Talvez o cineasta brasileiro de maior expressão em Hollywood nos dias de hoje, Carlos Saldanha construiu sua carreira basicamente no exterior, se tornando um dos maiores profissionais da animação do momento – ele é responsável pelas franquias A Era do Gelo e Rio, por exemplo. Indicado ao Oscar pelo curta-metragem Gone Nutty (2002) – que ficou notório por apresentar, pela primeira vez, o esquilo pré-histórico Scrat – Saldanha foi premiado com Rio (2011) como Melhor Filme Estrangeiro no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, mostrando ser acertada sua vontade de aproximar cada vez mais estes dois extremos. O próximo passo nesta direção foi sua estreia como diretor de atores ‘em carne e osso’, ao comandar o segmento Pas de Deux, um dos mais badalados da antologia Rio, Eu Te Amo (2014), atualmente em cartaz no país. Foi durante o lançamento deste mais recente trabalho que o realizador conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Como você foi chamado para participar de Rio, Eu Te Amo?
Na verdade, o projeto do Rio, Eu Te Amo vinha sendo elaborado há um bom tempo, e desde o início dos produtores conversaram comigo. Sempre achei a ideia ótima, e nunca deixei de sinalizar minha vontade em participar. Mas isso foi coisa de uns quatro, cinco anos atrás, e depois as conversas pararam – cheguei a pensar que nunca fosse acontecer. Mas há uns dois anos retomaram o contato comigo. Nesse momento já era o pessoal da Conspiração Filmes que estava à frente das negociações, e pediram que eu bolasse uma ideia que pudesse se encaixar. As únicas diretrizes que me passaram é que deveria ter dois protagonistas – no máximo – contando uma história de amor, e tudo em uma única locação. Não precisava ser necessariamente um amor entre homem e mulher, poderia ser de qualquer tipo. Era fundamental que fosse uma ‘expressão de amor’, esse era o termo empregado.
E de onde veio a ideia para Pas de Deux?
Pois é, tava procurando, não sabia ao certo o que faria. Foi bem numa época que estava frequentando muitos espetáculos de dança, aquilo do movimento, dos bailarinos, tava me marcando. Foi numa apresentação do Grupo Corpo que o argumento surgiu pra mim, com as primeiras ideias. Afinal, já havia feito dois filmes sobre o Rio de Janeiro, explorado as praias, todos os cartões postais. Queria fazer algo diferente. E nessa busca por um lado não tão conhecido é que surgiu essa questão: por que não a dança? Quando apresentei minha proposta, a recepção não poderia ter sido melhor.
O que é o Amor no Rio de Janeiro?
Sempre soube que queria fazer uma história de amor entre um casal. O primeiro curta que fiz, ainda na faculdade, era sobre dois apaixonados que viviam dentro de um relógio. Pensei em retomar essa ideia, da crise entre duas pessoas que se querem muito, mas não estão conseguindo se acertar. E eles vão, aos poucos, resolvendo seus problemas através da dança. Sempre tive essa veia romântica. E o visual completou, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro é um lugar lindo, me possibilitou brincar com as sombras, até mesmo uma animação dos personagens. Foi um processo muito divertido e bem conectado com o que havia pensado desde o começo.
Essa foi sua primeira experiência com atores, após tantas animações. Como foi encarar esse desafio?
Foi muito legal, mas na verdade não chega a ser tão diferente assim. Nas animações também trabalhamos muito próximos dos atores, que são chamados para gravar as vozes antes de qualquer coisa, e aproveitamos muito dos jeitos e expressões deles nos personagens que, só depois, iremos criar. Então, quando estamos no estúdio de gravação, é preciso ter um roteiro muito forte, pois não há mais nada. Não há cenário, figurino, só as vozes permanecem. É preciso direcioná-los exatamente na direção que buscamos. Enfim, o processo é muito parecido. Mas é claro que, dessa vez, com aquele lugar fantástico, dois atores maravilhosos em cena, tudo adquire uma dimensão maior. Eu me mantive sempre muito próximo deles, prestando atenção no jeito deles atuarem, nos corpos, no rosto, em cada olhar. Tudo ao mesmo tempo. Me diverti muito fazendo isso, e é claro que o resultado só foi possível porque estava com dois atores que confio e adoro.
