Condecorado pelo conjunto da obra com o Troféu Vila Rica no CineOP 2022, o cineasta M’bya Guarani Ariel Ortega (Kuaray Poty) se dedica ao cinema desde quando comandou Mokoi Tekoa, Petei Jeguata (Duas Aldeias, Uma Caminhada, 2007), vencedor do ForumDoc BH de 2008. Ao longo desses quase 15 anos capturando a síntese dos povos originários, Ariel tornou-se um símbolo de programas audiovisuais realizados em aldeias do Brasil e da América Latina, assim como sua esposa, a diretora Patrícia Ferreira (Pará Yxapy), também homenageada no evento. Para falar sobre ativismo, linguagem e preconceito, o profissional conversou com o Papo de Cinema. Confira este bate-papo exclusivo abaixo.
Ariel, é um prazer falar com você. Qual a importância deste destaque que o CineOP está dando para o cinema indígena?
Em nome do Coletivo Guarani de Cinema, digo que é muito bonita essa homenagem que nosso povo está recebendo da mostra. Essa fato nos impulsiona a fazer mais, contar nossa história de povos originários e fortalecer a cultura nacional. A sociedade brasileira ainda se espelha demais na Europa e vê os indígenas como os europeus viam há séculos. Estar no CineOP, poder falar da nossa cosmologia e tentar mudar a forma como o homem branco nos enxerga, é muito importante.
Durante a cerimônia de abertura, você lembrou que, historicamente, os brancos quando filmam indígenas optam por recortes dos quais vocês nunca se identificaram. Quais seriam essa opções de linguagem?
Bem, por exemplo, quando fazemos o filme há muita aproximação. Não usamos zoom ou tripé. Temos uma relação de respeito com os mais velhos. Sei quando o indígena está inspirado ou não, pois todas as suas falas precisam de um entendimento apurado, que geralmente estão carregadas de temas divinos. Por outro lado, o não indígena, quando nos filma, geralmente está distante, usando muito zoom, captando imagens aleatórias e que soam, geralmente, vazias. O cineasta branco não vai perceber essa falta de sentido. Mas nós, quando assistimos, notamos de imediato. Isso é ruim, pois torna o trabalho descartável.
Sobre Bicicletas de Nhanderú (2011), considerado um clássico nacional do cinema indigenista. Como foi filmar com essas crianças e como estão os dois meninos protagonistas?
Foi muito legal. Naquele momento estavam se divertindo, mas ao mesmo tempo narrando a vivência da aldeia, exemplificando seus medos e anseios. Hoje cresceram bastante e são muito orgulhosos do filme, me tratam bem e são reconhecidos por nosso povo por terem participado do projeto. Realmente são felizes com esse trabalho e mostram pra todo mundo. Um deles tem filhos também.
E nessa trajetória de mais de uma década como cineasta, como tem sido a distribuição dos filmes indígenas?
Aconteceu muita coisa de lá pra cá. Comecei a fazer filmes num projeto pequeno para diretores nas aldeias, com poucas exibições em escolas, e dependíamos muito da sabedoria de professores brancos. Hoje, temos condições de nos auto ensinar. A maioria das obras feitas por nós são exibidas em festivais e frequentemente premiadas. Temos menos limitações agora. Nos últimos anos, aprendemos sobre o mundo do cinema e eu, por exemplo, exibi produções em diversos países, como EUA, França e Inglaterra. Diria, aliás, que os estrangeiros se interessam mais por nossas histórias que os brasileiros. Acho que existe muito preconceito conosco ainda. Tenho esperança que isso mude.
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