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Kim Rossi Stuart é um dos grandes nomes do cinema italiano contemporâneo. Nascido em 1969, possui dezenas de créditos no currículo, em uma carreira que se estende por mais de cinco décadas! Premiado no David di Donatello (o ‘Oscar’ da Itália) e nos festivais de Cannes e Veneza, entre tantos outros, há alguns anos tem se aventurado também por detrás das câmeras, sempre em projetos bastante pessoais. Exatamente o que se percebe em Brado (2022), seu mais recente esforço nesse sentido, filme no qual, além de ser um dos protagonistas, também dirige e é responsável pelo roteiro. Foi por causa desse longa, um dos destaques da programação do Festival de Cinema Italiano 2022, que o astro foi convidado a vir ao Brasil para apresentar sua história ao público local. E foi durante sua passagem por São Paulo que conversou com exclusividade com o Papo de Cinema, falando sobre uma improvisada trilogia entre pais e filhos, o que espera do seu futuro como cineasta e os efeitos da pandemia no cinema ao redor do mundo. Confira a seguir.

 

Kim, além de dirigir e estrelar, você é também um dos roteiristas de Brado. O que lhe despertou tamanho interesse nessa história?
O sentimento mais imediato foi pela oportunidade de reviver essa relação, esse envolvimento que eu próprio tinha com os cavalos na minha infância e adolescência. Fui um garoto que cresceu próximo desses animais, e sentia falta desse contato. Lembrava, por exemplo, da beleza que se pode obter através de uma galopada rápida pelo campo, como se não houvesse limites de onde se podia chegar. Era um ambiente selvagem, mas também de ordem e comando. Então, queria transmitir isso ao espectador, essa mesma sensação.

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Kim Rossi Stuart e Jean Thomas Bernardini, diretor da Imovision, em São Paulo

O que Brado lhe ofereceu de diferente das experiências anteriores na direção? Afinal, o tema da paternidade já estava presente em Estamos bem mesmo sem você (2006), e Tommaso, o nome do filho, é também o título do seu segundo longa. Seriam os três uma trilogia?
Pode-se dizer que sim. Carregava comigo esse desejo de fechar um ciclo de contos sobre pais e filhos. O meu primeiro filme era sobre a história de um garoto, na pré-adolescência, e os desafios que precisa enfrentar pelas feridas existenciais fornecidas pelos pais. O segundo vinha da tomada de consciência entre filho e mãe. Agora, portanto, havia chegado o momento de um diálogo com o pai.

 

Todos os longas que você dirigiu também escreveu o roteiro e atuou. Te interessaria dirigir projetos de outros roteiristas ou sem a sua participação no elenco?
Sim, com certeza. Como já contei em outras ocasiões, nesses três filmes tive meio que substituir alguém, quase de modo improvisado. O meu personagem era invariavelmente destinado a um outro ator, que por um motivo ou outro acabava não podendo participar, e eu precisava assumir o papel, pois de outra forma o projeto não iria sair. Fico curioso para descobrir se esse tipo de destino dizia respeito a apenas essa trilogia, ou se vai continuar acontecendo na minha vida.

 

Todos os longas que você dirigiu até hoje se comunicam entre si.
Sinto falta, porém, de uma experiência por trás das câmeras menos intimista. Penso que a introspecção, no cinema, é uma das coisas mais importantes que existe. Ainda que nessa época ela venha sendo rejeitada. Meus três filmes foram, sem exceção, muito introspectivos. Portanto, gostaria que o meu próximo tivesse como ponto de partida uma ideia que venha de fora de mim.

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Kim Rossi Stuart, nos bastidores ds filmagens de “Brado”

O personagem do filho, em Brado, apresentava grandes desafios, tanto fisicamente, com os cavalos, mas também no drama, nas discussões com o pai. Como foi a escolha pelo ator certo?
Bom, foi uma longa busca. Primeiro, procuramos, entre cavaleiros, atores que soubessem cavalgar. Isso era imperativo, precisava de alguém que soubesse andar a cavalo. Porém, foi difícil, estava exigindo um esforço desproporcional da nossa parte, e resolvi percorrer outro caminho. Assim, me dirigi até às agências de atores, como acontece de maneira mais tradicional. Foi quando me apresentaram a esse garoto que, veja só: não sabia andar a cavalo (risos). Mas preciso dizer que, nos testes, foi o único que me causou a sensação de manter o peso dramático mesmo nos momentos mais difíceis. Ele foi capaz de colocar em ordem os conceitos. Ou seja, foi o único que me permitiu sentir seguro para, junto a mim, embarcar nessa empreitada.

 

Saul Nanni é o nome do felizardo. Como foi trabalhar com ele?
Ele tem um rosto muito cinematográfico. As minhas inspirações, talvez você tenha percebido, iam na linha de Elia Kazan e James Dean – mas, claro, de um modo muito subliminar. Nesse sentido, ele era perfeito. O trabalho foi muito difícil, preciso confessar, pois se trata de um rapaz de boa família, com pais equilibrados, e que não sabia o que era sentir rancor e raiva contra o próprio pai. Em algumas cenas foi bastante complicado, teve passagens que cheguei perto de violentá-lo para conseguir tirar essa explosão de dentro dele. Já no terço final, no hospital, foi fácil, fez tudo sozinho. Apesar dessas cenas terem sido exigentes dramaticamente. Isso me fez perceber como era fácil para ele entrar em contato com sentimentos bons, com o amor, o afeto, a proteção. Tem uma certa doçura, sabe? Foi quando me dei conta que estava lidando com um ser humano muito bonito.

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Kim Rossi Stuart, em cena de “Brado”

Brado está chegando agora ao Brasil, após ter sido exibido na Itália. Como foi a recepção por lá e o que espera do público brasileiro?
A reação entre os espectadores italianos me levou a ter sentimentos um tanto megalomaníacos (risos). Creio, profundamente, que é difícil que esse filme não toque no íntimo de qualquer pessoa. Em todas as sessões que participei presenciei plateias muito emocionadas, participativas, que reagiam ao que se via na tela de maneira entusiasmada. Eram tocados pela trama. Quanto ao retorno da crítica, é para mim até difícil descrever o quão generosos foram comigo. Todas as que chegaram até mim vinham recheadas de palavras edificantes, sempre construtivas. Tem quem tivesse dito que este era “um filme gigantesco”, ou que se tratava de uma “obra-prima”. Portanto, é claro que senti uma gratidão imensa diante disso tudo. Porém, depois acabei ficando muito mal, pois nas bilheterias não tivemos o resultado esperado. Penso, também, que se trata de um fenômeno típico dessa época em que estamos vivendo, não só na Itália, mas no mundo todo. Por isso, estou curioso para entender o que vai acontecer aqui no Brasil.

(Entrevista feita ao vivo em São Paulo em novembro de 2022)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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