Como você chegou aos nomes do Rodrigo Santoro e da Bruna Linzmeyer?
Foi um casamento perfeito. Os dois já haviam trabalhado juntos na televisão, então o entrosamento entre eles era perfeito. A Bruna é uma menina incrível, e apesar de muito nova é extremamente inteligente, esforçada, tá sempre estudando, altamente profissional. Mas buscava exatamente isso, queria uma atriz relativamente nova para criar esse contraste com o Rodrigo. Afinal, ele é o cara mais maduro, já estabelecido, que está num momento de definir sua carreira. Precisava que os dois intérpretes refletissem bem o drama dos personagens.
O Rodrigo Santoro é um parceiro constante nos seus trabalhos…
O Rodrigo é incrível, sou muito fã dele. Ele tem um conjunto de trabalho impressionante. A gente se divertiu muito fazendo o Rio, foi quando tive a primeira oportunidade de vê-lo sumindo no personagem. É o tipo de cara que se entrega de carne e osso, quase como um camaleão. E isso é muito bom para o diretor, pois sabemos o que esperar dele. Para o Pas de Deux, o Rodrigo passou uma semana treinando com bailarinos profissionais, chegou até a dar alguns passos, queria mesmo saber como era aquela rotina, precisava ter essa vivência para tornar o papel real em suas mãos. Ele é muito metódico no processo criativo, se dedica por inteiro para fazer o melhor trabalho possível. É um profissional e tanto, e com tanto amor pela profissão que inspira qualquer um que está ao seu lado.
Quais são seus próximos trabalhos?
Nossa, tenho tanta coisa que nem sei por onde começar. O Era do Gelo 5 está confirmado, mas serei apenas produtor executivo. Temos algumas ideias para o Rio 3, mas no entanto não há nada definido até o momento. A situação desse é mais complicada, pois estamos com o cronograma cheio na Blue Sky. Todo mundo quer fazer um terceiro, precisamos apenas definir em que ponto ele irá se encaixar. O próximo filme da produtora será o Peanuts, a turma do Snoopy, que ganhará um belíssimo filme. Vai ser incrível. Nesse também estou produzindo. Agora, como diretor, meu filme seguinte será o Ferdinando, que é um livro clássico nos Estados Unidos, sobre um touro muito tímido. Ele chegou a ter, muito tempo atrás, uma versão da Disney, mas agora iremos retomar o personagem em busca de suas origens. Estamos ainda trabalhando no roteiro, tá muito no início. Foi criado em 1939, mas ainda é atual, pois fala de temas como bullying, de pessoas que te julgam sem nem ao menos te conhecer. É uma temática que fala da importância em você ser quem é realmente, sem se preocupar com os outros. Tenho certeza que será um filme lindo.
Rio, Eu Te Amo faz parte da franquia Cities of Love, que já passou por Paris e Nova York. O que você acha dos outros filmes da série?
Pode até ser pelo fato de ser carioca, mas o nosso tá no topo da lista, sem sombra de dúvidas. O segundo é o Paris, Te Amo (2006), que também acho muito bonito. O que menos gosto é o Nova York, Eu Te Amo (2009), pois não me conectei muito com as histórias. Achei meio confuso. O de Paris é mais individual, com os curtas bem definidos, e era uma proposta legal para ele, mas com o Rio foi fundamental essa mistura, essa sensação de continuidade que todos os segmentos possuem entre si. Esse é o grande diferencial, o que o faz ser realmente único. Assim como o Rio de Janeiro.
(Entrevista feita por telefone direto do Rio de Janeiro em 10 de setembro de 2014)