Ele nasceu em 29 de janeiro de 1989. Ela, em 22 de julho de 1994. Os dois são de Paris, França, e já trabalharam com alguns dos maiores nomes do cenário cultural europeu. François Civil começou a chamar atenção ao lado de Romain Duris em As Aventuras de Molière (2007) ou como o filho de Juliette Binoche em Elles (2011). Joséphine Japy, por sua vez, hipnotizou Vincent Cassel em O Monge (2011) e Jeremie Renier em My Way: O Mito Além da Música (2012). Ela já foi indicada ao César – o Oscar francês – e ele já foi premiado no Festival de Cannes – um dos mais importantes eventos do gênero em todo o mundo. Em Amor à Segunda Vista, estão juntos pela primeira vez – ainda que não tão próximos assim. Afinal, ele faz um escritor que acorda certo dia em uma realidade alternativa, em que tudo lhe é diferente – a fama e fortuna que possuía evaporaram, e a mulher pelo qual é apaixonado, neste outro contexto, sequer chegou a conhecê-la. Para que tudo volte ao normal, o primeiro passo é, obviamente, reconquistá-la. De passagem pelo Brasil para promover o lançamento dessa comédia romântica irresistível, os dois estiveram no Rio de Janeiro, como convidados do Festival Varilux de Cinema Francês 2019. Aproveitando a oportunidade, o Papo de Cinema foi ao encontro deles para uma conversa exclusiva. Confira!
Prazer falar com vocês. No começo de Amor à Segunda Vista, o espectador tem a oportunidade de vê-los num contexto muito diverso, em um filme de ficção-científica. Como foram essas filmagens?
François Civil: Ah, foi muito divertido. Um momento de recreação, um intervalo que tivemos para poder brincar um pouco, entre esse sonho e o drama romântico pelo qual nossos personagens estão passando. Ao mesmo tempo, foi bastante intenso. Afinal, como você pode ver, o filme não é sobre isso. Mas, independente, queríamos que fosse real, e que o público acreditasse em tudo aquilo que estávamos vivendo, seja na trama principal ou nesse filme dentro do filme.
Joséphine Japy: Queríamos surpreender o espectador.
FC: Exato. A pessoa que compra o ingresso ou decide assisti-lo na sua televisão, vai pensando que irá encontrar uma comédia romântica como tantas outras, e logo de início se depara com algo completamente diferente. Pessoas correndo, tiroteios e todo aquele circo armado. Ou seja, tentamos fazer da melhor maneira possível, e bastante ágil, pois não havia orçamento para isso. Foi tudo na base do improviso, praticamente. Teve dia com mais de 40 tomadas. Quer dizer, em dois ou três dias tínhamos tudo o que seria necessário para essas sequências. Foi uma brincadeira, mas bastante profissional.
JJ: Apenas dois dias, mas nos quais não tivemos tempo nem para respirar. Tinha neve, muita ação, efeitos especiais, explosões. Foi preciso uma dedicação e tanto. Muito louco. Por outro lado, aconteceu algo curioso. Numa dessas cenas, no meio de toda aquela correria, o diretor gritou “corta” e virou para mim: “Joséphine, o que você está fazendo? Este é um momento de perigo, e você está rindo!”. Foi quando me dei conta do quanto estava me divertindo com tudo aquilo (risos). Foi como a realização de um sonho.
O François vive o mesmo personagem, do início ao fim, mas a Joséphine teve um trabalho dobrado. Como foi criar essas duas versões de uma mesma pessoa?
JJ: É verdade, que bom que você perguntou isso, pois foi uma experiência interessante. Nunca havia passado por isso, tendo que lidar com duas personagens ao mesmo tempo. Foi um verdadeiro presente que ganhei do diretor. Me senti sortuda, porque a Olivia é uma figura incrível, e por mais que sejam versões diferentes, ambas possuem o mesmo coração. Além disso, o filme percorre um período de dez anos, então pude acompanhar essa mulher dos 17 aos 27, e todas as transformações pelas quais ela passa nesse tempo. Foi o desafio perfeito para uma atriz como eu, pois adoro assumir estes riscos.
Você, por outro lado, passa por uma situação bem distinta, certo?
FC: Exato. É o mesmo personagem, mas em duas vidas diferentes. Foi curioso ter recebido essa oportunidade de viver um cara que é totalmente desconectado da vida que ele acredita estar levando. De uma hora para a outra, tudo fica absolutamente diferente ao redor dele. E sempre com humor, com um viés cômico forte, para deixar essas mudanças mais leves.
Os dois personagens de vocês são artistas – um é escritor, a outra é pianista. Atualmente, no Brasil, por causa do discurso oficial do governo, os artistas têm sido vistos como se fossem responsáveis por tudo que há de errado, como se fossem os vilões da história. Como é a situação na França?
FC: Acho que, neste sentido, temos mais sorte. Afinal, recebemos ajuda do nosso governo, com orçamentos, apoios e financiamentos. Ainda assim, é muito difícil. É preciso estar sempre alerta para que ações como essas que estão ocorrendo no Brasil não terminem por sabotar a nossa criatividade. Afinal, isto é o que somos. A arte nos ajuda nas mais variadas formas, funciona como um espelho da realidade. É uma ferramenta importante e que não pode ser ignorada.
