Debora Lamm tem cara de menina, mas seu histórico aponta para uma atriz bem mais experiente do que poderíamos imaginar. Dividindo-se entre televisão, teatro e cinema, nunca deixou de estar em atividade desde que estreou na novela Um Anjo Caiu do Céu (2001). No ano seguinte já estava na tela grande, em Seja o que Deus Quiser! (2002), de Murilo Salles – e atuando ao lado da saudosa Marília Pêra. E marcando presença em comédias campeãs de bilheteria, como Muita Calma Nessa Hora (2010) e Cilada.com (2011), ela se tornou um dos nomes mais fortes do riso nacional. Agora, está prestes a revelar um outro lado da sua personalidade artística em Como é Cruel Viver Assim, em que interpreta a Regina, uma babá que bola um plano para sequestrar seu antigo patrão. Uma ideia que, como logo percebemos, tem tudo para dar errado. E foi sobre esse trabalho que a gente conversou com exclusividade com a atriz. Confira!
Olá, Débora. Vamos falar sobre a Regina. Ela é meio que a mola propulsora da ação de Como é Cruel Viver Assim, pois é quem tem a ideia do sequestro. Quem é essa mulher?
Essa é uma das poucas coisas que ela pode se gabar, aliás. Tanto que vive repetindo essa frase: “fui eu que tive a ideia do sequestro”. E isso acontece porque ela acha mesmo que pode ser sua chance de mudar de vida. Mesmo sem pensar muito nos outros, somente nela. Durante o filme inteiro fica tentando arrumar aliados, colocando uns contra os outros, sempre buscando um jeito para ganhar mais. A Regina é uma pessoa desesperada por uma oportunidade. Ela é muito ambiciosa, mas é também pouco confiável.
Há uma cena em particular, durante a entrevista para ser babá, que ela faz algo que qualquer pessoa na mesma situação gostaria de fazer. Sem revelar spoilers, queria que falasse um pouco sobre esse olhar que o filme propõe.
Na verdade, pense numa mulher que, quando está procurando emprego, passa por isso mais de uma vez por semana. No filme aparece apenas uma vez, mas para quem está naquela situação, aquilo é quase uma rotina. Há muito desrespeito, e também despreparo, em ambos os lados. E as frustrações vão se acumulando. Não é fácil ouvir aquilo que ela teve que escutar. Isso tudo é resquício de uma sociedade escravagista, um sistema quase feudal, mesmo, que parece ter ficado congelado no tempo. Essa é, mesmo, uma das cenas mais cortantes do filme. Ela tá representando todo mundo que identifica isso como abusivo. É o seu momento de grande heroína.
Você acha que é possível o espectador se identificar e simpatizar com a Regina?
Acho que tudo é possível. A Regina, por ter humor ao seu lado, talvez chame um olhar, enfim, mais empático com quem está assistindo. Mesmo fazendo uma vilã, mau-caráter, tipo de pessoa que não dá pra confiar, mesmo, ela lida muito com tiradas mais engraçadas, é mais fácil acabar se identificando. Você sabe que pode agradar, até porque a comédia é algo muito sagrado.
Você chegou a assistir a Como é Cruel Viver Assim no teatro? O que a sua personagem no cinema tem de diferente da versão dela nos palcos?
Assisti, com certeza, e mais de uma vez. Sou muito amiga do pessoal que fazia a peça. A Inez Viana, que é uma grande atriz, é quem fazia a Regina na versão teatral. Então, já tinha uma certa intimidade com a personagem, por essa intimidade que tenho com ela. Fui dirigida cinco vezes pela Inez, em diferentes trabalhos, para você ter uma ideia. Acho que a Regina mudou, é claro, e isso acabou acontecendo com todos os personagens, aliás. No teatro a comédia ficava muito evidente. A peça foi encenada pela primeira vez em 2014, vivíamos outros tempos. Inclusive em relação à cultura, tudo no nosso país era diferente. Quando filmamos em 2016, as coisas já estavam mudando, e agora, em 2018, pós-golpe, a trama ganha outra carga dramática. Não precisamos classificar como drama ou comédia, não se faz mais necessário encaixar nesse ou naquele gênero. Depois a gente pensa a respeito. Por precisa ser tão categorizado?
Você vem de duas comédias sucessos de público, o Muita Calma Nessa Hora (2010) e a continuação (de 2014), e recentemente esteve também no Chocante (2017). O Como é Cruel Viver Assim é uma mudança de tom, certo?
Ah, com certeza. Acho que, mais do que uma mudança de tom, é uma oportunidade de fazer uma personagem com desvio de caráter. E ainda por cima sendo uma vilã, que é algo que nunca havia feito. No filme do Murilo Salles, que foi meu primeiro trabalho no cinema, a minha personagem era um pouco mais densa, mas desde então só tinha feito coisas mais leves no cinema. Acho, também, que a Regina que faço é reflexo do olhar da Julia Rezende, nossa diretora, em relação ao meu trabalho. Há tempos queríamos trabalhar juntas. Acredito que eu não seja uma escalação óbvia para esse papel. Tudo isso aconteceu porque ela me conhece, sabe como funciono. Somos amigas, o que deixa tudo mais fácil. Encarei esse desafio como uma boa oportunidade de mostrar algo além daquilo que as pessoas estão acostumadas a me verem fazer.
Nós conversamos pela primeira vez em 2012, e naquela ocasião você me disse que não se considerava uma comediante, e, sim, uma atriz. O Como é Cruel Viver Assim é uma resposta a essa ideia de que você só fazia comédia?
Na verdade, acredito que o comediante é um requinte da espécie. É uma questão de olhar. A comédia é muito difícil de ser ensinada, ou você sabe, tem o tempo certo, ou não. Entendo o preconceito, mas é também porque poucos fazem, né? O riso possui um poder de transformação muito grande, pois através da empatia é possível modificar o pensamento. Se dermos sorte, mudamos o mundo. A comédia está nesse lugar. Mas, por outro lado, trabalho com tudo. Acabei de fazer Medeia no teatro, que não é nem drama, é uma tragédia! Passando por todas essas categorias, pra mim, enquanto atriz, só me sinto engrandecida. Me completa. Me cura.
(Entrevista feita por telefone na conexão Porto Alegre / Rio de Janeiro em agosto de 2018)
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