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As estranhas amizades de Sean Baker

Publicado por
Robledo Milani

Nascido e criado nos Estados Unidos, Sean Baker não é nenhum novato na indústria cinematográfica. Premiado em diversos festivais nos EUA – SXSW, Hamptons, Woodstock, Nashville, Los Angeles, Florida, Boulder e Hawaii – e no exterior – Turim, Reykjavik, Marrakech, Mar Del Plata, Entrevues e Locarno – com seus primeiros longas Prince of Broadway (2008) e Take Out (2004), ele trabalhava na televisão – na MTV, com o programa Warren the Ape (algo como Warren, o Macaco, em tradução direta), um spin-off de Greg the Bunny (2002). A MTV queria atingir rapazes de 16 a 20 anos, e por isso o diretor acabou escalando vários atores de filmes adultos para agradar esse público específico. Algumas dessas mulheres se tornaram conhecidas dele e do co-roteirista Chris Bergoch, e, lentamente, os dois começaram a ver que suas vidas pessoais eram tão não-glamourosas quanto imaginavam.

Desse convívio surgiu a ideia de fazer um pequeno filme sobre o dia na vida de uma “starlet”, focado num momento em que ela não estivesse trabalhando. Assim nasceu Uma Estranha Amizade, drama premiado no Independent Spirit Award e que está atualmente em cartaz no Brasil. O cineasta, muito solícito, conversou com o Papo de Cinema por email, direto de Los Angeles, nos intervalos das filmagens de Tangerine, seu mais recente projeto. Confira esse bate-papo inédito e exclusivo a seguir:

Para começar, o que você achou do título brasileiro de Starlet, que aqui se chama Uma Estranha Amizade?
É uma escolha interessante. No entanto, não há uma dica sobre a trama do filme. E isso é uma escolha corajosa da parte do distribuidor. O título em Hong Kong quer dizer Pequena Estrela, para se ter uma ideia. Sempre é interessante ver como os outros países decidem chamar os filmes.

Como você se preparou para contar uma história tão íntima e feminina quanto Uma Estranha Amizade?
Honestamente, não acho que a gente tenha se preparado de nenhuma maneira para contar uma história “feminina”. Nós só queríamos escrever para pessoas reais. Acho que minhas maravilhosas atrizes Dree Hemingway e Besedka Johnson trouxeram a feminilidade e a intimidade para o filme. A amizade delas cresceu enquanto o filme estava sendo feito… Então várias das nuances das suas interações foram capturadas no filme.

 

O relacionamento que se desenvolve entre as duas personagens principais é, no mínimo, curioso. De onde você tirou inspiração para o roteiro?
Por mais de dez anos mantive um primeiro tratamento de um roteiro de lado. Se chamava Bric-a-Brac e era sobre uma mulher de 20 anos que encontra uma grande quantidade de dinheiro em uma garrafa térmica comprada em uma venda de quintal e, ao invés de ficar com o dinheiro, ou devolver imediatamente… Ela fica amiga da senhora que vendou a garrafa para ver se ela precisa ou merece o dinheiro de volta. Era baseado em uma história real que aconteceu com uma amiga do meu pai. Ouvi a história quando criança e sempre me perguntei o que faria naquela situação. Também vi essa situação como um bom catalisador para juntar dois personagens. A união de duas pessoas de gerações diferentes é uma influência direta de Ensina-me a Viver (1971) e de um curta antigo da série Os Batutinhas chamado Segunda Infância (1936). Ambos são focados na maneira em que relacionamentos com pessoas de gerações diferentes podem ser recompensadores. O papel da avó, interpretado por Zeffie Tilbury, em Segunda Infância, foi a inspiração para a Sadie em Uma Estranha Amizade.

