Victor Ribeiro é cineasta, ator e dramaturgo. Nesta semana, ele lança Aqualoucos (2017), documentário algo familiar, pois seu pai foi um dos icônicos saltadores-palhaços do Clube de Regatas Tietê, de São Paulo. Essa proximidade, inclusive afetiva, o motivou a resgatar cinematograficamente o grupo irreverente que fez a alegria da criançada (e dos adultos, também), entre os anos 50 e 80. Victor, gentilmente, nos atendeu para uma conversa breve sobre a estreia do seu mais novo trabalho, aproveitando para refletir um pouco acerca da própria trajetória artística. Assistente de direção de projetos grandes, como os longas-metragens Ensaio Sobre a Cegueira (2008), de Fernando Meirelles, e VIPs (2010), de Toniko Melo, além da minissérie Som & Fúria (2009), coprodução Rede Globo e O2 Filmes, ele agora chega ao circuito com este filme de pessoalidade residente na maneira divertida e positiva de olhar ao passado. Confira o Papo de Cinema que tivemos com Victor a respeito de Aqualoucos.
Essa trajetória dos saltadores-palhaços pedia para virar um filme. E ele acabou sendo, para você, algo muito pessoal e, de certa forma familiar, certo?
Nunca pensei antes em fazer documentário. Tenho formação de ator e dramaturgo. Estudei cinema na Academia Internacional de Cinema, aliás, sou da primeira turma da AIC de São Paulo. Cresci com meu pai sendo aqualouco, era o maior orgulho da vida dele ser aqualouco. Isso dele subindo no trampolim, na plataforma, com todo mundo olhando, o admirando, criou em mim um imaginário muito forte. Quando entrei nesse caminho de fazer filmes, o documentário foi me parecendo menos complicado, até para captar recursos. E, ao longo do processo de Aqualoucos, fui entendendo a importância deste filme para mim. Demorei, de fato, a compreender o que ele significava para mim. Este filme é uma homenagem ao meu pai, bem como ao seu grupo de amigos da juventude. Antes, eu tinha vontade de fazer um filme autoral, que retratasse a busca do diretor. A descoberta do viés de homenagem me libertou, verdadeiramente, na ilha de edição.
Houve alguma dificuldade para encontrar o tom, especialmente por ser tratar de uma história emocionalmente próxima a ti?
A ideia da homenagem surgiu, mesmo, na montagem. O Ricardo Farias, o montador, me “contou” o filme, com certeza. Para você ter uma ideia, minhas imagens iniciais nem iriam ser utilizadas, o Ricardo sugeriu aproveitar elas como parte dessa homenagem, deflagrando, também, o lado mais pessoal. Eu sabia que os personagens eram muito fanfarrões e engraçados, mas, de fato, foi o Ricardo que dimensionou esse universo divertido, lúdico. Claro, a importância das características dos personagens já era evidente à direção, mas, ao entrar na montagem, achamos esse ritmo, decidimos assumir o lado divertido, diferentemente da seriedade adotada comumente em documentário.
Sobressai um olhar afetuoso ao passado, não uma nostalgia pesada. Era sua intenção trazer ao filme essa leveza própria dos aqualoucos?
Essa foi a maior lição que tive ao realizar o filme. Esses sujeitos encontraram um propósito, instaurado lá na juventude, para se sentirem completamente livres. Eles falam que a vida é daqui para frente, demonstrando alegria e paixão pelo passado, mas olham adiante. Esse foi um grande ensinamento. Temos muitos exemplos de artistas que sofrem de saudade do ontem. Neste caso, os aqualoucos ainda são aqualoucos. Embora o corpo não ajude mais, o avanço da idade não tira esse espírito deles, aliás, eles continuam ligados à piscina, como visto no filme. Esse viés não estava na pesquisa, surgiu ao longo do processo.
O documentário tem um visual muito bonito. Como foi o trabalho com o seu diretor de fotografia, o Felipe Hermini?
Meus curtas-metragens já têm um apuro estético. Geralmente trabalho com o Felipe Hermini, embora eu também seja fotógrafo. Mas, com certeza, o Felipe traz ao documentário um olhar bem profundo. Como trabalhamos muito juntos, ele sabe o que me agrada esteticamente. Conversamos bastante sobre o filme. A maneira de encontrar a minha mão, o meu olhar, foi por meio da instância visual. O material de arquivo era excelente, mas visualmente tosco, zuado, imagens mal filmadas, então eu queria trazer uma beleza para esse filme. É como se naqueles momentos subaquáticos, dos saltos, das imagens que fizemos, conceitualmente eu dissesse: aqui é o diretor, no caso, eu, contando a história.
Em meio aos relatos, você conheceu algo sobre o seu pai?
Descobri muita coisa. Inclusive que ele era chato pra caramba (risos). Sempre foi tudo do jeito dele, mas constatei que na juventude ele era igualzinho (riso). Eu era muito pequeno quando o Aqualoucos acabou. Meu pai trabalhou depois com pinturas, obras, essas coisas. O filme me permitiu vivenciar um pouco a juventude dele. Meu pai sempre comparou as nossas juventudes, dizendo “eu fui aqualouco, você não”. Agora percebo melhor que, realmente, talvez a minha juventude não tenha sido tão legal quanto a dele (risos).
O filme foi exibido na Mostra de São Paulo 2017, para uma plateia mais cinéfila, assim digamos. Mas que tipo de público você acha que ele vai tocar no circuito comercial?
Na Mostra SP geralmente esperamos um publico mais cinéfilo, ligado efetivamente em cinema. Mas em todas as três sessões que tivemos no evento, 40% da sala era composta de idosos, de uns 70 anos para cima, quase sempre acompanhados de netos e/ou filhos. O filme atraiu efetivamente um público mais velho, mas, acredito que ele tem muito a ensinar à juventude. É maravilhoso angariar esse publico mais idoso. Esses espectadores vivenciaram outra época do cinema. Na Mostra SP eu vivi essa nostalgia. Foi muito legal.
(Entrevista concedida por telefone, direto de São Paulo, em novembro de 2017)
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