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O cineasta italiano Cristiano Bortone nos atendeu diretamente de Berlim, onde reside atualmente, para este Papo de Cinema sobre Café (2018). Falando muito bem em português, ele começou a conversa dizendo o quanto gosta do Brasil, revelando que aprendeu nosso idioma com uma antiga namorada carioca, e que eventualmente o aprimora nos colóquios com os amigos portugueses. Sobre sua mais recente produção, o filme-coral que se passa concomitantemente na Itália, na Bélgica e na China, destacou as dificuldades de produção, porém, demonstrando entusiasmo quando o assunto é criar em parceria com a China, que recentemente se tornou, em termos de arrecadação, o maior mercado cinematográfico do mundo, ultrapassado os Estados Unidos. Cristiano, que no Brasil ficou conhecido por Vermelho Como o Céu (2006), exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, demonstra preocupação com questões urgentes, tais como imigração e ecologia. Confira, então, mais este Papo de Cinema exclusivo (e internacional), com um autor/produtor italiano Cristiano Bortone.

 

Como surgiu a ideia de fazer o Café?
Geralmente, para mim, o nascimento de uma ideia ocorre de maneira muito casual. Meu amigo querido, Roberto Ricci, que atualmente mora no Brasil, é dono de uma empresa de café artesanal. Além disso, é sommelier, e me introduziu nesse mundo incrível. O café não é apenas aquilo que a gente bebe, pois tem uma conexão com a cultura dos povos, com a religião, com a escravidão, está ligado ao cultivo da terra. Então, o café me fascinou totalmente. Há muito tempo queria fazer um filme que abordasse aspectos do mundo em que a gente vive agora, principalmente essa incerteza que o perpassa. As migrações de pessoas desesperadas é um dos sintomas disso. Na minha terra, mas talvez no Brasil, também, há uma geração de jovens que perderam um pouco as esperanças. Como todos os autores, absorvo o que vivemos. Portanto, desejava fazer um longa com elementos sociais. O café pôde ser um componente poético e fascinante, proporcionando uma viagem através dele.

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Gostaria que você falasse um pouco sobre essa logística de uma coprodução Itália/China/Bélgica.
Falo chinês, também, e sou um dos criadores de uma plataforma que liga produtores europeus e chineses, a Bridging the Dragon. O cinema chinês possui números alucinantes. Neste ano, a China virou o primeiro mercado do mundo, passando os Estados Unidos. Então, tenho uma conexão realmente grande com o país, onde cheguei a dar aulas de cinema. Isso tudo me ajudou a conseguir trabalhar com os parceiros locais, por exemplo. Esse filme foi a primeira coprodução oficial entre Itália e China da História. Especificamente sobre a logística, foi uma aventura, como todas as que buscam desbravar caminhos. Foi fantástica e, naturalmente, complicada. Mas deixou um gosto de acontecimento. O percurso não foi fácil, porque a China é o atual Velho Oeste, onde tudo parece impossível, mas é possível, embora complicado.

 

No filme há uma variedade cultural e étnica, além da inerente aos deslocamentos, mas dentro dos segmentos. Para você era importante mostrar, sobretudo, uma Europa diversa?
Com certeza. Moro em Berlim. O filme foi feito há dois anos, quando o problema da imigração estava começando e ainda não era tão dramático. Pessoas morrem empreendendo travessias, outras não querem estrangeiros em seu país. A Europa é um lugar fantástico, incrível, com uma riqueza de idiomas, é uma verdadeira Babel. Mas, especialmente diante de gigantes como a China, fico me perguntando como países pequenos, como Luxemburgo, por exemplo, vão resistir? Mesmo nesses territórios diminutos, como a Bélgica, onde se passa boa parte do filme, há diversos idiomas, comunidades diferentes que, geralmente, se olham com suspeitas, que não se gostam. Há um medo da derrocada do sonho europeu, no fim das contas.

 

No Café, vários personagens sofrem as consequências de más escolhas. O afeto parece uma saída possível. Era essa ideia principal que você queria expressar?
Quando um filme aborda questões dramáticas, temos sempre duas escolhas, em geral. Podemos fazer uma fotografia da crueldade, do drama e do desespero, já que alguns problemas não têm solução. Estamos diante de questões enormes, como isso da imigração ou da ecologia que, para mim, é o maior problema de todos. Mas, podemos, também, esperar e/ou apresentar soluções, propor caminhos. Sobre o Café, me perguntei muitas vezes sobre o final, se ele deveria ser dramático e pessimista, como é a vida, ou se deveria oferecer esperança.

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A estrutura filme-coral, com várias tramas se interligando, lhe impôs que tipos de desafios, fora os logísticos?
Muitas dificuldades. Fazer um filme já é bastante complicado. Mas um de estrutura coral é semelhante a realizar três produções diferentes. Trabalhei com equipes e idiomas distintos. Há, para começar, o desafio da escolha do elenco. Na China, é imprescindível entender a mentalidade local, completamente diferente.  Lá, também, há o desafio da censura. Como o Café é uma produção oficial do país, precisamos passar pelo crivo dos censores. Tivemos de adequar muitas coisas. Por exemplo, o filme fala de poluição e oficialmente não há poluição na China (risos). O processo foi feito com o intuito de não modificar a essência da história, e deu tudo certo, no fim das contas.

 

(Entrevista concedida por telefone, numa ponte Berlim/Rio de Janeiro, em agosto de 2018)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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