Figura central do longa-metragem basco Avó, exibido na noite de abertura da vigésima sexta edição do Cine Ceará, Iraia Elias, além de bela, é uma simpatia. Indicada ao prêmio Goya (o principal da Espanha) do ano passado na categoria Melhor Atriz Revelação, ela chamou a atenção em virtude da concepção sensível de uma mulher que luta para mostrar aos mais velhos as necessidades da nova geração. Nesse entorno familiar, marcado por rituais tão enraizados quanto as árvores que circundam o caserío, a personagem de Iraia representa uma transformação que não pretende sepultar o antigo, mas configurá-lo de acordo com os tempos presentes.
Neste bate-papo exclusivo, ela fala a respeito da carreira, da maneira como encarou o desafio de estrear no cinema e do que está achando do Brasil. Confira.
Como foi a recepção de Avó na Espanha?
Bom, ele primeiramente foi exibido no Festival de San Sebastián, na seleção oficial, onde tivemos um bom retorno. Depois estreou nos cinemas de Madrid e de Barcelona. A resposta foi muito boa em todas as localidades, não só na Espanha, mas em outros lugares da Europa, como a França. Acho que é porque, apesar de contar a história de uma família basca, ele se vale de um tema universal, que diz respeito a muita gente. Há pouco, por exemplo, eu estava na Argentina e no Uruguai apresentando o filme, e senti que tem algo mágico nele.
É muito interessante e inusitado que nos chegue um filme do País Basco. Como é a produção cinematográfica de lá?
Não sei se posso te responder isso adequadamente, porque acabo de chegar a esse mundo do cinema, sou atriz de teatro. Mas, até onde sei, normalmente a cada ano são realizados, em média, dois filmes falados em língua basca. Geralmente são produções com um viés mais comercial, mas ultimamente tem estreado um par de filmes autorais, com visões muito especiais. Espero que continue assim, que haja mais variedade.
Como foi fazer seu primeiro filme? Gostou da experiência? Quer seguir nessa área?
Em princípio não tinha em mente fazer cinema ou televisão. Faço parte de um grupo teatral, no qual criamos nossas próprias obras, então não tinha o cinema na cabeça. Para mim, fazer cinema era uma grande mudança, pois são outros códigos e também por conta da exposição maior, e quanto a isso eu tinha muitos medos. A verdade é que o processo de filmagem é mais enfadonho que o teatro (risos). Contudo, havia um ambiente muito bom o set de Avó, motivo pelo qual fluiu muito bem a filmagem. E, também, Asier Altuna Iza é um diretor que desfruta muito do que faz, e isso era transmitido para a equipe. Tenho boas recordações, dos técnicos, dos atores, de Amparo, que interpreta a avó no filme, uma maravilha de pessoa. Cinema não é só filmar e pronto, tem toda promoção, as entrevistas, e com isso eu não estava acostumada. E com o cinema, de repente talvez eu consiga outras coisas que eu não tinha em mente quando me propus a fazer o filme. É o descobrimento de um mundo, na verdade.
Tua personagem em Avó é uma mulher muito forte. Além da tensão geracional em questão, tem o fato de ela ser, em certa medida, mais forte que os irmãos homens, porque provoca a ruptura com o pai. Sabe se era intencional essa evidência da pungência feminina?
Não acho que Amaia seja mais forte que os demais. Creio que ela tem uma energia diferente, então não é uma questão de ser mais ou menos. Sei que, desde o princípio, Asier queria que a protagonista fosse uma mulher, mas não sei especialmente porque. Todavia, é verdade que no País Basco nós mulheres temos muito poder, presença e atitude. Nos caseríos também a mulher tem um papel muito importante. Creio que o filme vai um pouco ao encontro dessa mudança geral da sociedade, que privilegia outros modos de encarar o feminino.
O que mais te atraiu em Amaia, sua personagem?
Quando a personagem me foi apresentada, senti-a muito próxima de mim, não me pareceu difícil ou algo muito distante. Acredito que não é uma casualidade que tenham escolhido a mim (risos). Dela trago a conexão com a arte. Hoje em dia, me parece, não se valoriza tanto a arte. Amaia se comunica através da arte, transformando através da arte. Ademais, é uma personagem que rompe, que muda a linha da história, que busca uma transformação, uma figura superinteressante, potencializada pelo modo como o diretor conta a história, mais especificamente onde fica a personagem, como ela se comunica, âmbitos que me interessaram muito.
Já tinha vindo ao Brasil? O que te parece nosso país?
Estou há dois dias no Brasil, em Fortaleza. Por enquanto saí apenas do hotel ao cinema. E isso de ter esse calor todos os dias do ano (risos) é impressionante, porque no País Basco os invernos são bastante rigorosos, muita chuva, muito frio. Em Fortaleza está 30º no inverno. Ainda não tive muito tempo para conhecer o Brasil, mas estou contentíssima, as pessoas me tratam muito bem. Parece que aqui é uma festa constante (risos), tem um ritmo que eu gosto.
E sobre o cinema brasileiro? Tem algum contato? Se sim, gosta dos nossos filmes?
Pouco. Mas pretendo ver um monte de coisas, por conta das indicações das pessoas daqui. O cinema brasileiro nos chega pouco. Mas tenho agora uma boa oportunidade, inclusive por conhecer brasileiros e seus filmes.
Quais são os teus próximos projetos? Teatro basicamente, ou tem algum convite do cinema?
Não sei bem o que vai ser da minha vida. No momento estou em Buenos Aires, estudando numa escola, e até dezembro estarei muito envolvida com uma metodologia que contempla um pouco o ator criador. Estou imersa nela sete ou oito horas por dia. Imagino que meus próximos trabalhos serão no teatro, mas estou aberta a convites do cinema, claro.
(Entrevista concedida ao vivo em Fortaleza durante do Cine Ceará 2016)
Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)
- Mostra de Gostoso 2024 :: Filme sobre Maurício Kubrusly abre a 11ª edição do evento potiguar - 21 de novembro de 2024
- Piracicaba :: Filme de 1922 é restaurado e ganha sessão especial no interior de SP - 21 de novembro de 2024
- Agenda Brasil 2024 :: Até que a Música Pare e A Queda do Céu vencem a 11ª edição do festival italiano - 21 de novembro de 2024
Deixe um comentário