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Diretor e roteirista, Erico Rassi iniciou sua carreira com o curta-metragem Sexo com Objetos Inanimados (2003), há mais de uma década. De lá até hoje, assinou um total de cinco curtas, que lhe renderam mais de 30 prêmios em festivais no Brasil e no exterior. Neste período também seguiu se dedicando à publicidade, tanto como realizador como na etapa da montagem. Aos poucos, no entanto, uma atividade profissional foi abrindo espaço para a outra, até que ficasse focado apenas no cinema. Para sua estreia em longa-metragem, decidiu voltar a sua cidade natal, Anápolis (GO), onde sabia que encontraria um visual singular para a história de um ex-matador de aluguel que tenta, mais uma vez, mostrar seu valor. Comeback: Um Matador Nunca Morre teve sua primeira exibição no Festival do Rio 2016, de onde o protagonista, o recém falecido Nelson Xavier, saiu com o prêmio de Melhor Ator. Desde então o filme tem sido recebido com entusiasmo em outros eventos similares, e agora chega às telas do circuito comercial. Foi sobre este trabalho, portanto, que o cineasta conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira:

 

Olá, Erico. Este é teu primeiro filme, certo?
Exato. Fui montador por muito tempo, mas de publicidade. Na verdade comecei em Goiânia, que foi onde fui morar quando senti pela primeira vez vontade de fazer cinema. Quando fui fazer faculdade, me envolvi na realização de alguns curtas, e tentei levar as duas coisas por algum tempo, até que decidi abandonar os estudos, pelo menos parcialmente, e fazer só aquilo que me dava prazer. Foi quando me mudei para São Paulo. De uns quatro anos para cá, tem sido só isso a minha vida. Hoje tenho a minha produtora, a Rio Bravo, e além do Comeback estamos também desenvolvendo uma série para a televisão e outras coproduções, além de já termos começado a pensar num próximo longa meu. Mas desse não posso adiantar nada, está muito no começo, recém participando de editais.

 

Além de dirigir, você é também autor do roteiro de Comeback. De onde surgiu a inspiração para essa história?
Olha, já tinha vontade de falar um pouco sobre esse período, essa coisa de fim de vida, como que as pessoas lidam com esse ostracismo nessa fase. Isso começou a me comichar quando estava preparando um documentário sobre um jogador de sinuca, o Carne Frita, que talvez tenha sido o maior do Brasil, e que ninguém conhece. Ele jogava na época da malandragem, não existia televisão, não há muitos registros sobre ele. Fiz algumas entrevistas com ele, pois ainda está vivo, e sempre que o encontrava sentia nele um rancor muito forte, como se o mundo o devesse alguma coisa. Já não tenho contato com ele há uns três anos, pois é uma figura difícil, bem marrento. No entanto, me contou muito sobre esse sentimento que tinha de achar que haviam esquecido dele. Essa foi uma das minhas inspirações, e acabei transpondo um pouco disso para o roteiro, criando um personagem em uma outra área. Infelizmente, esse filme do Carne Frita acabou não saindo, foi interrompido. Pode ser que um dia a gente retorne, mas não é algo urgente.

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Cena de Comeback

Comeback é nitidamente inspirado nos grandes faroestes americanos. Quais foram tuas principais referências?
Então, eu sabia que se falaria muito sobre isso quando ele ficasse pronto, mas não queria fazer um western tão clássico. Achava que teria os elementos do faroeste, mas creio que para isso o visual ajudou muito, sobre a decisão de filmar em uma cidade da periferia. Esse lugar, meio fictício, lembrava muito o Matar ou Morrer (1952), mas nos perguntávamos como teria ficado a cidade se o Gary Cooper tivesse fugido no início do filme e os bandidos tivessem tomado conta. Aqui é a mesma coisa, porém foi o poder público que caiu fora. E o que acontece é que um destes vilões tenta assumir o que sobrou meio que normatizando as coisas, como uma forma de controle.

