Especialmente a partir da retomada do cinema brasileiro, na metade dos anos 90, os festivais, então combalidos pela debilidade de nossa produção e, por conseguinte, em virtude do pouco investimento na área, ressurgiram como vitrines essenciais. Dentre eles, o Cine Ceará sempre teve uma posição estratégia, consolidando-se ao longo dos anos como um dos principais acontecimentos cinematográficos do Nordeste. Pelo suntuoso Cine-Teatro São Luiz já passaram diversas personalidades da produção latino-americana. E é de Wolney Oliveira, cineasta e diretor executivo do Cine Ceará, a difícil tarefa de manter tudo nos eixos, de orquestrar os esforços oriundos de diversas áreas – Universidade Federal do Ceará, Governo do Estado do Ceará, Prefeitura de Fortaleza, Ministério da Cultura, iniciativa privada, etc. – em prol de uma continuidade benéfica ao cinema brasileiro como um todo. O Papo de Cinema conversou com exclusividade com Wolney para saber o que se pode esperar da edição 2017 do evento, que ocorre entre os dias 05 e 11 de agosto (claro, nós estaremos lá). Confira o bate-papo inédito.
Wolney, qual o maior desafio do 27º Cine Ceará?
O maior desafio este ano, com certeza, é o imposto pela crise política e econômica do Brasil. Vivemos num país praticamente quebrado por conta da fragilidade econômica. Então, se torna cada vez mais difícil viabilizar patrocínios, mesmo um evento como o Cine Ceará, que em 2017 chega à sua 27º edição ininterrupta! Felizmente, há grande parceiros que nos ajudam nesse sentido. Temos um apoio importante do governo do estado, de entidades estatais que tradicionalmente nos acompanham, além de empresas privadas, que igualmente apostam na relevância do Cine Ceará. Portanto, mesmo com dificuldades, estamos conseguindo fazer mais uma vez o evento. Inclusive, mudamos a data desta vez…
Mudança estratégica?
Com certeza. Tradicionalmente, o evento acontece em junho. Achamos por bem mudar para agosto, em virtude de alguns motivos. Junho é um mês clássico de festas juninas, então já existem muitos eventos acontecendo simultaneamente pela cidade. Outra vantagem estratégica é a maior distância da realização do Festival de Cannes, um dos principais do mundo. Em agosto vários dos grandes filmes ainda não decidiram como chegar ao país, então temos mais chance de angariar algum deles para a nossa programação. E, do ponto de vista prático, ganhamos mais dois meses para a captação dos recursos. Posso te dizer que se em janeiro não tivéssemos decidido pela troca de datas provavelmente não conseguiríamos realizar o Cine Ceará, pelo menos não com o tamanho que ele merece.
O que se pode esperar da edição deste ano?
A programação, total prioridade, é o nosso grande forte. Temos alguns longas-metragens que passaram com sucesso por festivais internacionais. Enfim, conseguimos realizar uma seleção das melhores, a despeito dos já mencionados problemas enfrentados. Gostaria de destacar a presença do crítico Rodrigo Fonseca como um dos curadores de longas-metragens. O trabalho dele foi fundamental, assim como o da Margarita Hernández. Tivemos 262 longas inscritos e quase 900 curtas, sendo destes 93 do Ceará. Coube à Beatriz Furtado e ao Salomão Santana o trabalho não menos árduo se seleção dos curtas que figuram nas nossas mostras competitivas.
Como está o fomento ao cinema no Ceará?
O governo do estado recentemente lançou o programa Ceará Filmes. Em parceria com a ANCINE, serão construídas 20 salas em 10 municípios do interior cearense. Elas começam a ser erguidas agora e serão espaços preciosos de difusão, inclusive do cinema feito localmente. Fora isso, temos uma boa quantidade de cursos superiores em instituições renomadas, similares de formação, produção e difusão. Além disso, o 9º Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo destinará R$ 17 milhões às questões do cinema. O governador do estado, Camilo Santana, assumiu o compromisso de colocar 1,5% do orçamento do estado na cultura. Quase 70 milhões de reais no audiovisual. Então, o cenário é positivo, com muitas coisas acontecendo.
Há algo que você gostaria de implantar no festival, mas é inviável, por qualquer motivo?
Gostaríamos de aumentar o valor da premiação. Os grandes eventos, tais como Brasília, Gramado, É Tudo Verdade, oferecem recompensas financeiras consideráveis, e isso é muito importante. Hoje, damos US$ 10 mil ao distribuidor do longa metragem brasileiro ganhador. Por exemplo, Brasília, confere um prêmio maravilhoso de R$ 200 mil para a distribuição. Como realizador, sei a importância de aumentar o montante. Quando vou decidir onde inscrever meus filmes, com certeza essa é uma questão que levo em consideração. Portanto, pensamos no futuro em aumentar o valor, mas ainda não temos “bala na agulha” para dar esse passo. Outra meta é retomar uma coisa que chegamos a fazer em edições anteriores, numa parceria com a Globo Filmes, que é o prêmio de desenvolvimento de roteiro.
Como você analisa o atual momento dos festivais de cinema no Brasil?
Sua pergunta me faz lembrar de uma frase de um dos primeiros filmes que vi em Super-8, agora não lembro o título. “Quem não tem competência, não se estabelece”. Houve uma epidemia de festivais, realmente um inchaço, com quase 300 eventos anuais. Teve gente que mudou de profissão para se dedicar à produção de festivais e se dar bem. Hoje, o número caiu consideravelmente, são cerca de 200. Permanece quem tem relevância. O Cine Ceará começou em 1991, como Vídeo Mostra Fortaleza, idealizada pelo meu pai, Eusélio Oliveira, e por Francis Val. Assumi em 1993 e, das 27 edições, vou para a minha 25º à frente do evento. Meu quarto longa-metragem, Guerra da Borracha, deve ficar pronto em outubro ou novembro. Ou seja, tenho mais edições de Cine Ceará que longas no currículo (risos). Aos poucos, inclusive, estou tratando de terceirizar mais o festival, para ter tempo de me dedicar aos meus filmes.
(Entrevista concedida por telefone em 31 de julho de 2017)
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