O belga Yannick Renier é um ator tarimbado, formado em teatro e com papeis destacados na televisão e no cinema. Irmão do astro Jérémie Renier, ele agora faz sua estreia na direção, em parceria familiar, abordando justamente a dificuldade de um relacionamento fraternal. Totalmente descontraído no hotel à beira-mar em Ipanema, onde conversamos com ele, Yannick esbanjou simpatia, começando o papo se esforçando para falar algumas expressões em português, como “muito prazer”. Estava visivelmente feliz em participar da movimentação com a imprensa em torno de Carnívoras, filme que consumiu boa parte das suas energias durante a pré-produção e as filmagens. Mesmo compenetrado na entrevista, ele não deixou de brincar com o irmão que estava ao lado da mesa, nem de simpaticamente referir-se ao nosso editor Marcelo Müller como “Marcello”, enfatizando a pronúncia italiana sempre que um novo estrangeiro se avizinhava. Confira, então, este ótimo bate-papo com Yannick Renier.
Como foi estrear na direção, ainda mais colaborando com seu irmão?
Foi uma experiência apaixonante e difícil ao mesmo tempo, até porque o assunto é bastante pessoal. É totalmente intenso fazer um primeiro filme, ainda mais colaborando com seu irmão e falando de fraternidade. Isso torna as coisas um pouco mais complicadas. Durante a filmagem e a montagem, especialmente, questionei se iria sobreviver àquilo tudo. Hoje, realmente acho que foi uma sorte imensa poder fazer isso com meu irmão, no fim das contas.
As atrizes sabiam desde o início que o filme acabaria de um jeito trágico?
Sim, elas tiveram acesso ao roteiro completo. Aliás, excetuando pequenas alterações, o filme é bem próximo do que estava no papel. Optamos por trabalhar em completa transparência com as atrizes, então elas tinham ciência do fim. Já que a personagem da Leïla (Bekhti) era um pouco opaca, pedíamos, por exemplo, para ela colocar no olhar um componente que desse a entender que algo brutal aconteceria adiante. Era necessário que ambas estivessem a par de todos os detalhes da relação das protagonistas para que pudessem interpretar isso.
O que você não queria fazer no seu filme de estreia como diretor?
Humanamente e artisticamente fui agraciado, porque as equipes técnica e artística eram perfeitas, formadas por gente com muita experiência, o que compensava a nossa inexperiência na direção. Claro, havia pessoas que não eram tão tarimbadas, e talvez com elas pudéssemos aprender mais, porque os outros acabavam nos protegendo.
(Neste momento, Jérémie Renier sentou-se à mesa).
Yannick: Senhoras e senhores, o grande astro internacional: Jérémie Renier.
(Jérémie fez uma saudação pomposa, levando adiante a brincadeira do irmão).
Yannick: Claro, preferia ter feito esse filme com a minha irmã, não com meu irmão (risos).
Jérémie: Sou um pouco a irmã dele, também (risos).
Num momento em que o conservadorismo cresce, inclusive na Europa, vocês acreditam que o cinema tem a obrigação de oferecer contrapontos aos ímpetos retrógrados?
Jérémie: Essa questão é muito ampla. Não saberia te responder. Mas, qual é a relação que você faz disso com o nosso filme?
Minha questão é mais direcionada ao ato de fazer cinema hoje em dia…
Jérémie: O cinema pode carregar diversas emoções, sentimentos e questões importantes para o homem. Mas, também pode ser diversão e uma série de outras coisas. Agora, quando ele pode fazer pensar acerca de questões políticas, que bom. Mas cinema não é apenas isso.
Yannick: Acredito que o Jérémie não entendeu muito bem a questão. Por exemplo, com a onda de refugiados que estão chegando à Europa, e as questões que esse movimento acarreta, a situação política realmente está complicada. Se eu fosse realizar um filme hoje, como diretor, certamente pensaria melhor sobre minha postura política enquanto artista. Mas, se eu produzisse algo com essa temática da imigração, não sei se colocaria minhas ideias muito frontalmente. Talvez, fizesse como no teatro e na literatura ocasionalmente, usaria a ficção para destacar certas questões reais, promoveria esse confronto entre ficção e realidade.
(Entrevista concedida ao vivo, no Rio de Janeiro, em junho de 2018)