 

Comeback está marcado também por ter sido o último filme de Nelson Xavier como protagonista. Como foi trabalhar com ele?
O fato de ter podido contar com o Nelson, logo no meu primeiro filme, foi como um técnico de futebol que tá começando e de cara tem a chance de treinar o Pelé. Ele foi quase coautor do filme. Era um cara que ajudava a compor a história, no sentido que trouxe muito a visão dele do Brasil, de como ele via as coisas hoje em dia. Conversávamos muito nos intervalos das filmagens. Ele tinha sua visão muito própria do país, achava que estava tudo muito complicado, que este é um lugar que não cuida dos seus desvalidos. E ele fazia muito bem esses tipos, construiu uma carreira em cima deste personagem. Outra coisa que ajudou foi que ele gostava muito do roteiro. Quando fomos falar com ele, sabíamos que seria difícil, pois não teríamos dinheiro. Convidá-lo foi quase que uma loucura da nossa parte. Filmamos no interior do Goiás, era muito quente, não tínhamos as melhores condições. Mas ele gostou tanto que decidiu trocar as agendas dele, conciliando com uma novela que fazia na época. E, pra piorar, já estava envolvido no tratamento da doença, com sessões de quimioterapia, e tudo isso durante as filmagens. Ele era esse tipo de ator que se concentrava e se dedicada muito ao que estava fazendo. E sem oba oba, sem badalação. Não ligava para isso, era um cara muito humilde, muito digno. Foi uma grande pena. Quem sabe o lançamento do filme ajude a iluminar um pouco tudo que ele representou para o cinema e para a arte brasileira.

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Erico Rassi, ao receber o prêmio de Melhor Diretor no Festin Lisboa

Você sempre o teve em mente para o papel de Amador?
Chegamos a fazer testes com outras pessoas, é claro, mas sempre quisemos o Nelson. O roteiro foi escrito antes, sem ninguém específico em mente, mas depois que estava pronto, quando começamos a levantar alguns nomes, ele foi sempre nossa primeira opção. Mas achávamos que estava fora da nossa realidade, pois é um filme de muito baixo orçamento. Mas criamos coragem, e deu no que deu. Ele foi super receptivo, desde o nosso primeiro contato. Tê-lo conosco nessa jornada foi incrível.

 

Comeback estreou no Festival do Rio, já ganhando o prêmio de Melhor Ator. Depois, foi premiado como Melhor Direção e pelo Júri da Crítica no Festin Lisboa. Como tem sido essa recepção?
Ah, sabe como é, é recém meu primeiro filme, então a gente fica super inseguro. Eu, ao menos, fiquei. É um filme um pouco diferente, no sentido que é um meio termo entre um longa de gênero e um de festival. É um pouco diferente destes que tenho visto nos festivais, ultimamente. Não sabia direito como a crítica iria receber. Mas, foi muito bem. Pra ter uma ideia, quando foi exibido no Festival do Rio, não fazia ideia que teria alguém da Hollywood Reporter presente, que acabou publicando um artigo super bom, e aos poucos os outros também foram nos recebendo de forma cada vez mais positiva. Achava, é claro, que poderia ir bem, mas está sendo muito superior às nossas expectativas.

 

Comeback é um filme duro, com poucos personagens, com cenários áridos, tipos não muito simpáticos. Me lembrou bastante Os Matadores (1997), do Beto Brant. Como foi construir essa atmosfera?
Eu fiz muitas entrevistas com pessoas mais velhas, para este e para outros trabalhos, e esse material acabou me ajudando a construir toda a trama a partir do personagem do Amador. O roteiro vem a partir dele. Essa coisa dele ser um pistoleiro é quase acidental. Poderia ser outra profissão, e os dilemas seriam os mesmos. O que me interessava era falar da solidão, do final de vida, de não ter reconhecimento, de como é procurar sentido para continuar vivendo. O resto foi se desenrolando a partir dele.

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Cena de Comeback

Qual sua expectativa em relação ao público, agora com o filme entrando em cartaz nos cinemas?
Olha, acho que a expectativa é boa. Comeback é um filme que pode agradar tanto quem gosta de produções de gênero, os mais aficionados neste estilo, como também aqueles que estão em busca de algo mais artístico, pois há outras camadas de leitura. Ao menos foi assim que foi concebido. Mas, a partir desse momento, o filme já está entregue. Não é mais meu, entende? Não tenho o menor traquejo com isso, agora é um pouco com a crítica, com o boca a boca, com o que vão falar sobre ele. Tenho a impressão que pode ir bem, mas é uma grande incógnita. Mas sempre tem a torcida, não é mesmo?

(Entrevista feita por telefone direto de São Paulo em 22 de maio de 2017)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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