Nascido na pequena cidade de Curvelo, no interior de Minas Gerais, no dia 04 de junho de 1964, o ator Ângelo Antônio tem uma sólida carreira construída no cinema, no teatro e na televisão. Famoso pelo personagem Beija-Flor, visto na novela O Dono do Mundo (1991), já atuou em mais de 20 produções para a televisão, quase uma dezena de peças teatrais e em oito longas-metragens, além de outros dois inéditos que devem ser lançados nos próximos meses. Entre seus maiores sucessos estão o campeão de bilheteria 2 Filhos de Francisco (2005), que lhe valeu o reconhecimento como Melhor Ator no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, Chico Xavier (2010), visto por mais de 3 milhões de espectadores, e o atual Entre Vales (2012), que apesar de premiado no Festival do Rio, chegou somente agora aos cinemas do circuito comercial. E foi durante a estreia deste mais recente trabalho que o artista conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Seu personagem em Entre Vales possui duas linhas narrativas distintas. Como foi construir estes dois lados de um mesmo personagem?
Acho que dentro da gente temos muitos personagens. São facetas da nossa personalidade que estão ali, resguardados, esperando que a gente as acione. E há diversos aspectos, claros e escuros, que seguem conosco. Então o que foi preciso, no caso do Entre Vales, foi buscar outros lados em mim mesmo. Olhar para dentro, sabe? Algo muito interno. É o tipo de experiência pela qual nunca imaginamos passar, viver como aquelas pessoas, no meio do lixo, completamente alheios ao universo. Mas aquilo está ali, e é importante olhar para ele. Reviramos muitos lixos na construção deste personagem, lixos internos, inclusive. São metáforas que fazemos uso, outros caminhos, foi preciso pensar no detalhe, em cada nuance. Foi um processo muito difícil, não é nada fácil chegar a um sentimento como aquele, de profundo desapego, de perda total. Tive que ir atrás de um desespero, de uma angústia que nem imaginava existir. Foi dolorido, mas também gratificante.
Entre Vales não possui um roteiro linear. Como foram as filmagens? Qual ordem vocês seguiram?
Faz muito tempo que filmamos, então não lembro muito bem. Mas tenho a impressão de que primeiro filmamos as cena dele bem, em família, com o filho, e ficaram para o final as sequências no lixão. Ou seja, filmamos quase que na ordem cronológica dos acontecimentos do personagem, mas não na forma como o filme é construído. O importante, no entanto, é que tinha alguém inteiro em mãos, e essa responsabilidade me exibiu muito. Filmar fora de ordem não atrapalha muito, pois o preparo para cada cena é individual. Claro que fazer em sequência é melhor, a equipe inteira vai evoluindo junto com o andar da história, mas nem sempre é possível – aliás, quase nunca se consegue. E o cinema tem disso, obras fechadas tem essa vantagem de já sabermos como irá acabar, então vamos organizando em nossa cabeça, de acordo com a exigência do diretor.
E como faz para lidar com as emoções dos personagens com um processo como esse?
Nossa, é muito difícil. Acho que ainda não sei. Será que consegui? O que você acha? A gente vai tentando, é na tentativa, no erro e no acerto. Depois que o filme acabou eu seguia sonhando com o lixão, aquilo me marcou muito. O som dos tratores, a reação das pessoas. É algo muito forte, que gruda na gente. A gente tem que confiar no diretor, no texto, nos colegas em cena. E torcer para que tudo dê certo.
O que você achou do roteiro de Entre Vales quando o leu pela primeira vez?
Sinceramente? Não me lembro. Não teria como responder a essa pergunta. Faz tanto tempo… mas algo ficou comigo, não? O que lembro foi da sensação que tive ao me deparar com esse personagem, foi ele que mais me chamou atenção, de uma forma ainda mais forte que o filme como um todo. Me senti estimulado por ele. Lembro de acompanhar a jornada deste homem durante a leitura e me sentir preso, sem conseguir largar o texto. Foi um processo muito interessante.
