Roberto Santucci é o mais bem sucedido cineasta brasileiro da atualidade. Há um bom tempo ele deixou para trás nomes como Fernando Meirelles, Walter Salles, Bruno Barreto, Hector Babenco, Jorge Furtado e muitos outros. Isso quando nos referimos, é claro, ao incrível sucesso de bilheteria que Santucci tem alcançado com seus últimos trabalhos. Basta conferir a quantidade de espectadores que foram aos cinemas conferir De Pernas pro Ar (3,5 milhões em 2011), Até que a Sorte nos Separe (2,5 milhões em 2012) e De Pernas pro Ar 2 (4,1 milhões em 2013). Recentemente, ele voltou às telas com uma nova comédia, o romântico Odeio o Dia dos Namorados, estrelado por Heloísa Perissé e Daniel Boaventura, enquanto prepara três novos trabalhos – todos investindo no mesmo gênero: Doidas para Casar (previsto para 2014), De Pernas pro Ar 3 (que deve ser lançado no primeiro final de semana de 2015) e Até que a Sorte nos Separe 2 (em data ainda a ser confirmada). Neste meio tempo, o realizador acredita estar ganhando muita experiência, tanto de profissão quanto de mercado, para um dia, quem sabe, voltar a fazer trabalhos mais autorais, como Bellini e a Esfinge (2002), policial estrelado por Fabio Assunção e Malu Mader bastante elogiado, porém pouco visto. Foi sobre estes altos e baixos, seus gêneros favoritos e sobre o longa mais recente a ganhar as telas que o diretor conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Roberto, você tem sido chamado de ‘o novo midas do cinema nacional’. Qual o segredo desse sucesso?
O segredo é trabalhar com gente boa, reunir vários talentos, contar com muita sorte, investimento financeiro e saber combinar um pouco de tudo isso. Acho que o meu mérito é conseguir coordenar em conjuntos todos estes profissionais talentosos que temos reunido a cada nova produção. Cada um atua na medida certo com os outros, ninguém procura abafar o outro. Claro que cinema é muito mais complicado do que isso, tem outras questões como levantar os recursos, se encontrar com patrocinadores, escolher a melhor data de lançamento. Só este ano várias comédias já entraram em cartaz, então a nossa é mais uma nesse meio, mas que busca ser diferente, se destacar. Estamos disputando espaço com blockbusters internacionais, grandes astros, então não é nada fácil.
Como foi o trabalho com o Odeio o Dia dos Namorados?
Estou muito feliz com o resultado, creio que até mais do que com os projetos anteriores. Só o fato de estar mais uma vez contando com a parceria do Paulo Cursino (autor do roteiro), com o Marcelo Saback, a Heloísa Perissé – que eles já conheciam de outros trabalhos – fez toda a diferença. Juntar pessoas que já possuem um contato, um entrosamento, é parte de um método de trabalho que considero fundamental para continuar tendo esses resultados tão positivos. E trouxemos outros nomes tarimbados, como a Danielle Winits, o André Mattos, o Fernando Caruso… tê-los juntos num mesmo set é um privilégio, uma sinergia única de talentos. A minha sorte é poder contar com essas pessoas, somando estes diferentes talentos numa mesma direção.
Quais são as expectativas com Odeio o Dia dos Namorados?
São as melhores possíveis, ainda que a gente ache difícil alcançar números tão altos quanto os do De Pernas pro Ar, por exemplo. Este é um projeto mais refinado, não é tão escrachado. Ele já existia na produtora, estava incubado há um tempo esperando sua hora para acontecer. Foi por causa de um problema de agenda que acabaram me chamando para assumi-lo, a data de lançamento já estava acertada antes mesmo de termos filmado a primeira cena. Não havia como fugir e nem tempo a perder. A história básica já existia, mas chamei o Cursino e combinamos outros elementos que considerávamos interessantes, como o conto do Dickens, combinando passado e presente. Além disso eu queria uma sequência de ação emocionante, com carros explodindo, muitos efeitos especiais. Meu foco é com a parcela mais ampla possível da audiência, não quero falar só com as mocinhas apaixonadas, por exemplo. Quando conseguimos chegar a um roteiro mais estruturado, vi que era algo que valia a pena fazer.
