Bruno Safadi e O Prefeito no Cine PE 2016

Publicado por
Conrado Heoli

Para o cineasta carioca Bruno Safadi, a realidade é sempre mais impressionante do que a ficção. Algo curioso de se considerar vindo de um cineasta que acaba de apresentar seu mais novo filme, O Prefeito (2015), na mostra competitiva de longas-metragens do Cine PE 2016. A produção é uma comédia satírica que flerta com o surreal numa alegoria para o atual cenário político brasileiro. Nela, o personagem título interpretado pelo ator Nizo Netto decide tornar o Rio de Janeiro um país independente. Política suja, jogos de poder e corrupção são expostos entre as ruínas de um ambiente decadente, em plena destruição. O Papo de Cinema conversou com Safadi para saber mais sobre este filme controverso e extremamente atual, e o realizador ainda nos falou sobre seu trabalho na televisão, com a novela da Rede Globo Liberdade, Liberdade, e seus próximos projetos, que incluem um longa-metragem protagonizado por Maria de Medeiros.

 

Depois de apresentar O Prefeito na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2015, qual é a sensação em exibi-lo em Recife, no Cine PE?
É uma alegria grande, porque para mim o Estado de Pernambuco é muito importante para o cinema do nosso país. Um dos meus filmes favoritos da história do cinema brasileiro é o Aitaré da Praia (1925), de Gentil Roiz, que é um filme que me marcou profundamente e eu até o tinha em vídeo. Desde que comecei a fazer cinema, nos anos 2000, curtas primeiro e depois longas, os pernambucanos sempre estiveram ao meu lado. Primeiro uma geração que antecede a minha, do Lírio Ferreira, Cláudio Assis, que quando eu estava fazendo curtas estavam lançando seus longas e pude conhecê-los. Depois, a nova geração toda, do Kleber Mendonça Filho, Gabriel Mascaro, Daniel Aragão, Marcelo Pedroso, Jura Capela; realizadores com quem fiz filmes ao mesmo tempo que eles filmavam, fomos para festivais juntos, então tudo isso faz com que ter um filme meu em Recife seja uma grande alegria e realização. Tenho uma memória afetiva em Recife muito forte, com muitos amigos, e me sinto totalmente em casa.

Cena de O Prefeito

Como este projeto foi concebido e quanto tempo levou até seu lançamento em festivais?
Esse filme faz parte do projeto Tela Brilhadora, que criamos entre quatro amigos: Júlio Bressane, Rodrigo Lima, Moa Batsow e eu. Nós trabalhamos juntos há 15 anos fazendo filmes. O processo todo foi muito rápido: em março ou abril de 2014 tivemos a ideia e em outubro estávamos filmando. Desde o início sabíamos que o filme teria baixo orçamento e esta é a minha proposta, não há nenhum sentimento de que fracassamos na captação ou que fizemos assim porque não havia dinheiro; pelo contrário, minha vontade era exatamente esta. Fazer um cinema rápido, urgente, e para mim a maior demonstração de que isso pode ser uma decisão certa é a atualidade de O Prefeito, que se eu tivesse filmado de modo tradicional não seria tão atual quanto é hoje. Tinha esse sentimento intuitivo e o filme já era atual enquanto estávamos filmando, mas se tornou ainda mais depois de pronto. É um filme contemporâneo nesse sentido. Estranho, mas preso ao seu tempo.

 

Quanto a esta pontualidade do filme frente ao cenário político brasileiro atual, esta característica lhe impressiona ou já era prevista?
A realidade é sempre mais impressionante do que a ficção (risos). O Prefeito foi realizado num momento em que já tínhamos encarado as manifestações políticas de 2013, era um momento de muita participação das pessoas na política brasileira, elas se tornaram mais engajadas. No ano de 2014, quando filmamos, estávamos vivendo o momento da Copa do Mundo e as eleições presidenciais. O último dia de filmagem, inclusive, foi no segundo turno das eleições presidenciais, então houve até um plano que captamos com uma pessoa ao fundo carregando a bandeira da Dilma (Rousseff). Talvez o que tenha se tornado mais forte agora é a “maracutaia” da política, que o filme também mostra, esse jogo político. Esta é uma ficção sobre como o jogo político é feito, mas é uma ficção que aparenta ser muito real. Já li em críticas de que há momentos em que o que o prefeito (do filme) faz é muito surreal, mas o mais estranho é que este surreal tem muito a ver com o que estamos vivendo agora. É um surrealismo que está muito colado à realidade do nosso cotidiano político brasileiro.

