Pedro Novaes faz da Chapada dos Veadeiros um dos personagens de Alaska (2019), longa-metragem que reafirma o apreço do cineasta pela imbricação entre ficção e documentário. Geólogo de formação, de estreito vínculo com meio ambiente local, ele conduz uma história feita de muitos silêncios, em que dois personagens caem na estrada, inclusive, para refletir acerca do relacionamento rompido que os unia no passado. O primeiro longa-metragem de Pedro, Cartas do KulueneI (2011), já denotava a inclinação do realizador por esse trânsito entre instâncias narrativas distintas, a busca por uma forma singular de contar histórias com fundamentos num fértil hibridismo. Conversamos brevemente por telefone com Pedro, numa ponte Rio de Janeiro/Goiânia, para entender um pouco do processo que o orientou até Alaska, da escolha do elenco aos meandros de sua ligação com a Chapada dos Veadeiros. Confira.
Pedro, a Chapada dos Veadeiros funciona como um terceiro personagem. Qual a sua relação/familiaridade com o local?
Moro em Goiânia e fui à Chapada pela primeira vez no começo da década de noventa. Minha relação inicial, então, foi como turista. Mas, a partir de dado momento, fiz um mestrado na área de meio ambiente, um estudo de campo por lá. Nessa época, passei um longo período na Chapada, aprofundando a ligação. Disso resultaram dois outros filmes. O primeiro, uma espécie de versão audiovisual do meu trabalho de mestrado, Quando a Ecologia Chegou (2007). Depois, fiz um curta documental mais poético, Nostalgia (2014), todo filmado lá. É uma região que sempre me fascinou, que me encana pela paisagem e pela diversidade humana. Nela há pessoas de muitas origens, de quilombos e de sucessivas ondas de migração por conta da mineração.
Como se deu o processo de seleção do Rafael e da Bela?
Quando começamos a buscar esses atores havia algumas premissas. Era imprescindível encarar a proposta de trabalho que tínhamos, partindo de um roteiro pré-estabelecido, mas que carecia dos atores como co-autores da narrativa. Eles precisavam estar abertos, dispostos a improvisações. Queria fazer um processo aprofundado de preparação. Não apenas pela limitação de orçamento, mas também por trabalhar com uma equipe pequena, havia maior mobilidade para inventar coisas. Isso tem uma série de consequência para os atores, que estariam muito por conta própria. Tudo isso, desde o início, colocamos de maneira clara. Quem veio primeiro foi a Bela, porque ela é goiana, embora já morasse na época no Rio (agora está nos Estados Unidos). Conhecia o trabalho dela e fiz o convite. Ela sugeriu o Rafa. Ele estava voltando de um período de estudos na Rússia e topou de cara.
No material de divulgação você menciona que desejava fazer um filme com algo efetivamente goiano. O que isso significa, exatamente?
Tem coisas de duas ordens. Uma delas, mais temática. Acredito que o filme aborda questões universais, mas que têm uma tinta própria para quem é de Goiás, vide o conflito entre ficar e partir. Em Goiás isso tem uma feição particular por conta da nossa história, da forma como a cultura local se formou. Isso torna considerável esse conflito entre ficar e partir. O Fernando é um cara que ficou, a Ana foi embora. O personagem dele é essencialmente goiano, meio cowboy, embora não se estabeleça no estereótipo. Tive medo, achei que não faria esse personagem funcionar porque ele está longe de ser um cara bronco, de se encaixar num arquétipo. Para além das questões temáticas, a cara de um filme, a estética que ele assume, está diretamente ligada às condições de produção. A gente sempre teve muita resistência quanto a fazer um longa de estrutura muito grande, que te traz ótimas possibilidades, mas que te amarra. Encontramos um caminho que me agradou, pois havia um grau de flexibilidade alto. Esse jeito de trabalhar não seria tão possível em Rio e São Paulo, por vários motivos, inclusive pelas regras e a profissionalização que acabam enrijecendo o processo. Isso, de certa maneira, aparece na cara do filme, nessa integração da nossa equipe.
Nos seus trabalhos ficção e documentário se interpenetram. Essa relação de mútua nutrição é imprescindível para você?
Olha, me interessou muito até aqui. Meu primeiro longa é um documentário que flerta com a ficção, que se permitia ficcionalizar, pois tinha dramatizações. O Nostalgia também misturava um pouco as coisas. O Alaska sempre foi uma ficção. Porém, nos interessou também, na hora de encenar, ver o que poderíamos obter como efeitos se trouxéssemos para dentro do filme personagens reais, colocando eles para interagir com os atores. Acredito que alguns dos momentos mais interessantes do longa vêm disso, algo que produz um tipo de realismo diferente.
Alaska trabalha com uma rarefação de elementos, com não ditos muitas vezes sobrepujando os ditos. Desde a fase do roteiro a ideia era fazer algo assim?
Diria que foi mais descoberto na montagem. O roteiro tinha a pretensão de ser um pouco mais narrativo, no sentido de ser mais amarrado, de ter causa e efeito, de deixar menos lacunas. Na montagem, que foi um processo longo e tortuoso, percebemos que não funcionava dessa maneira e, aos poucos, encontramos esse caminho que seguimos.
(Entrevista concedida por telefone em março de 2019)
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