O curioso é que no começo da sua carreira seus projetos eram bem mais sérios, como o policial Bellini e a Esfinge…
Minha carreira no cinema sempre foi algo difícil, até mesmo com o primeiro De Pernas pro Ar. Comecei de modo bem independente, sem muitos contatos. A questão é que me formei em cinema nos Estados Unidos, e com isso perdi toda a turma da faculdade, pois quando vim para o Brasil começar a trabalhar não conhecia ninguém. Meu primeiro longa, o Olé – Um Movie Cabra da Peste (2000), era todo falado em inglês, ninguém quis ver (risos). Depois veio o Bellini e a Esfinge quase que num golpe de sorte. Gosto muito desse filme, tê-lo pronto foi uma vitória. O problema é que a gente tinha muito pouco dinheiro, não tivemos um lançamento adequado. Faltou jogo de cintura do produtor para saber como trabalhar com aquele produto que a gente tinha, que exigia um cuidado maior. O filme era muito bacana, foi bem em DVD, mas no cinema acabou não rolando, teve menos de 60 mil espectadores.
E entre os 60 mil espectadores de Bellini e a Esfinge e os quase quatro milhões de De Pernas Pro Ar, o que fizeste?
Fui literalmente ao fundo do poço, pra conseguir começar a subir. Depois do Bellini, fiquei muito tempo tentando emplacar projetos em leis de incentivo, buscando ajuda do governo, mas nada dava certo. Acabei fazendo o Alucinados (2008), anos depois, feito inteiramente com dinheiro do meu bolso e que até hoje não foi lançado. É também um policial, bastante urbano, de um outro cineasta, muito diferente desse que faz sucesso com comédias. Mas ao mesmo tempo ele acabou circulando na indústria, e despertou a atenção de algumas pessoas certas.
Como quem, por exemplo?
O Bruno Wainer, da Downtown Filmes, que foi quem me chamou para fazer o De Pernas pro Ar. Esse filme foi a minha moeda de troca, a minha oportunidade de facilitar minha vida e mostrar do que eu era capaz. E como deu certo, gostaram e decidiram apostar em mim. Essa foi a virada, quando tudo começou a andar. De Pernas pro Ar é uma comédia, é feminina, falava de sexo, tinha muita desconfiança a meu respeito. Mas quando o filme passou dos dois milhões de espectadores, foi uma loucura, porque ninguém esperava tanto. Foi quando começou a chegar até mim só propostas semelhantes, porque queriam que aquele sucesso se repetisse. As comédias foram um meio que encontrei para conseguir me estabelecer no mercado.
Odeio o Dia dos Namorados foi pensado especialmente para a Heloísa Perissé?
A trama básica já existia, mas isso ainda muito nos primórdios. Quando me chamaram e decidi convidar o Paulo Cursino para trabalhar comigo, de imediato pensamos na Perissé. Quando ela aceitou, com base apenas no nosso argumento, começamos a trabalhar numa nova versão do roteiro, daí, sim, tendo ela em mente desde o princípio. Tudo que está na tela agora foi pensado especialmente para ela.
Como foi feita a seleção do resto do elenco?
Esse é um processo muito complicado, em que todo mundo dá seu pitaco, ainda mais em algo com tanta expectativa. Temos que observar sugestões dos amigos, dos produtores, dos patrocinadores, aqueles nomes que a gente mesmo se interessa, e fazer um combinado disso tudo. Às vezes um projeto fica parado só esperando pelo ator certo, noutras fazemos o melhor dentro da medida do possível. Alguns nomes já chegam até nós como confirmados, pois são ‘quentes’, estão em alta no momento e podem ser boas apostas junto ao público, mas outros a gente precisa lutar por eles, pois acreditamos mesmo que ainda não tenham sido testados, sejam desconhecidos da grande massa. É uma mistura, que nem sempre dá certo, mas que precisa ser feita.
