Por quatorze anos, Lúcio Mauro Filho visitou semanalmente as casas de milhares de brasileiros como o irresponsável Tuco, o filho caçula de A Grande Família (2001-2014). E como o próprio ator afirma, este sucesso também pode ter tido um lado não tão bom, pois ao passar mais de uma década defendendo o mesmo personagem de comportamento tão adolescente, isso dificultou que o público – e também seus colegas realizadores – o vissem como uma pessoa mais madura e apta a desafios diversos. Mas essa situação, felizmente, está mudando. E se na novela global Malhação (2017) ele tem marcado presença como um avô prematuro, na comédia Chocante (2017), que está chegando nesta semana aos cinemas, ele aparece como o mais responsável e pé-no-chão de quatro amigos que foram um fenômeno musical quando jovens, e agora, duas décadas depois, decidem buscar mais uma vez o estrelato. E foi sobre este novo trabalho que o ator conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Olá, Lúcio. Como surgiu a ideia do Chocante?
Pois então, estou nesse filme quase que por acidente. Acompanhei todo o processo, desde a construção do roteiro, o surgimento das primeiras ideias, mas tudo de longe. Apenas como observador, porque o roteiro levou mais de ano para ser finalizado, foi muito trabalho em cima, até acharem o tom ideal. E, durante esse processo, estava fazendo uma peça de teatro com o Bruno Mazzeo, o 5x Comédia, e volta e meia conversávamos nos bastidores sobre o que cada um estava fazendo. Foi quando, na reta final, ele me fez o convite: “olha só, tem um personagem feito para você, para ser o meu irmão”! Pronto, era o que bastava para me engatar, né? Imagina, irmão do Bruno? Me identifiquei na hora! E, quando decidi entrar de cabeça nesse universo, vi logo como tudo fazia sentido e como essa temática tinha a ver comigo! Afinal, todos nós tivemos essa mesma infância nos anos 1980 e adolescência pelos 1990, temos todas essas referências. É uma realidade que a gente conhece, os ícones pops daquela época estão todos aqui, dentro de nós. Então foi muito simples, bastou cada um chegar com a sua contribuição. Eu, para ter uma ideia, tenho duas irmãs, então sou um expert em boy bands daquele período. Sei tudo de Menudo, por exemplo (risos).
Quem é o Tim e o que te atraiu nesse personagem?
O Tim é o cara que tem tudo para ser feliz, mas sente falta de alguma coisa. Ele precisa de emoção. Gostei muito dessa camada que o filme me ofereceu, principalmente pela história dos irmãos. Afinal, além de ser uma comédia, Chocante fala de afeto, de amizades, desse reencontro de antigos amigos que decidem se apoiar. E, para isso, eles precisam resolver coisas do passado, superar mágoas. Fiquei muito seduzido pela proposta, pois entrega um pouco mais do que a pura palhaçada. Claro que é bom rir, mas ir além é muito bacana. É importante, mesmo dentro da comédia, e em todos os seus subgêneros, que se exercite estes outros olhares. E a nossa história transita um pouco por essa região, da comédia agridoce. É um pouco de Ou Tudo ou Nada (1997), com uma pitada de Pequena Miss Sunshine (2007).
Ao contrário do tom cômico que percorre o filme, o Tim é um cara mais contido. É um personagem diferente, que lembra um pouco o Miéle, que você fez no Elis (2016), por exemplo. Você esta buscando essa alternância?
Acho que é um conjunto de fatores. Não é algo tão consciente assim, mas é um resultado que me atrai. O fato é que o mercado só está me vendo agora como uma figura adulta. Fiquei muitos anos na Grande Família, mais de uma década fazendo um cara que não queria crescer. E isso tem seu preço, certo? Acho que é por isso que o cinema demorou a me enxergar para fazer personagens mais maduros. Mas isso está mudando, mesmo que aos poucos, tá começando a acontecer, e aos poucos vão me olhando de outro jeito, mais como esse artista mais de acordo com o meu tempo. E isso, pra mim, como ator, é maravilhoso. Mesmo sendo experiente e conhecido do público, ainda estou fresco nesses papeis. Tá todo mundo agora olhando para o Lucinho com outros olhos, e este foi o caso do Chocante! Estou vivendo um sonho que, enfim, está se realizando. Estou muito feliz.
