Ramiro Azevedo é um dos nomes mais atuantes do Cine Esquema Novo, o festival de cinema de Porto Alegre que, em 2019, chega a sua 13a edição. Atuante no evento desde 2006 – ou seja, a terceira edição – ele começou primeiro como assistente de curadoria, trabalhando mais diretamente com o Gustavo Spolidoro (um dos responsáveis pela iniciativa). Em 2009, recebeu o convite para ser um dos sócios, e desde então tem colaborado diretamente na construção dessa proposta, que vislumbra o cinema enquanto arte audiovisual brasileira, ao lado dos demais curadores, como a Jaqueline Beltrame, também diretora do festival. Atualmente é diretor de programação dos canais da Box Brasil. Ou seja, é alguém que pensa o cinema brasileiro 24 horas por dia. E pra saber um pouco mais sobre a programação e as novidades deste ano, conversamos diretamente com ele, que nos adiantou algumas das surpresas. Confira!
Olá, Ramiro. O que você pode nos adiantar como novidades do Cine Esquema Novo 2019?
Cara, tem muitas atividades paralelas, por exemplo. Mas acho que começaria, dentro da programação, com a Mostra Outros Esquemas. Ela surgiu espontaneamente dentro do processo de curadoria, a partir do volume bem abundante de filmes que gostamos. São títulos com temas importantes de serem abordados e exibidos. Muitos deles, durante a curadoria da mostra competitiva, por mais que os considerássemos bons, relevantes, não dialogavam com a nossa ideia inicial, nem com os filmes que já estávamos selecionando. Mas não deixavam de ser importantes. Isso já vinha acontecendo nos últimos anos, aliás. Essa mostra, portanto, foi criada para trazermos também esses filmes. Quanto mais o público tiver acesso ao cinema brasileiro, melhor. E esses temas são muito atuais, dialogam com o momento do país. Essa, portanto, é a grande novidade. Mas nas paralelas, teremos pela primeira vez as rodadas de negócios, um formato que se estabeleceu em muitos festivais.
Pelo jeito tem muita coisa boa. E para 2020, está tudo encaminhado?
Passamos o ano inteiro pensando como vai ser o festival e a próxima edição. Mas gente não sabe como vai ser no ano que vem, com todas essas mudanças no governo, fim do Ministério da Cultura, sem editais de incentivo. Já estamos com o projeto inscrito em alguns outros editais, no governo do estado, por exemplo. E buscando outros caminhos, claro. Já estamos trabalhando para o ano que vem, com certeza. Vai acontecer, pois a gente reconhece e sabe da importância do que estamos fazendo. Só não sabemos, ainda, como vai ser.
Quem irá participar do festival pela primeira vez, quais seriam os conselhos mais urgentes?
Olha, indicaria, na verdade, a primeira atividade desse ano já na quinta, dia 21, com o seminário Pensar a Imagem, no Goethe Institut, sempre pela manhã. As inscrições estão abertas no nosso site, e irá abordar questões estéticas, das artes, com convidados locais e de outros estados, internacionais também. Pra quem gosta de debater, na parte mais teórica do festival, recomendo muito essa atividade. Sem falar das mostras que vão acontecer no Capitólio, com ingressos a apenas R$ 10. Para conhecer o festival, tem que ir na mostra competitiva, que acontece até o dia 26/11. Estamos também com vagas abertas para a oficina Trabalhando Artesanalmente com Película 16mm, que vai ensinar a manusear, de forma bem básica, a revelação da película – mais recomendado para diretores de fotografia, por exemplo.
Como se deu o processo de curadoria nesse ano? O que era importante?
