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Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou :: “O cinema brasileiro está vencendo no mundo”, defende Bárbara Paz

Publicado por
Bruno Carmelo

Atriz de carreira consolidada, Bárbara Paz revelou em 2019 seu talento enquanto diretora. Para o primeiro longa-metragem, o documentário Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, ela virou a câmera ao cineasta Hector Babenco. Sofrendo com uma doença terminal que provocaria seu falecimento em 2016, o ex-marido de Paz foi retratado por um olhar afetivo. Ao invés de fazer uma homenagem à carreira do aclamado autor de Pixote: A Lei do Mais Fraco (1980), O Beijo da Mulher Aranha (1985) e Carandiru (2003), ela se volta ao homem por trás das câmeras.

O resultado é uma belíssima viagem poética, que venceu o prêmio de melhor documentário sobre cinema no Festival de Veneza, e acaba de ser escolhida como representante do Brasil na corrida ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira em 2021. Trata-se da primeira vez que o país será representado por um documentário nesta categoria do prêmio norte-americano. Às vésperas da estreia comercial de Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, em 26 de novembro, o Papo de Cinema conversou com a cineasta:

 

A cineasta e atriz Bárbara Paz

 

Como recebeu a escolha do filme para representar o Brasil no Oscar?
Foi uma surpresa. O filme estava inscrito na Academia Brasileira de Cinema, mas competindo com vários filmes maravilhosos. Tanto no ano passado quanto este ano, o cinema brasileiro passou por diversos festivais internacionais. Apesar do problema político com o audiovisual, o cinema brasileiro está vencendo no mundo. Ele está querendo ser visto e comentado. O mundo gosta muito do cinema brasileiro. Fiquei emocionada com esta escolha, primeiro pelo fato de o Hector voltar à Academia. Ele pode voltar para o Oscar, o lugar onde ele levou o Brasil para o mundo. Além disso, essa é a primeira vez na história que o Brasil escolhe um documentário, o que pode abrir portas para a nossa produção documental. Isso é importantíssimo. Tudo o que envolve o processo desse filme foi muito bonito. O Hector não quer arredar o pé daqui. Ele está em todos os lugares, mexendo os pauzinhos lá de cima. Com esta escolha, eu vi o sorriso dele, vi o Hector feliz. Ele merecia.

 

Está pronta para partir em campanha pelo filme?
Agora eu não posso pensar em outra coisa, exceto a campanha pelo Oscar! Preciso fazer o filme ser visto pelas pessoas que vão votar e por todas as pessoas da Academia. A gente já ia estrear por lá em janeiro, mas agora, a pandemia torna o momento mais delicado. Precisamos nos estruturar para este segundo passo: garantir que o filme seja visto, e que a gente consiga a indicação.

 

Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou

 

Você tinha receio no início de expor a si mesma e ao Hector?
Eu não fazia parte do filme no começo, não existia a nossa história ali dentro. Era um filme sobre ele, sobre memória. Queria retratar este homem, não o personagem – que também era muito bom, aliás. Não queria me concentrar apenas no cineasta e na filmografia dele. Eu queria fazer o filme que fiz, mas não sabia que seria um filme de despedida. A minha personagem entrou depois: quando a Maria Camargo e o Cao Guimarães entraram no processo, eles queriam ver mais desses trechos, que na verdade eram restos de cenas. Eram trechos que estavam fora, nos bastidores. A Maria insistiu que eu também era personagem, porque nossa história de amor tinha originado tudo aquilo. As nossas conversas e o nosso amor foram fundamentais para ele aceitar se doar à câmera. Então comecei a permitir essas intervenções. No começo, Maria queria que eu colocasse ainda mais imagens minhas: fui diminuindo até chegar ao que era necessário para contar essa história. Eu não me expus enquanto eu filmava. Era uma relação de amor, de amizade, de cumplicidade. Durante a montagem, quando me convenceram de que eu também era personagem, e aceitei isso, comecei a chamar a personagem de “ela”, não “eu”. O resultado ganhou uma intimidade maior, mas o projeto precisava ser do Hector, sobre o Hector, sem que eu aparecesse demais. Mesmo assim, era através do meu olhar que a gente conseguia enxergar este homem de fato. A exposição foi no limite.

 

Queria que o seu estilo de cinema se conectasse com o de Hector?
É um estilo próprio meu, você não acha? Daqui a pouco você vai ver: já tenho outros projetos filmados, novas coisas chegando, e todas com a minha cara. Um montador muito bom olhou um dos cortes e me disse para tirar uma cena de infância na praia. Eu disse que não. Ele respondeu: “Mas essa cena não tem nada a ver com o Hector”! E eu: “É claro que não. Isso tem a ver comigo, o filme é meu, e quero colocar a infância do Hector. Ali eu entendi: muitos montadores quiseram trazer o cinema dele. Mas esse era meu filme para ele – é diferente. É difícil admitir que a Bárbara tem talento, né? As pessoas pensam que, porque o filme é bom, foi o Hector quem dirigiu. Como o Hector poderia ter dirigido isso, gente? Vamos ver mais para frente. Espera para ver o segundo filme, terão outros para você comparar. Não vou parar no primeiro.

