Fabrício Bittar foi desde cedo acostumado às câmeras e aos personagens. Como ator, aos 12 anos, teve destaque na novela Mulheres de Areia (1993), trabalho que coroou uma carreira iniciada aos seis anos de idade e que contou com inúmeras peças de publicidade e folhetins televisivos. Antes de chegar aos cinemas com seu primeiro longa-metragem na direção, Como se Tornar o Pior Aluno da Escola (2017), comandou programas de TV (especialmente na MTV) e diversos comerciais. Agora, enquanto o Brasil ainda lida com os efeitos devastadores da Covid-19, ele lança diretamente em âmbito virtual, no dia 04 de junho, pela Synapse Distribution, Como Hackear Seu Chefe (2021), comédia no estilo screenlife, no qual boa parte das interações humanas se dão por meio das onipresentes telas do nosso cotidiano. Conversamos brevemente com Fabrício por telefone para saber as peculiaridades de um processo feito inteiramente num cenário pandêmico. Confira aqui a nossa entrevista exclusiva com Fabrício Bittar.
Salvo engano, é seu primeiro filme pensado diretamente para o streaming. No que esse tipo de produção se difere das imaginadas às salas de cinema?
Para dizer a verdade, não teve tanta diferença. Sou um apaixonado por cinema. Inclusive, durante a pandemia, do que realmente sempre senti falta é de ir aos cinemas. Então, uma pena não ter aquela coisa do cartaz no hall do cinema, sabe? Todo filme nasce da vontade de contar uma história, independentemente do meio. Mas, em nenhum momento parei para pensar que as pessoas assistiriam a esse em casa. Aliás, acho que funcionaria bem na tela grande. Quando assisti ao Buscando… (2018) no cinema foi algo inspirador.
Recentemente, conversamos com o Victor Lamoglia e ele disse que as filmagens foram numa casa, cada cômodo sendo um apartamento. A decisão foi por praticidade ou tinha outro componente aí?
Foi uma mistura de coisas. A casa utilizada foi a da produtora. Desocupei varia salas. Achei muito importante os atores contracenarem o máximo possível. Além disso, tinha feito experiências totalmente remotas com publicidade e depender da internet é algo bastante delicado. Queríamos ter mais controle sobre a direção de arte e os ambientes. Nas cenas maiores, todos os atores atuavam ao mesmo tempo, mas em ambientes diferentes. Algumas foram feitas individualmente. Eu e o montador já tínhamos editado o filme inteiramente antes de rodar. Gravávamos falas, inseríamos fotos. Então, primeiro dirigi a montagem. Fiz uma espécie de animatic para o filme inteiro.
O filme tem um desafio pela restrição espacial, mas a compensa com um dinamismo extraído da nossa experiência com telas (as vezes várias ao mesmo tempo). Houve muita construção disso na pós ou boa parte das inserções estava prevista no roteiro?
Muito pouco foi inserido depois, aliás, quase nada. Estava tudo muito bem programado antes. Esse roteiro é diferente de tudo que já vi, pois tinha muita rubrica. Depois, tentamos incorporar piadas. Todos os e-mails vistos em cena têm algo referente ao filme, por exemplo. Fomos colocando esses detalhes, pois se trata de muita informação. Um trabalho grande de pós-produção foi a revisão de continuidade, algo que um filme normal geralmente não tem.
O quanto os atores tiveram de espaço para improvisos e inserir cacos?
Tiveram espaço total. Não dá para trabalhar com esse elenco e evitar improvisos. Essa foi uma vantagem deles trabalharem juntos. Piadas saíram na hora e fomos incorporando. Ficou bem melhor. Sempre acho que comédia precisa da criação do elenco. Os atores sabem o que fazer. Trabalhamos bastante no roteiro, mas tem esse momento da construção do ator que é fundamental.
A ideia de não situar a trama num contexto de pandemia, dando outro motivo para os personagens ficarem separados, tem a ver com distanciar a plateia da pandemia momentaneamente?
Na verdade, acho que foi um conjunto de coisas. Primeiro, a ideia do filme veio antes da pandemia. Achei Buscando… muito legal, pois ele carrega exatamente o potencial das telas para contar histórias. Passamos boa parte de nossas vidas diante delas. Pensei que o formato renderia comédia, pois não tem nada mais constrangedor do que o que você escreve no computador, em pesquisas, no whatsapp, etc. Esse era o formato perfeito à comédia. E, por incrível que pareça, não existia um filme assim. Quando chegou a pandemia, estava ali o formato ideal. Mas, acredito tanto no formato que não queria um filme de pandemia. Queria algo para ser visto daqui a 10 anos como screenlife, não como algo de pandemia. Queria valorizar um pouco esse formato, que acho que tem muito potencial.
Embora se trate de uma comédia, o filme tem vários indícios de como um pequeno deslize na internet pode significar erros e até mesmo engatilhar dramas…
Acho que a gente precisa fazer coisas muito rapidamente na internet. A diferença é que tudo fica registrado. A internet cria um banco de dados meio assustador. O que sinto, se pegarmos o que acontece com nossos políticos, é que eles dizem que não falaram tal coisa, mas agora temos o registro. A gente está passando por essa transição: um jeito informal de lidar com a internet, mas com a ciência da formalidade inerente ao que fica registrado.
Você acha que será mais frequente, mesmo pós pandemia, termos a interação de personagens por meio de telas no audiovisual?
Tenho certeza disso. Da mesma forma que estamos vendo um boom de podcasts, essa será uma tendência cada vez maior. Já temos aplicativos de histórias contadas como narrativas de whatsapp. Acho que essa nova forma de contar histórias é novamente a ficção emulando a vida. Esse formato do screenlife ainda vai ser muito utilizado.
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