JJ: Concordo com você. Penso que temos essa sorte na França por causa do histórico de grandes pensadores e intelectuais, com um cenário artístico tão vasto. É algo que está enraizado na nossa cultura. Mas isso não quer dizer que não tenhamos que ter cuidado com esse tipo de comportamento. Temos que lutar, sempre, pela liberdade de expressão, mesmo numa democracia. Você nunca pode ter certeza que as coisas não irão mudar de uma hora para outra. Ou seja, temos sorte, mas também estamos atentos.
Amor à Segunda Vista é uma comédia romântica. Esse tipo de filme não costuma ser associado ao cinema francês. Este não é um gênero comum na França?
FC: Por mais curioso que possa parecer, de fato não é. O próprio roteiro de Amor à Segunda Vista não é tipicamente francês. E foi isso o que mais me atraiu, a possibilidade de fazer algo diferente. As referências do Hugo Gélin, nosso diretor e roteirista, são mais americanas do que francesas. Por tudo isso, foi um projeto bem diferente daqueles que costumamos ver no dia a dia.
É curioso, pois vocês formam um par romântico que passa a maior parte do filme separado. Como foi criar essa dinâmica?
JJ: Você percebeu bem, também discutíamos a respeito disso. Queríamos que o público torcesse pelo Raphael e pela Olivia, mesmo sem saber se eles funcionam juntos, pois sempre aparecem cada um de um lado. Foi preciso criar uma intimidade entre eles, que mesmo nas menores coisas fosse perceptível. Para isso, ensaiamos muito, e sempre em conjunto. Houve espaço para colaborações, para a troca de ideias, nada estava fechado. Era importante para nós, antes de qualquer outra coisa, acreditar nesse casal. Esta é a raiz de qualquer boa comédia romântica. Afinal, por mais maluco que seja, você torce para que o Hugh Grant e a Julia Roberts fiquem juntos no final! Acaba com qualquer um quando nos damos conta que aquela não é a vida real, era só uma ilusão. Por isso, tínhamos que criar esse sentimento entre nós. Uma coisa bacana que fizemos, nós dois e o Hugo, é que ele pegou uma pequena câmera e passamos três dias juntos, sem se preocupar com o roteiro ou com diálogos, apenas convivendo, como um casal mesmo, e ele fazendo esse registro nosso. Fizemos muita improvisação, pudemos jogar um com o outro. E isso que a gente nem se conhecia antes desse filme!
Vocês nunca haviam estado juntos antes das filmagens?
FC: A gente se conhecia, sabia quem o outro era, mas nunca havíamos conversado de verdade, nem trabalhado juntos. Éramos conhecidos, mas quase como estranhos. Por isso que foi preciso criar uma intimidade quase que do zero.
JJ: Tudo começou a mudar quando o Hugo chegou para nós e disse: “tive uma ideia, que tal vocês dois tomarem um banho juntos?”. Um banho, entendeu? (risos) Essa acabou sendo a primeira cena que filmamos – e no final ela nem entrou na edição final. Mas nos ajudou a quebrar essas barreiras. Depois disso, nos foi possível criar estes pequenos momentos de um casal, detalhes que escapam ao olhar, mas que estão ali, existem. São pequenas histórias que ajudaram a contar a grande história.
O verdadeiro casal do filme é o formado por Raphael e Félix, seu melhor amigo. Como foi trabalhar com Benjamin Lavernhe?
JJ: Ele é um gênio. Há pouco falei de Um Lugar Chamado Notting Hill (1999), e acho que aqui essa comparação se aplica novamente – ele é como o Rhys Ifans é para o Hugh Grant naquele filme! Foi um prazer incrível trabalhar com ele.
FC: Ele é sempre o melhor amigo, o cara que está ali ao lado, pronto para qualquer coisa. Ele faz esse tipo com perfeição. E o que mais gosto dessa situação é que ela é exatamente como você falou, eles são um casal, e o Félix é responsável por grande parte da história. É ele, por exemplo, que chama a atenção do meu personagem sobre como as demais pessoas olham para ele. A história dele é importante para o filme. A maneira como ele me vê, como me trata, é sempre leve, com humor, mas também com profundidade. Ele é um dos meus melhores amigos na vida real. Foi um ganho de tempo enorme ter contato com ele nesse filme, pois atingimos um nível de cumplicidade incrível.
Foi você que sugeriu o nome dele para esse papel?
FC: Não. Mas sabíamos que o Hugo iria fazer esse filme, e o tipo de atores que ele estava procurando, e fomos atrás. Quem nos indicou, aliás, foi Pierre Niney. Havíamos trabalhado com Hugo Gélin numa série chamada Casting(s) (2013-2015), que foi produzida por ele, e os dois continuaram amigos. Pierre foi o primeiro a ser convidado para esse papel, mas não pode aceitar, pois já estava comprometido com outro projeto. E por isso me indicou. Foi quando avisei Benjamin que ele também deveria se candidatar. Como o Hugo já nos conhecia, foi meio que natural para ele acabar nos chamando.
Qual foi a maior dificuldade enfrentada nesse projeto?
FC: Creio que seja mesmo a história que queríamos contar. Como você sabe, quando estamos filmando, nada é em ordem. Filmamos uma cena lá do final, daí coloca uma peruca e faz algo do começo, e assim por diante. Nesse contexto, acho que o maior desafio é acertar esse quebra-cabeças. É preciso muita preparação, e sempre saber onde está o meu personagem. E estar aberto aos improvisos, a qualquer mudança que possa acontecer, pois você nunca sabe ao certo onde ela poderá nos levar.
(Entrevista feita ao vivo no Rio de Janeiro em junho de 2019)