 

E como foram as gravações em meio aos escombros do Elevado da Perimetral, no Rio de Janeiro? Você já desejava ter esse espaço como locação quando concebeu a história ou foi uma escolha que surgiu depois?
Foi incrível, na verdade. O filme seria passado num gabinete tradicional de um governante, mas tinha uma cena em que o personagem visitava uma obra, e eu queria filmar nesta obra da Perimetral. Quando comecei a ver as locações, há mais ou menos um mês das datas de filmagens, cheguei na obra e fui impactado de uma maneira única. Então decidi fazer o filme inteiro ali. Era uma sexta-feira, fiquei maturando a ideia durante o fim de semana, mudei pouca coisa no roteiro, porque ele cabia perfeitamente ali. A locação ofereceu muito ao filme, o transformou, que teria apenas uma cena na obra, mas acabou com 60 ou 70% neste local. A Prefeitura do Rio também entendeu a importância do filme naquele espaço, porque assim não haveria apenas filmes institucionais, mas uma ficção, com conteúdo mais simbólico.

Bruno Safadi e Nizo Netto em coletiva de imprensa no Cine PE 2016

Como se deu a escolha do ator Nizo Netto para o protagonista de O Prefeito?
Foi muito legal a entrada do Nizo, porque inicialmente foi uma escolha conceitual. Eu queria um ator que eu não sabia bem quem era, alguém que fosse humorista e que tivesse uma ligação com uma tradição daquele humor brasileiro, que perpassa rádio e cinema, chanchada, televisão e tudo mais. Queria que esse ator fosse popular, mas um popular ligado ao passado, não alguém como o Fábio Porchat ou o Marcelo Adnet. Estava com certa dificuldade para preencher este personagem, então fui pesquisar e encontrei o Nizo Netto, que achei genial. Ele se enquadrava na idade do personagem e logo fui descobrindo que ele fazia uma peça de teatro, estava no Zorra Total, era mágico e, inclusive, Presidente da Associação de Ilusionistas do Brasil. Ele ainda era dublador e já tinha essa prática de diárias, de fazer narração, então era alguém perfeito para o papel. Como não tinha o contato dele, pedi para uma amiga que é produtora de elenco fazer isso, e ela conseguiu falar com ele, mas demorou uns dias para retornar para mim. Nesse meio tempo ele já tinha pesquisado a minha vida inteira (risos) e ficou interessado no projeto. Só que ele não sabia que era para ser protagonista. Aceitou na hora o trabalho e o resultado foi excepcional.

 

Você atualmente está gravando a novela global Liberdade, Liberdade. Como é para você voltar a fazer televisão?
Já me era familiar fazer televisão, porque há 10 anos tive uma experiência na Globo. Quando decidi fazer meu primeiro longa-metragem, Meu Nome é Dindi (2007), ele também era um projeto independente e na época as coisas pareciam ainda mais difíceis do que hoje, não se faziam tantos filmes independentes como se faz agora. Eu era muito novo, estava em meu primeiro longa-metragem, e quem apostou no filme e tirou ele do papel foi o diretor da Rede Globo Roberto Talma, que já faleceu. Na época, ele era um dos maiores diretores da Globo e acreditou no filme e investiu nele. No mesmo dia em que entrou como produtor do longa, me convidou para ser assistente dele numa novela que estava começando, O Profeta. Aceitei e adorei, foi uma experiência muito legal e muito boa. Quando a novela terminou, fui convidado para ficar, mas não pude, pois tinha acabado de filmar o longa e queria finalizar e poder lançar com dedicação. Nesse período com a Globo também ganhei um prêmio para realizar um outro longa, que é o Belair (2009), então decidi me dedicar a eles. Quem me convidou agora para dirigir esta novela foi o Vinícius Coimbra, diretor artístico de Liberdade, Liberdade, que foi um dos diretores de O Profeta junto com o Talma. Fomos acompanhando o trabalho um do outro nesse intervalo e, quando ele me convidou para participar desse novo projeto, fiquei muito feliz. É muito legal fazer televisão, ela traz uma coisa meio imediata, porque você filma hoje e daqui a uma semana já está exibindo, o trabalho acaba visto por 20 ou 30 milhões de pessoas diariamente, o que é muito interessante. Ainda mais um projeto como este, sobre Tiradentes, um trabalho vigoroso, de época. É muito bacana. Tenho muito a agradecer.

Nizo Netto e Bruno Safadi no Cine São Luiz, em Recife

Quais são seus próximos projetos?
Tenho dois projetos acontecendo. Um deles é um longa-metragem que estou finalizando, chamado História de um Vagalume. Estou no final da edição, acho que com mais uns dois ou três meses ele está pronto. É um filme menor, experimental, fortíssimo, para pouca gente. E estou com um maior que se chama Lilith, que farei com a portuguesa Maria de Medeiros. Ela é incrível e uma super atriz, aprecia meus outros trabalhos e assim acabamos nos aproximando, então ela aceitou fazer este filme. Ainda estou trabalhando no roteiro, acho que vai levar mais um ano para as filmagens acontecerem.

(Entrevista feita ao vivo em Recife durante o Cine PE 2016)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.

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