Claudia Abreu é a cara do novo cinema nacional – ou ao menos era, lá na metade dos anos 1990, período que ficou conhecido como a ‘retomada do cinema brasileiro’. De Tieta do Agreste (1996) até O Caminho das Nuvens (2003) foi quase uma dezena de filmes, que lhe renderam quatro indicações ao Prêmio Guarani e uma ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, além de troféus na APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte – e no Festival de Miami. Após um hiato de cinco anos, ela voltou às telas com Os Desafinados (2008), que lhe rendeu novos reconhecimentos – nos festivais de Paulínia e de Los Angeles, além de uma segunda indicação ao ‘Oscar’ da produção nacional. Quem achou que ela estava voltando com tudo, no entanto, se enganou. Foi preciso quase uma década para Claudinha, enfim, voltar aos holofotes. E após uma participação no thriller O Rastro (2017), lançado no ano passado, ela agora é a protagonista absoluta de Berenice Procura, longa exibido no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no qual interpreta a personagem-título. E foi justamente sobre esse trabalho que a atriz conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Claudia, você estava há alguns anos sem protagonizar um filme. O que lhe atraiu no Berenice Procura?
Sempre gostei de fazer cinema. Me deixa muito feliz perceber que tive a oportunidade de participar de vários filmes importantes da retomada do cinema nacional. Mas também não quero estar em algum filme sem paixão, fazendo algo que não acredite. Às vezes, você até pode fazer uma escolha errada, mas no momento em que aceitou, era porque acreditava naquele projeto. O Berenice vem muito nesse momento. Teve também um período em que me vi obrigada a trabalhar menos por ter tido filhos seguidos, e pra voltar a trabalhar – seja no teatro, televisão ou cinema – quando se tem crianças pequenas, cada escolha tem que ser muito bem pensada, pois a dedicação terá que ser equilibrada com o tempo que precisa estar em casa. Por isso, fui ficando cada vez mais criteriosa. O Allan Fiterman é um diretor com o qual já havia trabalhado na televisão, e sei que é um cara muito talentoso. Isso me deu a segurança necessária para embarcar nessa história, diante destas condições.
Falei com o Allan também, e ele disse que pensou no teu nome desde o começo. Como se dá essa parceria entre vocês?
Ele já havia demonstrado uma pegada muito cinematográfica na televisão – e não desmerecendo as novelas, pois é algo que adoro fazer. Mas ele já tinha um olhar, um jeito de filmar diferente, uma empolgação. Foi que acabamos ficando muito amigos. Quando esteve no meu aniversário, há dois anos, na minha casa, me chamou na cozinha e disse: “olha, queria que você lesse um roteiro”. Antes de qualquer coisa, respondi: “mas o filme é seu? E é baseado num livro do Garcia-Roza? Então to dentro!”. Não teria como ser ruim uma adaptação do Garcia-Roza sendo dirigida pelo Allan, entende? Na verdade, aceitei mesmo antes de ler. Até porque também já estava com muita saudade de fazer cinema, e esse convite veio na hora certa.
Você já conhecia a obra do Luiz Alfredo Garcia-Roza? Já havia lido esse livro ou visto alguma das adaptações anteriores baseadas em escritos dele?
Não. Mas conheço o universo dele. Afinal, sou nora do Rubem Fonseca, então, de uma forma ou de outra, sou próxima dessa realidade que eles frequentam – os dois são muito amigos. Gosto muito do Garcia-Roza, e queria há tempos fazer uma adaptação de um livro dele. Então, foi uma coisa feliz, que juntou uma vontade de fazer cinema, participar de um filme de um amigo talentoso – porque não adianta só ser amigo, tem também que ter talento – e estar no mundo do Garcia-Roza.
Pelo título Berenice Procura, quem não conhece a obra original pode imaginar uma comédia. Mas, não – aliás, muito pelo contrário. É um filme de gênero, e toca assuntos bem polêmicos. Em algum momento chegou a te preocupar se o público irá captar tudo isso que vocês abordam em cena?
Quando você vai assistir a qualquer coisa, “assim é se lhe parece”, como diria Pirandello. Qualquer coisa, não importa: cada um irá ver de uma maneira. A pessoa que for mais envolvida com a causa LGBT e que tem dentro de si essa revolta por estarmos no país que mais mata essa população, formada por gays, travestis, transgêneros e tudo mais, vai olhar com o viés dessa importância, de falar sobre isso, sobre a homofobia violenta e tudo mais. Existem outros meios, também, como o pai que é homofóbico com o filho. Com a própria orientação dele. Que já resgata essa questão de pais distantes, que não percebem a delicadeza das descobertas da adolescência. E você poder transformar isso, como a Berenice – o pai não faz, mas ela ocupa esse lugar. Como muitas vezes a violência mascara uma realidade que ainda está no armário.
Em resumo, o que a Berenice está procurando?
Ela, né? Ela mesma. Acho que ela está muito perdida. Certamente não é da praça, por exemplo. Mas está ali, naquele táxi que herdou do pai, naquele casamento falido, está distante do filho. Não o entende, simplesmente porque não está próxima dele. Na verdade, está procurando seu lugar. Ela chega a falar isso em uma cena: “tudo que fazia sentido, não faz mais”. Então, quer procurar, no sentido literal, uma solução para aquele assassinato da transexual que era amiga do filho. Mas não é isso – ou só isso. É muito mais. Esse é apenas o mote da história. Na verdade, o que ela procura é o lugar dela no mundo!
(Entrevista feita ao vivo em São Paulo)