Uma das grandes veteranas dos palcos e também da televisão nacional, Clarisse Abujamra descobriu um pouco tarde uma forte paixão pelo cinema – que, felizmente, tem sido recíproca. Após ganhar o Kikito de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Gramado pelo drama A Coleção Invisível (2012), em que aparecia ao lado do saudoso Walmor Chagas, também premiado pelo mesmo filme, e ganhou sua segunda estatueta – novamente como Coadjuvante – neste ano por Como Nossos Pais (2017), durante o 45º Festival de Gramado. Este filme, aliás, lhe ofereceu a oportunidade de retomar a parceria com a diretora Laís Bodanzky, a mesma de Chega de Saudade (2007), longa que lhe rendeu uma indicação ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – o Oscar da produção nacional. Neste mais recente trabalho, ela interpreta Clarice, mãe da protagonista, Rosa – nome, curiosamente, de uma das suas primeiras personagens da tela grande, em Anjos do Arrabalde (1987), de Carlos Reichenbach. E foi justamente durante sua última passagem pela Serra Gaúcha que a atriz conversou com exclusividade com a gente. Confira!
Olá, Clarisse. Você estava impressionante em A Coleção Invisível, pelo qual ganhou seu primeiro Kikito no Festival de Gramado. E agora esta de volta em Como Nossos Pais, que lhe rendeu mais um troféu. Você, quando vem, é para ganhar?
Nossa (risos)! Isso nunca passou pela minha cabeça. Observar a reação que o Como Nossos Pais tem recebido tem me deixado profundamente emocionada. Tem sido uma incrível surpresa.
É verdade que você assistiu ao Como Nossos Pais pela primeira vez em Gramado?
Exato. Eu não tinha viajado com o filme antes, por causa de outros compromissos. Então não fui a Berlim, a Paris, com o resto da equipe. Em Gramado foi a minha primeira vez, e foi um choque. A reação do público foi maravilhosa. Só tinha ouvido falar, alguém chegava e me dizia “olha, o filme tá muito bonito”, e isso era uma coisa. Agora, ver a reação no rosto de cada um na plateia é algo completamente diferente. Foi muito lindo.
O cinema brasileiro tem dado, nos últimos anos, muita atenção às personagens femininas, com filmes como Flores Raras (2013), Que Horas Ela Volta (2015) e Aquarius (2016). Você acha que Como Nossos Pais se encaixa nessa tendência?
Interessante você reparar nisso. Com certeza, faz todo o sentido, mas não tinha pensado a respeito. E tem tudo a ver, pois não só é um tema fértil, como necessário. Tenho horror a isso de feminismo, não aguento mais. Já estou em outra fase (risos). Penso que agora temos que buscar uma harmonia e partir atrás da descoberta de novos espaços. Mas quando esse assunto é discutido com tanta qualidade, como a Laís (Bodanzky, diretora de Como Nossos Pais) propõe, é um luxo. O problema é que estamos vivendo numa época em que a palavra ‘qualidade’ não existe mais. É um absurdo o que tem sido feito em nosso país, com as artes em geral, é um desrespeito até com o público. Então, quando você tem um filme que trata desse assunto com essa elegância, é tudo de bom.
A tua personagem em Como Nossos Pais é uma mãe que não se submete aos filhos, que foge do estereótipo da ‘Mãe Coragem’, que morre pela família. Ela tem uma nova postura. Como você vê esse exemplo?
Pra dizer a verdade, acho que as pessoas ficaram um pouco nessa questão da força da personagem, e esqueceram que ela não é só aquilo, aquele momento. Ela é uma mulher vivida e sofrida. Passou por um casamento que não deu certo, teve um amante que… nem amante foi, ela mesmo diz, “tive uma trepada com um cara em Cuba”. Ponto. E mesmo assim precisou segurar isso por sei lá quanto tempo. E por mais avançada que ela seja, isso tudo aconteceu em uma outra época, milhões de anos atrás. Então, acho que a força dessa mulher traz junto o preço que as mulheres ainda têm que pagar até hoje, de ter a culpa do mundo nas costas. Por mais forte que ela pareça, ela também se sente culpada. Tem essa filha, que quer defender, mesmo que aos trancos e barrancos, com a personalidade dela. Até porque ser da maneira que ela é não lhe foi fácil.
Você acha que, inevitavelmente, os filhos acabam sendo como nossos pais?
Não acho que sejam exatamente iguais, mas é, como você disse, um processo inevitável de acabarmos nos repetindo em uma coisa ou outra. Minha vó brincava dizendo que “sangue não vira água”. Não é só pelo sangue, tem também a convivência, o exemplo, a favor ou contra. Mas alguma coisa permanece, com certeza.
Clarisse, e por que essa relação tão esporádica com o cinema?
Não sei. Passei, de um tempo pra cá, a adorar fazer cinema. Tenho tido muita sorte de só cair no meu colo personagens incríveis, maravilhosos. Mas não tá na mão da gente, né? No teatro, vou e produzo. Com o cinema não é assim que funciona, tudo é muito mais caro, envolve muito mais gente. Minha energia, agora, está no Como Nosso Pais. O que vai acontecer depois, a gente vê na hora.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2018)
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