Leonardo Núñez de Miranda Reis, conhecido pelo nome artístico Gigante Léo, é um humorista de sucesso, com um repertório recheado de piadas sobre o seu nanismo. Carioca da gema, ele cresceu (ou, como ele mesmo diz, tornou-se jovem) no bairro do Méier. O gosto pela arte vem desde muito cedo. Aos nove anos de idade, estreou no teatro fazendo o papel do burro na peça O Rapto das Cebolinhas, de Maria Clara Machado. Bacharel em Ciência da Computação pela UFF e mestre em Engenharia de Software pela UFRJ, trabalhou na TV Globo na área de tecnologia. Antes de se dedicar exclusivamente ao humor e à atuação, Léo participou de clipes, foi destaque de desfiles de escola de samba, somente depois entrando de cabeça no mundo do stand-up comedy, onde vem desenvolvendo uma carreira elogiada. A estreia no cinema veio em 2013, no filme O Concurso, em que interpretou o personagem Polegada. Agora chega às telonas o seu primeiro longa-metragem como protagonista, Altas Expectativas (2017), baseado bastante livremente em sua história. O carismático Gigante Léo nos atendeu para esta conversa acerca do seu mais novo trabalho. Confira nosso Papo de Cinema exclusivo.
É o seu primeiro filme como protagonista. Como foi encarar esse desafio?
Na verdade, foi uma mistura de vários sentimentos. Primeiro, houve o desespero. Em seguida, a ansiedade. Porém, aos poucos, conforme foram acontecendo as conversas com os diretores, a equipe e o restante do elenco, o processo foi ficando mais calmo. Embora permanecesse a pergunta: será que eu consigo? É o primeiro personagem dramático que faço. A comicidade está mais nos coadjuvantes. Todavia, o que mais me motivou a fazer o Altas Expectativas foi a proposta do filme, foi justamente apresentar uma cara com nanismo, mas abordando seus sentimentos, mostrando que ele chora, ri, que tem raiva. O anão está de igual para igual com qualquer outra pessoa. Por isso, senti que valia a pena arriscar.
Altas Expectativas é livremente inspirado na sua história, ou seja, é um filme muito pessoal. Foi fácil transitar entre o Léo e o Décio ou eles acabaram se misturando muito?
Na verdade, a inspiração mencionada é pura e simplesmente o fato da trama ter um anão conquistando uma mulher de estatura normal, para isso se valendo do humor. Tirando essa situação, é tudo ficcional, não tem nada a ver com a minha realidade. O Décio é muito diferente de mim. Ele é introvertido, mais recluso, ainda sente essa coisa do preconceito de uma maneira muito diversa da minha. Eu faço graça e fica tudo certo. Nunca fui treinador de cavalos, aliás, tive de fazer uma boa preparação, quase morar no Jockey Clube, aprender a montar, essas coisas. Então, no fim das contas, não deu muito para misturar as coisas, o Léo e o Décio estavam bem separados.
O filme tem uma leveza até quando aborda coisas mais sérias. E isso parece muito a sua forma de encarar as coisas, correto?
Na ideia original, nos primeiros tratamentos, já havia essa leveza. O roteirista, o Álvaro, que é também um dos diretores, já conhecia meu modo de encarar a realidade, especificamente o preconceito, então ele buscava escrever sobre isso, a partir disso. E eu sou um dos colaboradores do roteiro, oficialmente creditado, então ajudei em várias cenas, sobretudo para sermos honestos com a realidade das pessoas com nanismo. Não queríamos sublinhar as dificuldades, pois isso não leva a lugar algum, mas também não podíamos florear. Os detalhes trouxeram essa credibilidade. Os diretores concordam com o que eu penso acerca do preconceito: ele existe, a dificuldade obviamente existe, mas a melhor maneira de transpor tudo isso é com humor, com leveza. Uma das mensagens do filme é que a pessoa com nanismo pode ser vencedora. Olhar as vitórias é, sem dúvida, o melhor caminho.
Como foi fazer par romântico com a Camila Márdila?
Foi uma interação fantástica. Eu já era fã de carteirinha da Camila, do trabalho dela como atriz. Depois de conhecê-la, passei a admirá-la, também, como pessoa. Ela tem uma sensibilidade fora do comum. Trabalhar com ela foi uma verdadeira aula de interpretação, de como perceber melhor a cena. Foi uma experiência realmente enriquecedora, algo maravilhoso.
O Peter Dinklage, em Game of Thrones, também anão, faz um sucesso danado. Você ocupa um espaço importante, agora, inclusive, no cinema. Como acha que essa representatividade ajuda outras pessoas com nanismo?
O Peter conseguiu ocupar um espaço importante. O talento dele é reconhecido para muito além da característica física. Hoje ele é escalado para papeis que não tem nada a ver com o fato de ser anão. O talento dele sobressai. No Brasil isso é muito recente. O Altas Expectativas é o primeiro filme com essa abordagem. É um passo extremamente importante para pessoas com nanismo, pois elas conseguem ter uma identidade na dramaturgia, conseguem se ver na história. Recebo mensagens de gente que se diz representada pela primeira vez. Isso vale mais que um prêmio no Festival de Cannes. É um importante passo para quebrar anos de paradigmas. O anão é sempre coadjuvante, palhaço, funciona como escada. Em suma, interpreta personagens bastante secundários. Por que não ter outras dimensões? Aceitei essa loucura de fazer o filme com pouca experiência, tendo de estudar loucamente, dia e noite, por causa dessa proposta. Espero que no Brasil as pessoas sejam escaladas pelo talento. Quem sabe, mais adiante, uma novela das 21h com anão como vilão ou par romântico, não é?
Qual o pior trocadilho que você já ouviu sobre nanismo?
São vários (risos). Mas o pior é aquele, quando a pessoa responde: “ah, não”. (risos). Esse é péssimo, e sempre aparece (risos).
(Entrevista concedida por telefone em novembro de 2017)