Timothée Chalamet esteve no Festival de Veneza do ano passado, para promover Duna (2021). Neste ano, voltou ao tapete vermelho do festival italiano por causa de sua participação em Até os Ossos (2022), de Luca Guadagnino. Às sete da manhã, doze horas antes da sessão oficial do longa, dezenas de adolescentes se encontravam acampados perto do cinema, especialmente para ver o ator. Que fascínio tem esse garoto franzino, pálido e imberbe, que apesar dos 26 anos poderia passar facilmente por um universitário sem maiores atributos físicos? E que, pessoalmente, não tem lá uma beleza ou um charme que o torne mais interessante do que a maioria dos estudantes que se vê diariamente nas portas dos cursinhos brasileiros? Seja lá qual for esse “it”, alguma coisa de fato acontece quando ele surge diante da câmera – sobretudo a do cineasta italiano que o dirigiu no filme que o tornou um astro, Me Chame pelo Seu Nome (2017), com quem agora volta a trabalhar em seu novo longa, em cartaz no Brasil desde o dia 1º de dezembro. O Papo de Cinema teve um rápido bate-papo com o astro, no lobby de um hotel veneziano, no começo de setembro deste ano. Confira!

Por que fazer parte de Até os Ossos?
Para poder trabalhar de novo com o homem que me deu minha carreira. Foi por isso que achei tão importante fazer esse filme. Falo com sinceridade: inclusive, não estaria dando esta entrevista, aqui em Veneza, se não fosse por ele.

Luca Guadagnino, Taylor Russell e Timothée Chalamet

No filme, Chalamet interpreta Lee, um jovem com tendências canibalescas – de quando em quando, precisa saborear um pouco de carne humana (de mulheres ou homens, tanto faz) para saciar seu desejo. A protagonista, na verdade, é outra: Maren, vivida por Taylor Russell, uma garota que também gosta de devorar humanos, mas que não entende direito esses seus impulsos, o que a torna extremamente solitária. Quando cai na estrada em busca da mãe, que só conheceu muito pequena, encontra no caminho Lee, e entre eles surge tanto uma grande afinidade quanto, também, uma paixão.

O canibalismo surge no filme como uma metáfora. Mas do que exatamente?
Primeiro, o que você herda dos seus pais, em termos de vícios e virtudes. Pessoalmente, tenho pais maravilhosos que me permitiram uma infância ótima, mas ainda assim todos nós carregamos algo lá de trás, de nossos pais.

Taylor Russell e Timothée Chalamet em cena de “Até os Ossos”

Como foi a sua preparação para esse personagem?
Relembrando a minha experiência no filme Querido Menino (2018) e de pessoas viciadas em drogas que conheci em Nova York para me preparar para aquele filme, quanto mais me aprofundei no personagem, mais achei que pode ser uma metáfora também para a dependência química. Quando se é jovem, é difícil lutar contra uma maldição interna, de você pensar que é defeituoso, que é sujo por ser da forma como você é. E é mais duro ainda encontrar uma saída para isso.

O que o canibalismo tem a dizer sobre o mundo de hoje?
Acredito que também fala da voracidade por consumo nos tempos atuais. O mundo é supercolonizado pela humanidade. Você pode levar a vida mais humilde possível, mas a sua simples presença na Terra já colabora para o grande lodo, para a bagunça geral do planeta.

Esse é um caminho sem volta?
É possível uma saída, claro, tanto no caso dos dependentes químicos, como nos de qualquer pessoa que recebe alguma herança maléfica comportamental dos próprios pais. No amor, há aquele momento de lucidez que pode trazer a pessoa para o caminho oposto ao daquela maldição e que pode significar uma esperança para ela. É o que acontece quando Lee encontra Maren.

Luca Guadagnino e Timothée Chalamet nos bastidores de “Me Chame Pelo Seu Nome”

De Woody Allen a Wes Anderson, passando por Greta Gerwig e Denis Villeneuve, todo mundo parece querer fazer um filme com você. Por que, então, voltar a trabalhar com Guadagnino?
Desde o início, o aspecto visual do filme, a coisa do horror, foi o que menos me preocupou. Porque trabalhar com Luca é estar em mãos muito boas. Como ator, o que me preocupa mais são os tons emocionais, sobretudo em uma história de amor. Quero ainda trabalhar com muitos diretores americanos e vê-los falando sobre os EUA, mas estava curioso para conhecer a visão dele [Luca] sobre o país.

A conversa com Chalamet só foi possível se a reportagem aceitasse uma imposição do astro: que um mediador também participasse da entrevista. Não se sabe ao certo o motivo exato pelo qual o astro fez tal solicitação, mas é possível intuir: é que Chalamet não queria que algum repórter o colocasse em uma saia justa, lhe perguntando sobre Armie Hammer, seu colega de elenco em Me Chame pelo Seu NomeHammer, é bom relembrar, teve sua carreira praticamente arruinada depois que algumas mulheres revelaram publicamente que ele podia ser muito agressivo na cama e que, inclusive, revelava ter desejos… canibalescos. E o lançamento de um filme justamente sobre canibais, lançado por Chalamet e Guadagnino, gerou um enorme mal-estar. Tal cuidado, porém, foi desnecessário. Afinal, a conversa inteira foi apenas a respeito de Até os Ossos.

Timothée Chalamet, no Festival de Veneza, ao apresentar “Até os Ossos”

O que o público irá encontrar em Até os Ossos?
Este é um filme sobre alguém que vive totalmente à margem da sociedade, existencialmente perdido, tanto quanto sem saber como gerenciar a própria vida. Com essa maldição que carrega, que o faz se sentir indigno de ser amado e sem valor, até achar alguém que confirma que ele é uma pessoa bacana.

(Entrevista feita ao vivo, em Veneza, em setembro de 2022. Edição de texto de Robledo Milani)

 

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é crítico de cinema e jornalista. Mestre em Cinema pela UFF e pela Université de Paris Diderot (Paris 7), já cobriu os principais festivais (Berlim, Cannes e Veneza) para veículos como Folha de S.Paulo, UOL e Revista Cult. Colabora hoje para a Folha como crítico de cinema. É membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).

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