A curadoria sempre vai se alinhando ao longo do processo. Foram 733 trabalhos inscritos para a mostra competitiva, por exemplo. À medida que vamos assistindo, debatemos e discutimos. No final, voltamos e questionamos tudo de novo. Sempre buscamos trazer experiências novas, narrativas, estéticas. Que tragam temas mais fora do comum. Nesse ano, chamou atenção a diversidade de vozes que encontramos nesses filmes. Obras dirigidas por mulheres, negros, comunidade LGBT. Essa diversidade ficou evidente, e se refletiu na seleção que fizemos. Dialogam com a proposta do festival, e muitas dessas minorias acabam ocupando seu lugar de fala no audiovisual brasileiro.
Fale um pouco sobre essa essa parceria com o Líbano.
A Mostra Universitária BASE-Líbano surgiu a partir de uma proximidade que temos com a BASE-Film, produtora da região metropolitana de Porto Alegre. Essa foi uma iniciativa que chegou até nós pela Camila Leichter e Aly Khodr, pois ele é professor numa universidade no Líbano, e dá aula no curso de audiovisual lá. Desde o ano passado vinha falando conosco sobre esse interesse de trazer os filmes dos alunos dele. Ele fez essa curadoria, com curtas de alunos do curso. A BASE-Film acaba sendo, de alguma forma, coprodutora, digamos assim. Será em uma única sessão, e a ideia é aprofundarmos a conversa nesse sentido, de termos uma troca. Teremos também a Mostra Audiovisual em Curso, com filmes de universidades do sul, com curadoria feita pelos próprios alunos. Fizemos um workshop com eles, contando como se deu o nosso processo, e agora eles fizeram em cada universidade, onde estudam. A ideia é levar, no futuro, esses filmes para serem exibidos no Líbano, provavelmente no ano que vem.
A identidade visual do festival é sempre muito importante, e este é o terceiro ano que o designer Gustavo Panicchi cria a arte do evento. Quais foram as referências?
É sempre um processo de troca. O Gustavo está na terceira edição conosco, já entende o que queremos. Apesar dele viver em Portugal há alguns anos, tivemos a oportunidade de apresentar o festival para ele, então conhece bem o nosso trabalho e a linha que a gente, como organizadores, gosta de seguir em nossa comunicação. A partir da curadoria, vamos dando insights pra ele. Como a questão da diversidade, muitos filmes de protesto, de resistência. Fomos colocando tudo isso, e daí a ideia de trabalhar em cima de uma estética punk, até tomar a forma que temos hoje. É uma evolução de tudo que começamos a falar no início do ano, retocando e fazendo ajustes, até se tornar algo original. Estamos sempre em contato, Skype, whastapp, e vamos trabalhando dessa forma. Com outros artistas já seguíamos esse caminho.
Cine Esquema Novo é o festival de cinema de Porto Alegre. Há muitos ou poucos festivais de cinema no Brasil? Qual é o cenário atual, ainda mais com esse governo?
Acho que o Brasil tem bastante festivais. Mas nunca é demais. Cada festival tem o seu perfil, a sua história. Principalmente festivais pelo interior, que são muito importantes, pois acontecem em lugares onde, geralmente, nem possuem cinema. Acabam sendo o único contato dessas populações tem com o que está sendo produzido de novo no cinema nacional, a possibilidade de chegar ao máximo de pessoas possíveis. Cada festival tem a sua proposta curatorial, uns mais para o mercado, ou focados em filmes só de mulheres, produzidos por indígenas, de temática negra. Tem espaço para todo mundo, sim. O que talvez não tenha, hoje, são recursos para realizar tudo isso. Um exemplo disso é o que acompanhamos nesse ano, quando grandes festivais, como o Festival do Rio ou a Janela de Recife, tiveram que recorrer às vaquinhas digitais para serem realizados. Isso é reflexo desse destrato, dessa recessão dentro do setor. Os produtores culturais, como um todo, estão tendo que se virar e serem mais criativos na busca de recursos. O ano de 2019 tem sido de muitos desafios para o setor como um todo, reflexo direto de decisões políticas que tomaram conta do país.
(Entrevista feita em Porto Alegre em novembro de 2019)
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