O Tim é o que tem a vida mais estável dos quatro amigos, com um emprego fixo e com uma família que o ama. Mesmo assim, está infeliz. O que o Chocante representa, portanto?
O filme fala um pouco dessa nossa eterna insatisfação, dessa recorrente vontade de viver num sonho. É mais ou menos o que a esposa fala quando ele tá reclamando que tá achando tudo chato, e ela diz: “viver é chato”! E isso é uma realidade, pois cada vez mais viver é chato, com nossas obrigações, cobranças e responsabilidades. E tem ainda a internet, as redes sociais, e tudo que prometia uma grande liberdade, mas que na verdade era uma grande mentira. Estamos vivendo uma realidade cada vez mais violenta, um mundo mais retrógrado, em que o chato é o normal. Por isso mesmo que esses caras querem viver esse sonho até as últimas possibilidades.
O que você achou da sua versão jovem?
Nossa, adorei! E como não ia gostar: o Apollo é lindo! Ele parece meu filho! Achei uma escolha muito acertada (risos). Assim que ele chegou, todo mundo apontou a semelhança dele com o meu filho. E acertaram em cheio! Além dele ser um cara muito talentoso. Aliás, todos os garotos que nos interpretam na juventude são incríveis.
O que foi mais divertido: acompanhar as escolhas das versões ‘novas’ de vocês – e vê-los caracterizados como nos anos 1990 – ou as sequências em que tentam resgatar o grupo?
Isso é imperdível! É difícil dizer o que é mais engraçado, pois cada parte do filme tem seu humor, mas também sua melancolia. A gente trânsita pela linha tênue da graça e da desgraça. Esses caras são um bando de losers, de perdedores, que tiveram uma sorte na vida e botaram tudo a perder. E, vinte anos depois, estão achando que vão conseguir reproduzir aquela mesma magia. É como torcer que o raio caia duas vezes no mesmo lugar – isso não acontece!
Você já tinha participado de outros filmes coletivos, como Vai Que Dá Certo (2013). O que Chocante tem de diferente?
Acho que o Chocante é uma reunião muito feliz de talentos que são mais ou menos da mesma geração, e que estavam se namorando há um bom tempo. Já tinha trabalhado com o Bruno, por exemplo, tanto no teatro como também no cinema. Mas tava louco para trabalhar com o Majella, sou fã desse cara, basta ficar ao lado dele para começar a rir – ele é incrível! O Pedrinho Neschling eu o conheço desde pequeno, vi esse moleque crescer, mas nunca tínhamos trabalhado juntos. Já o Bruno Garcia é meu compadre, mas não atuávamos num mesmo projeto desde o Sexo Frágil (2003-2004), há mais de dez anos. Foi uma oportunidade de ouro reunir no mesmo elenco figuras que se adoram. E isso foi primordial para chegar ao clima do filme, pois estamos refletindo na ficção uma afinidade que já existe na vida real.
O brasileiro é saudosista? Como esperam que o público encare um filme que brinca tão forte com a nostalgia, como Chocante?
O povo brasileiro é muito saudosista. Muito. A gente já tinha isso em mente, o filme inteiro foi desenvolvido tendo isso bastante claro. Não chegamos nesse resultado sem querer. Trabalhamos de forma consciente em cima desse saudosismo. E estamos vivendo, atualmente, um momento muito especial. Veja só o Stepan Nercessian fazendo o Chacrinha, todas essas bandas do anos 80 e 90 que seguem fazendo sucesso: a Blitz vai lançar um novo álbum, o Capital Inicial tá sempre em turnê… até Legião Urbana tá voltando! E os meninos das boy bands da época que seguiram, como o Afonso Nigro, que era do Dominó, segue em alta: hoje ele é um produtor musical com a agenda lotada! Então, esse saudosismo é um super gancho. Não só do ponto de vista comercial, mas de afeto, oferecendo uma realidade mais colorida e menos estressante!
(Entrevista feita por telefone direto do Rio de Janeiro em outubro de 2017)
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