Uma participação muito especial no elenco de Entre Vales é a do uruguaio Daniel Hendler. Como foi trabalhar com ele?
Foi muito bacana, um verdadeiro privilégio. Já conhecia e gostava do trabalho dele, é um cara que admiro, sabe? Nosso encontro foi ótimo, foi muito legal perceber nele também um ótimo colega de trabalho, alguém com quem foi possível dividir e colaborar. Ficamos muito amigos, próximos mesmo, durante as filmagens. Mas quando acaba vai cada um para o seu lado, né? E foi muito rápido, ele tinha poucas cenas. O que posso dizer é que despertou em mim uma vontade enorme de conhecer melhor o Uruguai, a Argentina, quem sabe trabalhar por lá, também.
Entre Vales está pronto desde 2012, quando foi exibido no Festival do Rio. Por que essa demora para ganhar o circuito comercial?
Olha, quem tem que responder isso é o Philippe (Barcinski, diretor). Quero dizer, sou apenas o ator, me oferecem um trabalho, vou, faço, e depois me apronto para o próximo. Às vezes ficamos nos perguntando “o que aconteceu com aquele filme, será que estreou e não me chamaram?”. Com o Entre Vales foi mais ou menos assim, já fiz outros dois filmes depois dele, minha cabeça está longe. Mas foi uma experiência muito bacana, e é um prazer reencontrar todo mundo agora, nas pré-estreias. Nunca fui de analisar muito quais filmes fazer, sempre fui mais pelo instinto. Basta me convidar que, se tiver tempo, vou e faço. Adoro cinema!
Você já estreou filmes de imenso sucesso, como Chico Xavier (2010) e 2 Filhos de Francisco (2005). É fácil fazer cinema no Brasil?
É difícil, muito difícil. Estes dois casos foram, além de muita sorte, uma conjunção de fatores certos. É preciso encontrar um papel no qual você se encaixe, ter confiança nas demais pessoas envolvidas, sempre somar. Busco algo que me ajude a fazer diferença, entende? Tive muita sorte, e não só no cinema. Na televisão, em novelas como Pantanal (1990) ou O Dono do Mundo (1991), foram trabalhos que marcaram minha trajetória. É algo que o público lembra até hoje. São estes fatores inconscientes, essa combinação de astros que, quando percebemos, dá certo. O importante, no entanto, é seguir em frente, sempre.
Quais são seus próximos projetos no cinema?
Tenho dois filmes prontos, e mais um que vou começar a filmar em breve. Um deles é da Tizuka Yamazaki, se chama Amazônia Caruana e foi filmado em 2010, ainda antes do Entre Vales. Espero que saia logo, parece que até o final deste ano. Eu faço um pajé, índio mesmo, é um lance com muita espiritualidade. Tem também o Deserto Azul, do Eder Santos, que fiz no ano passado e também deve estrear por agora. É o primeiro longa desse diretor, no elenco tem ainda o Chico Diaz, a Maria Luiza Mendonça, e é uma história muito complexa. Pra se ter uma ideia, o nome do meu personagem é Ele Velho, é uma transição entre pessoas jovens e versões delas mesmo já com mais idade. É um filme interessante, muito poético e simbólico. E tenho convites do Vinicius Coimbra, do David Schurmann, da Carol Couto… to analisando ainda, mas vai sair muita coisa boa ainda.
E o que você acha que o público irá encontrar em Entre Vales?
Nossa, sabe que estou me surpreendendo? Este é uma obra tão pequena, tínhamos tão poucas expectativas. Queríamos, apenas, fazer um bom trabalho. E temos visto, nas pré-estreias, as pessoas emocionadas, vindo falar conosco após as sessões chorando, nos agradecendo. Tem sido muito bonito. As pessoas estão gostando muito desse novo pequeno grande filme. E estamos muito felizes vendo como conseguem se identificar com o que queríamos passar, que é essa história de transformação e mudança.
(Entrevista feita por telefone direto do Rio de Janeiro no dia 07 de maio de 2014)