauta respeitado, vivendo o trauma de ter o pai desaparecido – um astronauta que partiu numa viagem ambiciosa e nunca mais foi encontrado. Quando descargas de energia começam a afetar a Terra, Roy descobre que a origem pode estar associada à viagem do pai, sinal de que este ainda possa estar em vida.

A narrativa apresenta, portanto, não apenas uma viagem pelo espaço, mas também um acerto de contas entre pai e filho. Segundo a crítica do Papo de Cinema, Pitt, com a câmera colada ao rosto, entrega toda a variação emocional que um sujeito estoico como Roy poderia ter, e se delicia em levar a frieza do astronauta ao limite da explosão. A riqueza emocional do protagonista é tamanha que ele consegue preencher mesmo os inúmeros momentos de silêncio”. Leia o texto completo.

Ad Astra: Rumo às Estrelas chega aos cinemas nesta quinta-feira, dia 26. Abaixo, você descobre nossa conversa com Teixeira sobre projetos novos, o trabalho com o Brad Pitt e o processo assumidamente conflituoso desta ficção científica:

 

Pelas cenas de ação, este poderia ser o típico filme-espetáculo, mas vocês apresentam uma obra muito mais melancólica.
O projeto veio com o tom pronto. O James tinha essa ideia desde o começo: ele queria um Apocalypse Now (1979) mesclado com 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968). Apocalypse Now é um filme contemplativo, reflexivo, que em determinado momento tem duas ou três grandes ações, deixando a impressão de que são até mais numerosas. O filme do James tem a mesma estrutura, porém não o mesmo tempo. Essa foi a apresentação dele desde o começo, quando compramos o projeto.
Ele entregou exatamente isso, com uma ou outra mudança ao longo do processo. Dependia do que ele estava disposto a aceitar – o James é um artista de personalidade muito forte. Então trabalhamos com as mudanças que ele aceitou durante o trabalho no roteiro. Existia, por exemplo, um final muito diferente, que não cabia nessa proposta. Era preciso fazer uma alteração, e tivemos uma discussão profunda sobre o desfecho do personagem.
Quando a Plan B e o Brad Pitt entraram no projeto, na reta final, eles também tinham mudanças a propor, que foram incorporadas. Mesmo assim, a filmagem partiu de um roteiro bem próximo do que tínhamos no início. Mas a intenção sempre foi trazer algo contemplativo, reflexivo, com pitadas de ação no meio. James dizia: “Não esperem deste filme um novo Guerra nas Estrelas (1977)”. Mesmo Interestelar (2014) e Gravidade (2013) são mais acelerados e claustrofóbicos. Este filme te deixa respirar: você está no espaço, mas você respira.

James Gray e Brad Pitt no set de filmagens de Ad Astra

Pelo ritmo e pela trilha sonora, ele se parece mais com um road movie do que uma ficção científica, como se fosse um caubói solto no espaço…
A trilha foi muito discutida ao longo do processo, para criar este sentimento de road movie, como você falou. Ad Astra é um road movie, assim como Apocalypse Now também era. Nosso Kurtz é o Tommy Lee Jones, que você não sabe se vai encontrar, e o resto diz respeito à descoberta de si mesmo, da relação consigo e com o outro. É um filme muito importante para quem busca esse tipo de respostas.

 

A presença de Brad Pitt é interessante. Para um astro deste porte, esse é o papel anti-heroico por excelência.
A entrada do Brad Pitt aconteceu no último minuto. No momento em que ele leu o roteiro, ele se associou ao projeto automaticamente e o filme aconteceu. O projeto se deve ao Brad Pitt, que é o responsável pela existência do filme. O processo com ele foi um momento de profissionalismo inacreditável. É difícil descrever: ele é profundamente dedicado, muito sério, e cheio de dúvidas, disposto a perguntar o tempo inteiro ao diretor sobre as intenções de cada cena.
Pitt estava num momento complicado da vida pessoal, com uma série de acusações pesando sobre ele. Ele tinha acabado de se divorciar, e de certa forma este filme reflete o que ele vivia naquele momento. A entrega foi tão grande que o sinceramente considero este o maior papel de sua carreira. Nunca pensei que fosse trabalhar com ele, produzi-lo e dividir os créditos com ele.

