Diretor, roteirista, montador e produtor. Gustavo Pizzi mata no peito diversas funções. Seu primeiro longa-metragem, o documentário Pretérito Perfeito (2006), aborda a Casa Rosa, um dos mais famosos estabelecimentos de prostituição do Rio de Janeiro que, anos mais tarde, tornou-se uma casa de shows. Riscado (2010) foi sua primeira ficção no formato. O sucesso dele foi enorme. Só no Festival de Gramado, o filme levou os Kikitos de Melhor Atriz (Karine Teles), Direção, Trilha Musical e Roteiro, além do Prêmio da Crítica. Já no Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro 2012, o mais importante do país outorgado pela crítica especializada, Karine Teles foi novamente eleita a Melhor Atriz. Normal, portanto, que tamanho êxito criasse uma expectativa considerável quanto ao próximo trabalho de Gustavo. Benzinho (2018), coprodução Brasil/Uruguai, chega agora aos cinemas brasileiros, após estrear no prestigiado Festival de Sundance e debutar em solo brasileiro numa sessão de gala no Festival de Gramado. Foi na cidade gaúcha que conversamos com o realizador, abordando desde pormenores da produção até o crescente protagonismo da mulher no nosso cinema. Confira mais este Papo de Cinema exclusivo.
Como está essa maratona de divulgação do filme?
Está muito bacana. Esse é um momento muito especial para a gente, o de mostrar o filme, de poder ver a reação das pessoas. Filmamos no fim de 2016 e começamos a montar no início de 2017. Foi um processo razoável de edição. Montamos com a Lívia Serpa, profissional que mora em Londres. Fizemos uma parte do trabalho aqui e a outra acolá. Fiquei quase dois meses na Inglaterra. Já a pós-produção ocorreu no Chile, até por conta da participação uruguaia.
E como surgiu essa coprodução?
Logo depois do Riscado, meu primeiro longa ficcional, que veio também a Gramado, era o nosso desejo fortalecer o próximo projeto internacionalmente. Nos juntamos com a Tati Leite, uma das produtoras, e aí começamos a inscrever Benzinho nos laboratórios de produção. O primeiro em que entramos foi o La Fabrique Cinema, do Festival de Cannes. Depois, integramos o Cinemart, uma super seleção. Conhecemos a Agustina Chiarino e o Fernando Epstein, proprietários da Mutante Cine. Para mim, eles produziram os maiores e melhores filmes uruguaios recentes. Foi um encontro muito bacana. Portanto, eles estão desde 2014 no projeto, participando de quase todas as versões do roteiro, dando feedback regularmente.
Falei sobre isto, também, com Adriana Esteves. O Benzinho se insere numa corrente de filmes brasileiros que dão voz a personagens femininas…
Pois é, a gente está desde 2013 pensando nisso. Na verdade, o Riscado já vem desse lugar. Não sei se os realizadores brasileiros estão se abrindo mais a isso atualmente, em termos numéricos, mas espero que sim. É muito importante dar voz a personagens femininas, trazendo essa perspectiva ao cinema nacional e à sociedade como um todo. A arte tenta trazer alguma coisa que potencialmente chegue daqui a algum tempo à nossa coletividade. Estamos ainda longe de um protagonismo feminino amplo, mas temos de lutar por isso. É fundamental.
Como foi o set de Benzinho? Parece ter sido carinhoso e familiar.
Foi, primeiro, um processo difícil. São muitos personagens. Mas eu e a Karine temos uma parceria grande, embora não sejamos mais casados. Trabalhamos juntos, criamos os nossos filhos em conjunto. Temos a guarda compartilhada, a divisão é absolutamente igual. Quanto ao filme, na preparação fomos descobrindo esse clima do set. Utilizar nossos filhos não foi a primeira opção. No tratamento inicial do roteiro, Irene tinha acabado de ter um bebê. Mas, o tempo foi passando, os meninos crescendo, e a nossa própria perspectiva paternal/maternal foi mudando. Eu e a Karine achamos interessante “envelhecer” esse bebê. É bem árduo o processo de procurar crianças. Num dia em que não pôde ir à aula, pois estava com febre, o Francisco ficou no set e pediu para fazer uma improvisação. E ele fez muito bem. Adiante, aconteceu a mesma coisa com o Arthur. Fomos incluindo eles cada vez mais, a despeito da nossa relutância. E aí percebemos que os personagens poderiam ser gêmeos.
Trabalhar em família é fácil ou mais complicado?
É diferente. Na verdade, no cinema nunca nada é fácil (risos). Havia em Benzinho a missão de estabelecer uma conexão entre essas pessoas. Era imprescindível fazer com que, na telona, realmente parecesse uma família.
Como vocês chegaram ao nome da Adriana Esteves?
Sempre fui muito fã dela. Em dado momento, pensamos quem faria essa personagem da irmã. Tive a ideia de tentar a Adriana, mas imaginava que seria muito difícil conseguir, sobretudo por conta do quilate dela. Assim que leu o roteiro, a Adriana quis entrar no filme e foi super disponível.
Benzinho circulou bastante internacionalmente. Como esses outros públicos têm recebido o filme?
Tem sido muito bonito tudo isso. Estreamos do Festival de Sundance. Imaginávamos que mulheres com filhos recentemente saídos de casa iriam se emocionar. Nos surpreendemos com a comoção dos homens, pais ou não. Mas, o que me surpreendeu, mesmo, foi a reação de jovens que acabaram de sair de casa. Vários deles deixaram as sessões chorando no fim, ligando para as mães, dizendo que as amavam. Foi lindo ver isso. Benzinho foi vendido para mais de 20 países, acabou de estrear na Espanha com 46 cópias. Recebo diversos relatos via rede social. Aqui, no Festival de Gramado, foi a primeira vez que uma plateia com mais de três brasileiros assistiu ao filme numa tela grande.
Deixa eu lhe fazer uma pergunta um pouco mais política. O filme também aborda a trajetória daquele que decide sair do Brasil em busca de uma vida melhor. Você acha que é o momento de sair do Brasil?
Acredito que no caso do Fernando, o personagem, é muito mais uma oportunidade de carreira. O melhor lugar de handebol do mundo é a Alemanha. De fato, é um passo muito importante para ele. Temos atualmente uma crise global. Óbvio, há lugares bem mais estáveis, política e economicamente falando. No Brasil, há desafios importantes, partindo de um entendimento das melhores maneiras para seguir em frente, continuando a construção de um país, o que vinha acontecendo nos últimos anos. O Brasil seguia por um caminho forte, potente. Não acho, realmente, que a solução seja morar no exterior. O bom cinema é um reflexo do que está acontecendo no mundo. No próprio Benzinho, por exemplo, a gente está falando da atualidade. Ali também existe uma crise. Então, a saída do personagem do Brasil não está tão ligada a esse momento político e econômico que a gente vive, mas, claro, isso também está refletido ali.
(Entrevista concedida ao vivo, no Festival de Gramado, em agosto de 2018)
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