Heloísa Perissé e Ingrid Guimarães foram parcerias, no teatro e na televisão, por anos. Você, que já trabalhou com as duas, saberia apontar as principais diferenças entre elas?
Olha, essa é uma boa pergunta. As duas são extremamente talentosas, sabem fazer humor de uma maneira impressionante e possuem modos muito diferentes de se comportar. É difícil pensar em algo que não seja muito bom sobre qualquer uma delas. Mas elas são, por outro lado, muito diferentes, também. A Heloísa é uma atriz muito completa, e foi por isso que pudemos explorar outros lados da personalidade dela neste filme. O roteiro se aventura por situações mais dramáticas, tem seus momentos de emoção, e isso só foi possível porque sabíamos que a atriz conseguiria dar conta. E ela caiu de cabeça no projeto, trabalhando ao nosso lado cenas, diálogos, sempre com sugestões muito estudadas.
Havia espaço para improvisações, então?
Isso nem foi preciso, porque já havíamos estudado tanto o texto antes, que quando chegou a hora das filmagens, já estava tudo pronto. Meu processo é bastante colaborativo. Cada sugestão que era dada, o convencimento precisava ser orgânico, compartilhado por todos. Gosto muito do Cursino porque ele é um roteirista com muita humildade, sabe abrir mão das suas ideias e mudar quando é preciso, sempre em prol para o que é melhor para o todo. Este é um gênero de cinema muito difícil, não há meio termo, ou se tem ou não graça. A avaliação é muito simples – basta ver se estão rindo ou não – mas fazer é outra história.
Odeio o Dia dos Namorados chegou aos cinemas nas vésperas do… Dia dos Namorados! Este é um filme para apaixonados ou para aqueles que fogem das datas mais românticas?
Acho que pras duas coisas. Essa brincadeira do título surgiu justamente para despertar a atenção daqueles que fogem do mais óbvio. O título inicial era apenas Dia dos Namorados, depois mudamos com essa intenção, para mostrar que nosso foco era mais amplo. O que importa aqui é a história dessa personagem, que está revendo sua vida, suas escolhas. Ela não acredita no amor, no romance, e chega um momento em que ela precisa dar a volta por cima, reavaliar tudo. É quando entra também o personagem do Daniel Boaventura, um homem fechado, com seus traumas, mas que também se emociona, quer ser feliz. Este é um filme para homens e mulheres, apaixonados ou não. O fundamental é estar aberto para uma hora e meia de muita diversão, mas sem ser escrachado, exagerado. Dessa vez estamos indo com mais cuidado, apostando em outras emoções também.
E depois, como estão os planos de Roberto Santucci daqui pra frente?
Meu próximo filme será Até que a Sorte nos Separe 2. É esse que o mercado está pedindo neste momento. Estou sem um projeto pessoal pronto, para me dedicar. Tenho algumas ideias, algumas linhas que pretendo seguir, mas nada fechado ainda. Enquanto isso, não posso ficar parado. E assim vou ganhando experiência, o que é fundamental para mim. Sei que as coisas nem sempre funcionam exatamente como imaginamos, quando vejo meus filmes anteriores encontro muitos problemas, muitos erros, muita coisa que hoje faria diferente. A partir do momento em que a história começa a sair do papel, já começa a frustração, e quem dizia isso era o próprio Woody Allen. Então não posso ficar pensando só nisso, tenho que aprender com os erros e seguir em frente. É por isso que gosto do feedback do público, essa é a minha principal resposta.
(Entrevista feita por telefone direto de São Paulo no dia 29 de maio de 2013)
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