Rodrigo Teixeira, no escritório da RT Features

Tem sido cada vez mais comum cobrar a veracidade científica de projetos como esse – algo que não acontecia nos blockbusters de décadas atrás. Como vê essa questão?
Nós nos preocupamos muito com a verdade nesse filme. Tudo o que você vê na trama seria possível de acontecer. Consultamos muitos engenheiros da NASA e especialistas para deixar o projeto o mais verdadeiro possível. Muitas ações destes filmes seriam possibilidades, confirmadas por estes conhecedores. O tempo das viagens é real, e daqui a cinquenta anos, será muito mais curto. Por isso a viagem não demora tanto quanto a de Interestelar, por exemplo. Este é um tempo real, possível para uma espaçonave de cinquenta anos no futuro, quanto se passa a história.
Este imaginário foi invenção do James, mas é tudo possível. A cena do astronauta entrando na nave espacial, ele mergulhado na água, são coisas criadas pela cabeça dele. Ele tem uma imaginação excepcional, e este foi um filme inteiramente desenhado. Os espaços de pré-produção são lindos, as visitas de locação foram excepcionais. Passamos uma semana visitando todas as locações em Los Angeles. Os técnicos saíam em dois ônibus, vendo tudo, anotando tudo. Foi demais.

 

A textura em película chama bastante atenção, entre tantos projetos digitais nos cinemas.
James nunca filma em digital, tudo foi feito em película 35mm. Eu não tenho problemas com isso: neste último ano, produzi dois filmes em película – The Lighthouse (2019) e Ad Astra -, enquanto rodei o primeiro filme digital do Olivier Assayas (Wasp Network, 2019) e o primeiro digital do Karim Aïnouz (A Vida Invisível, 2019). Então tenho que saber trabalhar com projetos diferentes, em modelos diferentes. Ironicamente, A Vida Invisível é o filme de maior granulação, o que mais parece ter sido feito em película, mas a captação foi digital. Hoje é possível fazer um filme digital, o que barateia muito os custos, e chegar numa aparência de negativo.

 

Acompanhando a sua trajetória, nunca sabemos qual será o gênero ou estilo do seu próximo projeto. É isso que guia as suas escolhas?
Estou disposto a ir para todos os formatos e gêneros. Os próximos projetos da RT Features vão trazer mais surpresas – para lugares onde as pessoas não esperam que eu esteja, e para lugares onde ninguém mais vai. O meu prazer é esse: explorar o que eu não fiz ainda. Posso voltar a ficções científicas como Ad Astra, posso fazer um filme de super-herói. Mas posso fazer um filme na Ásia, um na África do Sul, um filme indie americano; fazer um filme sobre Donald Trump e outro com a Filmes de Plástico. Sou apegado a boas histórias e bons diretores capazes de conduzi-las. Se eu passo ao espectador a impressão de que nunca se sabe o que vou fazer depois, então meu trabalho está sendo correto.

Brad Pitt e James Gray

Considera que a função do produtor é polir uma obra, conter excessos?
A função é empacotar, polir, criar um bom diálogo com o diretor e dar um espaço para ele trabalhar. Preciso dar segurança ao diretor, e tentar minimizar as possibilidades de conflito, o que às vezes é inevitável. Ad Astra teve um processo muito conflituoso, muito difícil, mas que gerou um filme que, aparentemente, agradou a todo mundo. No entanto, julgando pela trajetória dele, o resultado deveria ser diferente. O filme chegou a esse resultado após muito conflito, não foi nada fácil lidar com tantas vontades artísticas opostas, com um diretor de opiniões fortes e um ator que sabe muito bem o que quer. Foi o processo mais enriquecedor da minha carreira. Aprendi de verdade com esse filme, e tenho muito carinho pelo que apresentamos nos cinemas agora.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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