Nascida no interior dos Estados Unidos, na cidade de Monterey, Alabana, Octavia Lenora Spencer começou cedo sua carreira na tela grande. Após ter estudado na Universidade de Auburn, conseguiu, aos 25 anos, um pequeno papel no thriller Tempo de Matar (1996), ao lado de Sandra Bullock. Na sequência vieram muitas comédias – ela foi eleita, em 2009, pela revista Entertainment Weekly, uma das 25 Melhores Comediantes de Hollywood – e séries de televisão (teve passagens rápidas por programas como Plantão Médico, 1998, Arquivo X, 1999, Just Shoot Me, 2000, Dharma e Greg, 2001, Nova Iorque Contra o Crime, 2002, CSI: Nova Iorque, 2005, e Ugly Betty, 2007, entre tantos outros). Com mais de 120 créditos no currículo, o sucesso só foi lhe aparecer, no entanto, ao viver a empregada doméstica Minny Jackson no drama Histórias Cruzadas (2011). Por este trabalho, ela não só ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, como também o Globo de Ouro, o Bafta, o Critics Choice e o prêmio do Sindicato dos Atores dos EUA, entre outros. E em 2017, fez história ao ser indicada novamente, agora por Estrelas Além do Tempo (2016), se tornando a primeira atriz negra de todos os tempos a conseguir uma nova indicação após ter sido premiada. De volta às telas a partir do dia 06 de abril com o drama religioso A Cabana (2017), ela assume um novo desafio: interpretar ninguém menos do que Deus! E foi sobre esse trabalho que ela conversou com exclusividade com o Papo de Cinema durante sua passagem pelo Rio de Janeiro. Confira!
Olá, Octavia. Tudo bem? Prazer enorme em falar contigo! Para começarmos, o que lhe atraiu no projeto de A Cabana?
Oi, tudo bem. O prazer é todo meu. Estou muito feliz em estar aqui. Bom, em primeiro lugar, foi o livro. Sabe, sou uma leitora voraz, estou sempre com um livro comigo, quando tenho qualquer tempo livre, gosto de me ocupar lendo. E sou muito fã de thrillers, de histórias de mistérios e segredos. E foi isso que me chamou a atenção quando vi o livro A Cabana, de William P. Young, em uma livraria. Pensei que fosse uma história de suspense, e levei para casa. Porém, ao começar a ler, fui percebendo que estava errada, só que ao invés de me decepcionar, ia ficando cada vez mais intrigada. Era algo muito envolvente, da qual não conseguia me desconectar. Li direto, até o fim, pois realmente vivi a história daquele homem que havia passado por uma grande tragédia e descoberto o poder de acreditar em algo maior. Me identifiquei com isso em muitos níveis. Então, quando me disseram que queriam fazer um filme a respeito e queriam que eu participasse, disse “sim” na hora.
Recentemente, tivemos um grande filme sobre religião nos cinemas, o Silêncio (2016), de Martin Scorsese. Porém, esse é um tema sempre muito delicado, polêmico e controverso. Como você pensa que A Cabana pode contribuir nessa discussão?
Eu vi Silêncio, sim, e gostei muito. Mas tudo que posso dizer é que é um filme muito diferente de A Cabana. Sabe, uma coisa que nunca faço é ficar comparando um filme com outro, uma atuação com outra. É tudo tão difícil, cada caso é um caso, são momentos muito particulares, e cada história possui um processo único para chegar às telas. O que torço, portanto, é que as pessoas vejam o nosso filme e se foquem na mensagem, no que está sendo dito, entende? Não quero fazer grandes declarações e nem afirmar que esse é melhor que aquele, ou o contrário. E também tivemos um cuidado muito forte para não invadir a fé e o que cada um acredita. A verdade é que existe algo muito maior, ligando todos nós. Acho que isso é que é importante e que merece uma maior reflexão.
Bom, você interpreta Deus em A Cabana. Qual foi sua primeira reação quando lhe fizeram o convite para esse personagem?
Foi incrível, né? Quando me chamaram para a primeira reunião para falarmos sobre o projeto, era para ser um encontro de 30 minutos e acabamos conversando por mais de 3 horas. Foi uma jornada muito interessante, essa, do meu primeiro contato até ver o filme pronto na tela. No entanto, eu não tinha uma ideia fixa de qual personagem gostaria de interpretar. Estava aberta e esperando para ver como poderia contribuir. Quando me disseram, no entanto, que queriam que interpretasse o Papa, ou seja, Deus, foi um grande choque. Mas depois da surpresa, comecei a pensar e vi que fazia sentido. Afinal, aquela mulher era uma das únicas pessoas que haviam sido boas com o protagonista quando ele era criança. Então, era meio que natural ele ter guardado essa imagem de carinho e afeto, e Deus se manifestar para ele dessa forma. Ficou bonito. Foi uma grande surpresa que resultou em uma incrível experiência.
