Festival do Rio, 2015. Um dos destaques da Première Brasil foi Aspirantes (2015), primeiro longa-metragem dirigido por Ives Rosenfeld, vencedor dos troféus Redentor de direção, ator (Ariclenes Barroso) e atriz coadjuvante (Julia Bernat). Quem não pôde assisti-lo na época teve que aguardar longos quatro anos para agora conferi-lo no circuito comercial, em 13 salas espalhadas por variados estados do país.
O Papo de Cinema conversou com o diretor do filme, que fala sobre o universo do futebol, suas inspirações para a estreia nas telonas e, é claro, o porquê de tamanha demora no lançamento ao grande público. Confira!
Aspirantes impressiona bastante pela potência que consegue extrair do ambiente do futebol. Como foi a escolha por esta proposta de abordar do jogador iniciante, pobre, que vê no esporte a chance de ascender de vida?
Costumo dizer que as histórias dos vencedores já estão muito contadas. A gente já conhece os meninos que conquistaram o sucesso, muito dinheiro, foram jogar na Europa. Estes a gente vê diariamente. Quando eu e o Pedro Freire, que escreveu o roteiro comigo, começamos a pensar em qual recorte queríamos logo veio a ideia de falar da invisibilidade destes meninos que não logram, que são em quantidade bem maior. É um assunto quase universal, está no meio do futebol mas poderia ser em qualquer outro ambiente este desejo, ansiedade e energia tão grandes postas em um sonho que não se concretiza.
O futebol é o esporte mais popular da atualidade, mas não existem muitos filmes conhecidos sobre o tema. No Brasil mesmo há os dois Boleiros (1998 e 2006), Asa Branca e vários documentários, mais relacionados às conquistas de clubes ou com uma faceta mais específica. Em Aspirantes você não apenas traz cenas de futebol como parte da narrativa, mas também aborda este lado social. Que tipo de referência buscou para construir esta mescla?
Para as partidas de futebol tivemos três referências, com as quais trabalhamos muito: a série de documentários do João Moreira Salles e do Arthur Fontes sobre futebol, cujo primeiro episódio é justamente sobre peneira, o mesmo universo com o qual estávamos trabalhando; o Canal 100, que é a grande herança futebolística que a gente tem na cultura brasileira; e também o filme do Zidane, Retrato de um Século, dirigido pelo Douglas Gordon.
A gente se perguntava muito porque as ficções sobre futebol muitas vezes soavam inverossímeis e até mesmo este tabu de que não se sabe filmar futebol no Brasil, o que a meu ver é uma grande falácia. A gente vê futebol duas vezes por semana, sempre super bem filmado, então fomos buscar nesta postura de broadcast de filmagem de futebol para rodar as partidas.
O filme precisava deste universo de um clube pequeno que permitisse este início de carreira, em busca de um clube grande. Por que especificamente a escolha do Bacaxá como sede desta história?
Na verdade, o Bacaxá que a gente queria era um clube fictício, apenas depois é que descobrimos que já existia um clube com este nome. Era até quase óbvio que haveria, era um distrito de Saquarema. Como o nome Bacaxá tinha sonoridade, acabamos criando este time fictício, sem saber que ele de fato existia.
A gente precisava de uma cidade que fosse um microcosmo do Rio de Janeiro, que tivesse características naturais semelhantes às do Rio mas que não fosse uma metrópole. Fomos então buscar no litoral alguma cidade onde houvesse estádio, campo de futebol, para filmarmos… Até iniciamos uma negociação com Arraial do Cabo, mas aí o Guti Fraga entrou na história. A gente descobriu que em Saquarema existia um braço do Nós do Morro, a Casa do Nós, então fomos lá fazer teste de elenco. Quando o Guti soube que íamos fazer um filme na Região dos Lagos, na mesma hora conectou a gente e esta foi uma parceria fundamental para a realização do filme. Esta galera lá de Saquarema entrou como equipe e foi meio nosso cicerone na cidade.
Um grande destaque de Aspirantes é o trabalho do Ariclenes Barroso, cuja transformação ao longo do filme é impressionante. Como foi a escolha dele para o papel e este trabalho para que ficasse cada vez mais raivoso ao longo do filme?
Fizemos muito teste de elenco para os três personagens jovens, do Ari, do Sérgio (Malheiros) e da Julia (Bernat). Até tínhamos bons nomes para o personagem do Bento, mas o Junior era muito difícil porque era um personagem quieto. No início tentamos não-atores, meninos que eram jogadores de futebol mesmo, mas logo percebemos que o personagem tinha uma densidade dramática muito grande. Foi uma amiga que trabalhou com o Ari em Tatuagem (2013) que me falou dele. para que fosse conhecê-lo. Ele veio ao Rio e foi um encontro, amei ele. Eu já sabia que o personagem era muito silencioso, então havia um perigo enorme de ser um filme entediante. Precisava então ter um ator que tivesse esta intensidade e dinâmica dentro de um silêncio.
O que construímos juntos tem muito a ver com a dedicação que o Ari teve com esse personagem. A gente morou em Saquarema por dois meses, um inteiro de preparação, e praticamente vivia no personagem. Depois das cenas até o almoço ele ia para o treino de futebol, junto com o Sérgio, com estes meninos de lá que jogavam mesmo, e lá só os chamavam pelos nomes dos personagens mesmo. Depois a galera saía, ia na praia e continuam chamado pelo nome dos personagens. Então eles estavam praticamente vivendo como os personagens, em Saquarema. Como o personagem era quieto, o Ari se trancava no quarto dele e ficava bem recluso. Aí o Sérgio começou uma dinâmica de todo dia chamá-lo para sair, perturbando mesmo. Então mesmo fora dos horários de preparação eles ainda estavam em preparação.
O lado feminino de Aspirantes também é bem importante na história, com a Julia Bernat e a Karine Teles. Como foi conciliar esta abordagem em um ambiente tão masculino?
O filme é ambientado no universo do futebol, mas com uma lupa em cima do Junior. A ideia é que os demais personagens contrastassem com as carências do próprio Junior, do que ele não tem. O Bento tem o sucesso no futebol, muito entre aspas, tem videogame e a casa onde mora, a Karine tem o afeto da mãe… Tentamos ressaltar estas faltas que o Junior sente, ele muda de casa três vezes ao longo do filme. Então este lado feminino tem muito a ver com isso, com este lado materno que o Junior não tem e uma namorada ultracontroladora, o que aumenta a tensão sobre ele.
Aspirantes foi exibido no Festival do Rio 2015, mas apenas quatro anos depois está sendo lançado no circuito comercial. O que aconteceu para tanto tempo de espera?
Fizemos um filme independente, o primeiro filme de um diretor estreante, e tivemos uma dificuldade grande em conseguir verba para a distribuição. Fomos contemplados há um ano pelo Fundo Setorial, mas levou muito tempo para que a verba fosse liberada. Existe esta dependência dos recursos públicos e, quando o governo cada vez mais fecha a torneira e tenta asfixiar, a gente vai sofrendo diretamente na produção. A paralisação da Ancine tomou um ano nosso.
(Entrevista realizada por telefone em novembro de 2019)
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