A Itália com a Toscana, os Estados Unidos com Napa Valley, o Chile com o Vale do Aconcágua, a França com Bordeaux e o Brasil, por que não, com a Serra Gaúcha. Todas as regiões supracitadas são reconhecidas pela grande produção de vinhos – do clássico de mesa aos rótulos premiados – e enaltecem seus respectivos países internacionalmente quando o assunto é a enocultura. Em solo brasileiro, a região serrana do Rio Grande do Sul é responsável por 90% do vinho produzido no país, mas ainda enfrenta diversas barreiras para se posicionar no mercado nacional ao lado de marcas italianas e chilenas. Isso sem mencionar o próprio duelo existente entre produtores artesanais e grandes vinícolas industriais.
Tudo isso é documentado em Vinho de Chinelos (2012), que marca a estreia de Paula Prandini como cineasta depois de uma longa carreira como fotojornalista e fotógrafa de stills para grandes filmes, como Central do Brasil (1998) e Diários de Motocicleta (2004), ambos de Walter Salles, e Última Parada 174 (2008), de Bruno Barreto. Nascida em São Paulo, Paula já morou no Japão e na França e agora está radicada há dois anos em Roma, onde vive com três filhos e o marido, Jonathan Nossiter – cineasta responsável pelo premiado Mondovino (2004). Numa rápida passagem pelo Brasil, para a primeira sessão de seu documentário em Caxias do Sul, Paula conversou com o Papo de Cinema e discorreu sobre sua estreia na direção, a carreira na fotografia, a importância do cinema em sua vida e muito mais.
Como o cinema surgiu em sua vida (enquanto espectadora e no âmbito profissional)?
Meu avô, Dionísio Prandini, tinha uma sala de cinema em Bragança Paulista, onde íamos nos finais de semana visitá-lo. Depois do almoço, ele levava os netos para o cinema e a gente ficava assistindo aos filmes da sala de projeção, era algo mágico. Acho que minha imagem mais remota de cinema é essa, assistindo ao Tarzan no cinema do meu avô. Dediquei Vinho de Chinelos a ele, pois foi quem me apresentou o cinema e o vinho. Era imigrante italiano e sempre deu vinho com água e açúcar para os netos. Meu pai, filho dele, por sua vez, estava constantemente acompanhado por uma câmera Super-8. Essa também é uma lembrança remota minha, da gente filmando com a Super-8, para depois nos reunirmos para assistir aos filminhos projetados na parede.
E como o cinema se tornou profissão?
Sou formada em Comunicação, Radio e TV pela FAAP, mas trabalhei pouco em TV, fui logo para o fotojornalismo. Comecei no Estadão e depois fui chamada para participar do projeto da Revista Época, que estava começando. Em 2000 decidi ir morar em Paris, onde trabalhei como correspondente freelance para a imprensa brasileira. Paralelamente ao fotojornalismo, fiz o still de alguns longas, pois queria ver de perto como eles eram feitos.
Como você descreve a experiência adquirida como fotógrafa de stills?
Acho que fazer o still de um filme é uma situação muito privilegiada. Você pode circular a vontade, está sempre perto da câmera, vendo as decisões do diretor e do diretor de fotografia, escutando o que o diretor sussurra para o ator… É algo incrível.
Você credita suas escolhas estéticas e estilo como cineasta aos diretores com quem já trabalhou, como Walter Salles, Bruno Barreto e Jonathan Nossiter?
Aprendi muito com eles, mas é difícil dizer de onde veem as nossas escolhas estéticas, ou nosso estilo, mesmo porque não são escolhas racionais… Ainda mais depois de uma certa idade, onde as experiências se acumulam e se misturam. Na minha adolescência ainda existiam muitos cineclubes em São Paulo, foi assim que descobri Ozu, Bergman, Fassbinder e outros cineastas que me tocaram profundamente.
E como se deu sua transição de fotógrafa para cineasta?
Eu diria que essa transição ocorreu com a chegada do digital. Tanto do lado positivo quanto do negativo. Por um lado, nunca me adaptei muito à fotografia digital, gostava daquela adrenalina de não ver a fotografia na hora com máquinas analógicas, sentia aquele frio na barriga. Era preciso ter uma precisão técnica e ao mesmo tempo o coração aberto para a situação. Acho que o fotojornalismo sofreu muito com o digital, também começaram a pagar pouco pelos trabalhos. Por outro lado, a chegada do digital, ao meu ver, jogou a favor do cinema. Eu sempre sonhei em fazer cinema! Já trabalhei em produtoras quando adolescente, mas sempre olhava para aqueles custos, aquelas estruturas enormes, e achava que ia ter que passar anos como escrava do cinema até conseguir fazer meus filmes. Hoje, com a tecnologia digital, fazer cinema ficou mais acessível, os custos são mais baixos… Senti que era a hora de experimentar.
Como surgiu o projeto de Vinho de Chinelos?
Quando passaram a série de Mondovino na TV brasileira, pensamos que seria bacana fazer um primeiro capitulo sobre o vinho nacional, até para contextualizar o filme para os brasileiros. Jonathan [Nossiter, marido de Paula] pediu para eu dirigir, pois ele estava em plena produção de outro projeto. E assim lá fui eu para Bento Gonçalves!
Qual é a sua relação com a Serra Gaúcha e os vinhos produzidos aqui?
Eu não conhecia essa região, foi uma verdadeira descoberta. Também não tinha uma ligação forte com os vinhos do Sul, pois meu avô sempre me fez tomar vinhos italianos. Mas me senti logo em casa, acho que pela descendência italiana… E na Serra todos tomaram vinho, até com água e açúcar na infância! Temos algo em comum.
Enquanto documentarista, como você avalia a participação e interação do realizador com os personagens retratados em seu filme?
Acho que essa interação é antes de tudo entre seres humanos. Para mim, o cinema, ou a fotografia, são apenas meios que me transportam para outras realidades, e adoro viver novas realidades. Depois, com os filmes, tudo vai se construindo, se impondo. Muitos produtores de vinho que admiro e com quem tive momentos incríveis não estão no filme. É muito difícil acertar isso com a edição, pois é algo que se impõe, além da vontade do realizador. O encontro com o Luís Henrique e a Talise foi assim, eles tinham uma naturalidade incrível diante da câmera, logo pensei: “Nossa, a câmera gosta deles!”. Quando vi o material, percebi que qualquer movimento, qualquer momento vivido com eles, mesmo os mais banais, se tornavam grandes quando filmados.
Quais são seus projetos atuais?
Estou trabalhando em dois projetos paralelamente. Um documentário investiga a relação entre o Brasil e o Japão, este está em fase da captação. E estou acabando de escrever um roteiro de ficção, ao lado de duas amigas, ambientado entre os anos 1960 e 1970.
(Entrevista feita em Caxias do Sul, RS, em dezembro de 2012)