A minha reação foi mais ou menos como a do personagem de Sam Worthington, sabe, esperava um Deus que fosse um homem já de idade, com barba branca…
Sim, claro. Todo mundo diz isso. Mas esse é o Papai Noel, né, como ela mesmo diz no filme (risos). Enfim, não dá para saber o que todo mundo irá pensar. Cada um tem sua própria crença, tem sua imagem de como Deus deve lhe parecer. Portanto, achei inteligente quando o diretor me disse que estava pensando no que aquele homem havia passado e como seria Deus para ele. Pra mim, fez todo sentido. Mas acho que é só um meio para um fim, e este é a mensagem que o filme quer passar. Espero que as pessoas entendam isso e prestem atenção ao que realmente importa nessa história.
E por mais incrível que pareça, você não é a primeira atriz negra vencedora de um Oscar a interpretar Deus na tela grande, sabia? Whoopi Goldberg também encarou esse desafio na comédia romântica Pronta Para Amar (2011). Seria uma tendência?
Antes ainda teve o Morgan Freeman, né? Ok, ele não é uma atriz (risos), mas é negro e também ganhou o Oscar. Curioso, não vi esse filme da Whoopi, tenho que ir atrás. Mas não sei se é uma tendência ou não. O que penso é nesse caso específico, e em A Cabana havia um motivo para Deus aparecer como mulher. Por isso, acho que funciona. Mas quem tem que avaliar isso é o público, não é mesmo?
Vocês não chegam a ter uma cena juntas, mas no elenco de A Cabana está também a brasileira Alice Braga. Vocês chegaram a conversar sobre o filme que estavam fazendo? Você já a conhecia de outros trabalhos anteriores dela?
Sim, já a conhecia, claro. Acho ela linda, e gosto muito dela. Porém, como você disse, não dividimos nenhuma cena no filme, nem chegamos a nos encontrar no set de filmagens. A Cabana estreou nos Estados Unidos há algumas semanas, e só fomos nos encontrar pela primeira vez em uma das pré-estreias, durante o trabalho de divulgação. Ela é muito competente, e sua personagem, a Sofia, é muito importante. Ela é a Sabedoria, e serve para elevar a discussão para além do acreditar ou não, entende? Ela mostra a verdade além daquilo que compreendemos. Acho suas cenas uma das mais bonitas de todo o filme. E não sei se você sabe, mas anos atrás fiz um filme chamado Baila Comigo (2005), e nele estava também a Sonia Braga, que é tia da Alice, certo? Ou seja, mais um círculo que se completa. As duas são incríveis.
Esta é sua primeira vez no Brasil? O que está achando? E o que conhece do cinema brasileiro?
Sim, é minha primeira vez aqui. Esse lugar é lindo, vocês, brasileiros, devem ter muito orgulho dele. É um dos países mais bonitos de todo o mundo. Estou encantada. Porém, é claro, como atriz, sempre procuro assistir a filmes de todas as nacionalidades. Não fico, necessariamente, procurando “preciso ver um filme da Argentina, ou da África do Sul, ou da China, ou do Brasil”. Não lembro de nenhum em particular, preciso admitir. Mas de um país tão belo quanto esse, com tanta gente talentosa, não duvido que se façam filmes incríveis por aqui!
O Brasil é um dos maiores países católicos do mundo. Como você imagina que o público brasileiro irá receber A Cabana?
Olha, confesso que não tenho nenhuma expectativa. Acho que fizemos um belo filme, e estou satisfeita com o meu trabalho. Espero, portanto, que as pessoas se abram para essa história, para essa jornada de superação, de fé e de esperança. Este é um filme para qualquer pessoa que acredita em algo maior, acima de todos nós, dentro da religião católica ou não. Acho que está além de uma religião ou outra. É um filme sobre sentimentos, e sobre as pessoas.
Bom, para terminarmos… você é uma vencedora do Oscar! E foi indicada novamente este ano por Estrelas Além do Tempo, um filme fantástico. Como descrever experiências como essas?
Muito obrigada, que bom que você gostou. Tanto Histórias Cruzadas (2011) quanto Estrelas Além do Tempo (2016) são dois filmes dos quais me orgulho muito. O trabalho em si já foi plenamente satisfatório, entende o que quero dizer? Porém, ser indicada ao Oscar, e ainda por cima ganhar… nossa, foi tão inesperado! É algo surreal, passam milhares de coisas pela nossa cabeça naquele instante em que abrem o envelope e dizem o seu nome. Você quer explodir de alegria, de contentamento, e, acima de tudo, de gratidão por todo mundo que lhe ajudou até aquele instante. Você acha que vai ser algo único, e segue trabalhando, mas quando percebe, vem outra indicação. Não é um objetivo de vida, não é uma meta, é apenas resultado do seu trabalho, da sua arte. Então, é de deixar qualquer um muito feliz. É tudo muito lindo, encantador, e só posso me sentir humilde por todo o processo que vivi e como sou grata por tudo.
(Entrevista feita ao vivo por telefone direto do Rio de Janeiro em 27 de março de 2017)