Dree Hemingway e Sean Baker

Dree Hemingway já havia feito alguns filmes, mas Besedka Johnson é uma novata, apesar de estar no momento das filmagens com mais de 80 anos. Como foi o processo de escalação do elenco?
Queria escalar uma estrela de anos passados… uma “starlet” de outra era. Apesar de termos chegado perto, tivemos dificuldade em achar alguém para Sadie. Faltava apenas 3 ou 4 semanas para começar a produção e nós estávamos começando a nos estressar. Shih-Ching Tsou (co-diretor de um dos meus primeiros filmes, Take Out, 2004) é um dos produtores executivos de Uma Estranha Amizade. Ela estava na cidade para a pré-produção (também fez os figurinos e a continuidade no filme) e foi a uma academia local, malhar. Do vestiário da academia me mandou uma mensagem, dizendo que achava que tinha encontrado a nossa atriz. Shih-Ching falou com a Besedka e pediu que ela fizesse um teste. Besedka achou que estava sendo enganada, no começo, mas concordou em encontrar com a Julia Kim (nossa diretora de elenco) e comigo. No teste, nos falou que morou em Los Angeles a maior parte da vida e que sempre sonhou em atuar em um filme, mas que nunca tinha tido uma chance. Menos de um ano depois, a Besedka recebeu um prêmio especial de reconhecimento do júri por sua atuação no SXSW 2012.

 

Uma Estranha Amizade também se passa nos bastidores da indústria pornô de Los Angeles. No entanto, não é uma visão cliché e não se trata de um elemento gratuito. Quais foram as suas intenções ao inserir a história nesse contexto?
Simplesmente me interessei em explorar a indústria moderna de filmes adultos de uma maneira que não julgasse, condenasse ou mesmo aprovasse. Sempre me interessei por indivíduos que vivem à margem e não seguem as ditas normas sociais. Isso foi o que me atraiu, inicialmente, para o assunto. No entanto, foi enquanto passava tempo com alguns desses indivíduos que descobri que eles veem o que fazem como um emprego qualquer. O que pode ter começado como uma aventura, se tornou um trabalho igual a tantos outros. E sempre acreditei que a carreira de uma pessoa não a define… e sim o seu coração, seu humor e sua atitude na vida. Então queria focar em alguém que trabalhasse na indústria, mas não focar na indústria.

 

Por que citar Paris como um destino ideal? Qual o seu relacionamento com a capital francesa?
Eu não tenho nenhum relacionamento com a capital francesa além de ter estudado francês no colégio. A França é um dos poucos países europeus que ainda não visitei. Espero poder ir logo. Em relação a referência, a gente foi no cliché porque seria o elemento de contos de fada do filme… e que nunca acontece na tela.

O que você faria se estivesse na mesma situação da Jane, ao encontrar algo que não lhe pertence, apesar de ser seu por direito?
Acredito que devolveria. A regra de ouro – a gente deve tratar os outros como gostaríamos de ser tratados.

 

As duas protagonistas mentem uma para outra, mas se aproximam apesar disso. O que as afeta mais, a diferença de idade ou suas histórias de vida?
Essa é uma pergunta interessante. Acredito que seja suas histórias de vida. As duas têm perdas e lutas em seus passados. Basedka e eu conversamos sobre uma história anterior completa. Acredito que ela tenha ficado com o passado da Sadie na cabeça ao filmar cada cena, porque dizia que usava isso como motivação. Para a cena em que perde o cachorro, ela pegou experiências com pessoas e seu amor por animais para alcançar o pesar que mostra na câmera. Esse foi o norte que nos guiou por todo o filme.

E sobre seu novo filme? O que pode adiantar?
Terminamos as filmagens ontem! É como um filho que estivesse nascendo. Metade do trabalho está pronto, mas há muito ainda a ser feito. Se chamará Tangerine, e o tema central será a infidelidade. É uma história com vários núcleos narrativos e se passará nos bastidores de diferentes subculturas em Los Angeles.

(Entrevista feita por email direto de Los Angeles, onde mora o diretor, no dia 24 de janeiro de 2014)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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