Foram quatro anos de gravações, pesquisa, viagens e conversas. E, no 41º Festival de Gramado, o resultado finalmente apareceu. Mais uma Canção, com direção de Rene Goya Filho e Alexandre Derlam, teve sua première no Rio Grande do Sul durante a Mostra de Longas-Metragens Gaúchos, seleção apresentada fora de competição durante a festa do cinema. O filme conta a trajetória de Bebeto Alves, músico nascido em Uruguaiana e um dos principais nomes da MPG, a chamada música popular gaúcha. Neste bate-papo realizado com Rene Goya Filho via telefone, o diretor conta como esse projeto ganhou vida.
As imagens em Mais uma Canção são de várias épocas, denota um trabalho de pesquisa bem grande. Como foi fazer esse trabalho?
A motivação foi para entender, através do Bebeto, o caminho da música gaúcha urbana, que tem influência da música folclórica e que foi basicamente feita por essa geração a partir dos anos 70, do Carlinhos Hartlieb, do Paralelo 30. Como essa música aconteceu aqui e não aconteceu no Brasil? Então, a gente discute do ponto de vista musical porque a música daqui, que tem qualidade, que tem um repertório incrível, que sonorizou nossa aldeia, não foi mais longe. Essa foi a motivação do filme. Pensando nisso, obviamente a gente foi longe. Tem 40 anos da vida do Bebeto e de pesquisa de imagens para ajudar a contar essa história.
E quem chegou com a ideia do documentário?
Tudo começou com um concerto que gravamos com o Bebeto com uma Orquestra. O Bebeto, morando no Rio de Janeiro, fez umas fotos pra gente quando gravamos com o Andy Summers, do Police, e com o Roberto Menescal, para um projeto de outro filme que estávamos fazendo sobre o Orfeu, sobre o Breno Mello. Quando o Bebeto veio para Porto Alegre fazer show com a Orquestra do Theatro São Pedro, ele falou para que gravássemos, dando uma força para ele. Quando fomos gravar e começamos a conversar, pensamos que esse concerto não podia ser só um concerto. Tem uma história, uma trajetória, rende muito mais. E quando começamos a fazer a pesquisa, realmente fomos descobrindo coisas. O próprio Bebeto, também, relembrando grupo Utopia, a música que ele fez nos anos 80. Acabou sendo uma redescoberta coletiva.
Mais Uma Canção tem dois momentos. Um mais voltado a uma biografia do Bebeto Alves e outro, mostrando uma grande viagem do Bebeto à procura de uma sonoridade…
Sim, a narrativa do filme é a busca do Bebeto por essa identidade musical, por essa música feita fora do eixo central do Rio e de São Paulo. É algo que a gente discute muito aqui: porque a música do sul não acontece no Brasil? A origem dessa música que veio para cá está na Península Ibérica, Portugal, Espanha, norte da África. Esse canto veio com os navios quando foi descoberto o Brasil, o Prata, enfim. Essa gênese da sonoridade que se fez aqui está lá. A gente foi em busca dessa sonoridade, mas não para entender do ponto de vista sociológico ou antropológico, mas musical mesmo. A proposta foi fazer encontros musicais do Bebeto com os artistas de lá. Isso traz uma identificação. Aquele som com o som que o Bebeto faz aqui.
O filme tem exibição no Festival de Gramado, fora de competição, mas já teve exibição no Festival de Cinema Internacional e ganhou prêmio inclusive, não é?
Isso. A gente esteve no Rio de Janeiro, onde o filme ganhou Melhor Trilha Sonora. Fomos selecionados para outro festival agora. Isso depois de quatro anos de trabalho. É difícil fazer cinema independente. Os projetos acabam demorando muito mais. Agora o momento é de estarmos inscrevendo em festivais. Tem muito festival de música. É um assunto interessante essa cultura criada fora do mainstream. A gente está querendo trazer essa contribuição para o entendimento dessa música daqui. Como um processo mesmo. Acho que o Bebeto representa bem essa geração toda, que quase chegou lá. Ou chegou lá de outra maneira. É uma reflexão que a gente sempre quis fazer não só do ponto de vista dos gaúchos, mas das pessoas de fora. Eles falando sobre a gente às vezes é muito mais revelador do que ficar falando do próprio umbigo. O Mais Uma Canção também traz essa contribuição de a gente ouvir as outras pessoas falando isso.
Sim, tem vários depoimentos. Tem Vitor Ramil, Humberto Gessinger, Nelson Coelho de Castro, Jimi Joe…
André Midani, por exemplo, que é um cara importantíssimo para a indústria fonográfica brasileira, o cara que esteve lá no início da Bossa Nova, que esteve na Tropicália, que esteve no Rock Brasileiro, como executivo da indústria. Ele dá um depoimento revelador sobre como o Brasil vê os gaúchos, do ponto de vista de um cara que lançou a música que o Brasil inteiro ouviu. Isso que eu acho legal, essa contribuição que o filme traz. É legal para quem se interessa por música, conferir.
E o Bebeto Alves é um ótimo personagem. Gosta de conversar, muito espontâneo. Vendo ele contar as histórias aproxima o espectador da figuraça que é o músico, certo?
Sem dúvida. E é algo que acontece naturalmente, da persona dele. Foi muito fácil fazer esse processo com ele, não só de filmagem, mas de fazer essa viagem junto dele. A gente partilha muito essa visão que o filme traz.
Existe uma previsão para o Mais uma Canção chegar aos cinemas?
Provavelmente em 2014. Vamos inscrever em festivais ainda. O filme foi patrocinado pela LIC, então vamos ter uma sessão em Porto Alegre para imprensa e convidados em outrubro, no Centro Cultural Erico Veríssimo. Em cartaz mesmo, provavelmente janeiro ou fevereiro do ano que vem.