O diretor de "As Cores e Amores de Lore"
Tudo começou com uma inesperada citação à sua mãe num livro a respeito da alemã Eleonore Koch, única discípula de Alfredo Volpi, artista plástica radicada no Brasil desde a Segunda Guerra Mundial. Começava aí o interesse do cineasta Jorge Bodanzky por essa mulher notável que tinha uma história familiar semelhante a dele em vários pontos. As primeiras conversas entre os dois foram gravadas, mas não havia inicialmente a ideia de fazer um filme. No entanto, o cinema muitas vezes se impõe em meio a um outro processo. As Cores e Amores de Lore (2024) é o resultado desse encontro entre Bodanzky e Koch – exibido no festival É Tudo Verdade e em cartaz nos cinemas brasileiros desde a última quinta-feira, 13.
Conversamos remotamente com Jorge Bodanzky sobre As Cores e Amores de Lore. Sempre muito educado e atento às perguntas, o codiretor de Iracema: Uma Transa Amazônica (1975), híbrido de ficção e documentário que marcou época no nosso cinema, falou a respeito de suas inspirações, da decisão se tornar também personagem do filme e da importância essencial de uma colaboradora para ele conseguir trazer à tona questões de gênero ao investigar uma mulher que encarou diversas barreiras para ser aceita e levada a sério profissionalmente. Confira abaixo a nossa conversa exclusiva com Jorge Bodanzky.
“Fiquei curioso quando descobri que num livro sobre Eleonore Koch minha mãe, Rosa Bodanzky, era citada. Procurei a Lore para entender isso. Ela disse que havia conhecido bem minha mãe. No primeiríssimo encontro, na casa dela, levei a câmera e pedi autorização para filmá-la. E ela concordou. A partir daí passamos a nos encontrar regularmente até o fim da vida dela. Isso durou uns cinco anos, às vezes mais, noutras vezes menos espaçadamente. Então, tudo começou pela curiosidade que tive pela citação à minha mãe. As histórias que ela contava começaram a ficar tão interessantes que minha mãe se tornou um anexo da vida dela”.
Especialmente na primeira parte de As Cores e Amores de Lore, Jorge Bodanzky é personagem do filme. Além de interlocutor, de entrevistador, ele aproveita algumas histórias de Lore para falar da mãe, das simetrias existentes entre a vida da artista plástica e de sua genitora que igualmente fazia parte de uma burguesia europeia que migrou ao Brasil entre os anos 1920/30.
“Virar personagem não foi algo pensado. Na verdade, inicialmente não pensei em nada, queria apenas conhecer a história dela (…) como eu estava sempre sozinho com ela, eu e uma câmera fotográfica, acabamos desenvolvendo muita intimidade. Fotografo de modo simples, com luz natural, com nada que perturbe a intimidade da conversa. Nunca a interrompi pensando num filme. Essa forma permitiu que ela falasse muito à vontade, é como se não existisse a câmera (…) para falar a verdade, nem eu reparava que a câmera estava lá (risos)”.
Durante a conversa, Jorge Bodanzky exaltou a importância da montadora Bruna Callegari para organizar esse material que inicialmente nem havia sido pensado como filme. E, mais, para ressaltar aspectos de gênero inerentes à trajetória de uma mulher que, assim como tantas, pagou caro por estar na vanguarda de uma sociedade e de um campo de trabalho ainda muito dominados por uma supremacia masculina.
“Minha relação com a Bruna foi muito interessante, inclusive porque ela viu o lado da mulher, muito mais do que eu. Lore foi realmente uma pioneira. Temos poucos relatos de mulheres artistas no Brasil nos anos 1950/60. Ela é um testemunho de alguém que vivia livremente numa época em que no Brasil isso era um tabu absoluto (…) A Bruna trouxe esse olhar feminino, chamando a atenção para isso. No começo eu enxergava a minha mãe e depois passei a enxergar a própria Lore. Nos anos 1920/30 na Europa, as mulheres burguesas viviam livres. Era quase impossível repetir no Brasil esse estilo de vida, mas a Lore conseguiu”.
Confira a versão em vídeo da entrevista com Jorge Bodanzky sobre As Cores e Amores de Lore.