 

Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou

 

Por que escolheu o registro do preto e branco, inclusive para trechos dos filmes dele que eram originalmente coloridos?
Sempre quis fazer o filme em preto e branco. Durante as nossas conversas, o Hector já dizia que, sempre que se lembrava do cinema, era em preto e branco. Quando eu era criança, só tinha televisão em preto e branco em casa, demorei muito para ver a primeira televisão a cores. Tenho esta memória também: sou apaixonada por fotografia, e minhas fotos são em preto e branco. Independente dos filmes dele, a gente navega nessa dança de memórias. Em determinado momento, eu decidi que não teria imagem nenhuma dos filmes dele. Não queria colocar trecho nenhum, porque eu tinha material suficiente para construir a narrativa. Mas percebi que este cinema era a vida dele. Todos os filmes do Hector também falavam sobre ele, de uma forma ou de outra. Enquanto ela filmava a Amazônia e os índios estavam se acabando, o Hector estava morrendo. A vida e a obra dele não se distanciavam, por isso eu queria costurar os dois como um conto. O preto e branco ajuda a fazer um conto só. Queria entrar nesse inconsciente, com o som da água, essa morfina que já estava inundada nele. É através da morfina que ele entrega essas imagens, e através da morfina que ela vai embora.

 

A trilha sonora se parece com um sonho.
O som precisava estar muito presente também. Por que um documentário não pode ser belo fotograficamente, sonoramente? Ele me dizia: “Não perde o seu olhar, segue a sua intuição”. O meu olhar é fotográfico. Por isso é um filme de cinema, de tela grande. É um pecado ver no computador, porque eu fiz para o cinema! Trabalhei muito no som: todas as músicas fizeram parte da vida dele: eram as músicas que ele mais cantava, mais escutava. A gente acabou ficando amigo do Radiohead, eles deram essa música para a gente. O Hector escutava de música clássica a Radiohead, de Rolling Stones a Caetano. A trilha sonora dele era eclética, e eu quis dar uma pitada de tudo o que ele representava para mim. Será que este poema tão significativo para mim também seria significativo para os outros? Eu não tinha essa certeza. Não sabia se iria tocar as pessoas. Mas era uma missão: eu sabia que precisava fazer este filme.

 

Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou

 

O público estava aos prantos no final da sessão. Você oferece ao Hector um presente em formato de ficção, dentro de um documentário.
Eu quis continuar o roteiro que ele criou para a morte dele. Hector dizia: “Eu não vou morrer. Vou ficar lá longe, e quando todos pensarem que morri, na verdade estarei vivendo”. Isso conduziu a vida inteira dele. Ele contava histórias, inventava narrativas para sobreviver. Além disso, estou começando uma nova história: Hector está longe, mas eu estou aqui, filmando. Na última cena de Meu Amigo Hindu (2015), eu entro dentro da câmera, passo para o outro lado do cinema. Isso é muito simbólico: esta foi a última cena de cinema que ele dirigiu. Agora estou do outro lado, filmando ele. Eu precisava fazer o caminho inverso: passar a filmá-lo, e buscar onde ele estivesse. A gente tem que acreditar que existem possibilidades: quando uma pessoa parte, o que fica dela? A lembrança, as memórias, as obras, as músicas. Quis fazer uma homenagem a ele, como uma carta. Como ele seria, pelos meus olhos?

 

Quais novos projetos você tem como cineasta? Sei que tem grande interesse pela montagem.
Muito! Mas ainda não sei apertar botões. Por enquanto, só sei mandar! Com esse filme, eu descobri que sou boa nisso, e gosto muito de montagem. Acabei de fazer um curta-metragem chamado Ato (2020), com a Alessandra Maestrini e o Eduardo Moreira. É um projeto de Belo Horizonte, filmado em Ouro Preto em plena pandemia, na forma de um cineteatro. Existem dois outros diretores envolvidos, o Cacá Carvalho e a Yara de Novaes. No final de novembro, ou começo de dezembro, já dá para assistir em plataformas, e depois ele vai para os festivais. Estou fazendo um trabalho como atriz, que já estava previsto em abril. O filme é da Júlia Rezende, com a Letícia Colin e um elenco maravilhoso. O nome é A Porta ao Lado, sobre dois casais; estou em plenas filmagens. Em paralelo, estou desenvolvendo o roteiro da minha vida, e fui convidada para dirigir o roteiro maravilhoso da Antônia Pellegrino, chamado Silêncio. Agora o bichinho me pegou, e vou começar a dirigir.

 

Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou

 

Esta é uma ótima fase para novas diretoras mulheres.
É verdade! Não podemos nos esquecer disso. A Academia Brasileira de Cinema também selecionou uma mulher este ano, além de ter escolhido um documentário. Foi a Petra Costa no ano passado, e ela é produtora associada do meu projeto. Ela fez um papel lindo no Oscar nesta última edição. Democracia em Vertigem (2019) não concorreu pelo Brasil, foi uma seleção paralela, mas agora vamos para o segundo ano consecutivo tentar o Oscar com um documentário dirigido por mulher. É incrível.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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