Jornalista de formação, Renata Simões tem grande experiência como apresentadora de televisão. Ela encabeçou o Urbano, programa de variedades exibido semanalmente pelo canal Multishow. Também na telinha, trabalhou no Planeta Oceano, do GNT, com o mergulhador Lawrence Wahba. Convidada pela produtora Canal Azul para desenvolver um projeto sobre uso de recursos naturais e a ligação cidade-floresta, guiou-se pela relação entre o ser humano e a floresta para estabelecer o consumo como tema condutor. O resultado é Amanhã Chegou (2018), documentário que desembarca nos cinemas pela Elo Company, tratando justamente das atividades predatórias, de como a produção desenfreada ocasiona uma série de impactos nocivos ao meio ambiente, entre outras particularidades. Conversamos por telefone com Renata Simões para entender o processo de realização do longa-metragem, como se deram os trâmites intermediários de pesquisa e muito mais. Confira este Papo de Cinema.
O tema do consumo já estava posto quando você entrou no projeto ou foi uma sugestão sua para estudar a relação entre pessoas e a natureza?
O Canal Azul tinha um projeto para falar da ligação cidade-floresta. Eles perguntaram se eu tinha interesse. A partir disso, comecei a refletir sobre o consumo como um fio condutor, pois é um elemento que permeia todas as nossas relações, principalmente depois do pós-guerra. Fiz uma pesquisa profunda para saber com quem poderíamos falar a esse respeito. Mesmo que não tenhamos clareza, tudo que consumimos inevitavelmente vem da floresta. Esse é um dos pontos fundamentais. Tenho até hoje guardada a primeira cartolina, na qual comecei a esboçar desde o arco dramático até as pessoas a serem ouvidas. Esse é um tema pertinente, essencial para a nossa discussão atual.
Como foi o processo de pesquisa e seleção, tanto das pessoas que dão depoimentos quanto das iniciativas-modelo?
Acabamos entrevistando muitas pessoas, inclusive várias não entraram no corte final. Nossa intenção era dar voz ao maior numero de players possíveis. Embora não goste da palavra “players”, não me ocorre outra similar nesse momento. Entendemos que precisaríamos de membros da sociedade civil e das searas empresarias e estatais. Ao invés de chamar governantes, porque sabíamos da dificuldade de fugir ao discurso pré-estabelecido, nos focamos em outras esferas públicas. Queríamos entender o que o consumo representa para a gente. Fomos abrindo o escopo e tivemos num primeiro momento bastante gente falando. A Eliane Brum, por exemplo, trabalha com a questão da floresta e o respeito aos povos nativos. Ela acabou se tornando primordial, tendo sua participação aumentada. Quanto às empresas, buscamos as independentes e as grandes que queriam dar sua visão de sustentabilidade.
E quais foram os principais desafios de estrear como diretora de cinema?
Putz, nesse momento é controlar a ansiedade (risos). O cinema possui um tempo muito específico e eu não estava habituada a ele. Minha trajetória profissional é bem mais ligada à televisão e à internet, em que produzimos para veicular logo. Às vezes, olho para o filme e penso que poderíamos ter feito algumas coisas diferentes, especialmente na questão estética. Não mexeria no discurso. Falar de consumo é discutir coisas imprescindíveis à nossa vida.
Nota-se uma vontade de ressaltar as belezas naturais, especialmente nas diversas cenas feitas com drones. Como se deu o processo de concepção visual do filme?
Cara, esse foi nosso maior desafio. Temos dois ambientes, o da floresta, que enche os olhos, e o urbano, onde estão a maior parte dos depoimentos. Por mais que saibamos da existência da Amazônia, quando você testemunha a exuberância da floresta e seu contraponto extrativista, por exemplo, uma mina de bauxita, as coisas ficam mais claras. Temos, portanto, dois polos visuais no filme. Um deles é fechado, para ambientarmos as discussões, as informações. Quando vamos à floresta, a imagem abre os horizontes. Já tínhamos algumas ideias prévias a respeito da concepção visual, mas esse olhar foi se delineando a partir de nossa primeira viagem. O Bruno Miranda, diretor de fotografia, também estreante em cinema, foi aprendendo junto comigo. Foi um aprendizado mútuo.
Nessa discussão que engloba consumo, economia, produção, emprego, não te pareceu relevante incluir mais o papel do Estado, as políticas públicas? Por que se deter mais na esfera privada?
Tivemos um cuidado especial de checar os projetos sustentáveis ligados a empresas, verificando várias fontes para confirmar sua veracidade. Conversamos com algumas pessoas ligadas ao Estado, mas elas estavam mais interessadas em falar acerca do próprio legado que necessariamente discutir os caminhos globalmente. Então, abrimos mão de falar com políticos e pegamos outros caminhos. As políticas públicas são fundamentais, ainda mais num país como o nosso, absolutamente capaz de explorar alternativas ligadas ao uso coerente de recursos naturais. Se olharmos para os números, 5% da água é utilizada pelas cidades, o resto serve às indústrias. Então, podemos fazer pouco, o que torna essencial a esfera pública.
(Entrevista concedida por telefone, numa ponte Rio de Janeiro/São Paulo, em outubro de 2018)
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