Felipe Bond quis fazer um filme para refletir sobre as dificuldades enfrentadas normalmente pelo ator, até porque, justamente, ele faz da atuação um de seus ofícios artísticos e de sobrevivência. Portanto, Felipe sente na pele os problemas encarados por quem deseja seguir esse caminho idealizado por muitos como um espaço de celebridades e glamour. Formado em teatro e direção, o cineasta se valeu dos contatos estabelecidos durante anos de profissão, seja como intérprete, diretor, assistente ou produtor, para arregimentar nomes importantes da área, entre conhecidos e outros nem tão célebres, mas que igualmente são atravessados pelos percalços comuns a quem decide se dedicar à arte num país com poucas políticas públicas voltadas à cultura como, infelizmente, é o Brasil. Na raça, auxiliado por parceiros, transformou o desejo em Como Você Me Vê? (2018), documentário que chega aos cinemas em circuito reduzido, mas propondo uma discussão acerca da realidade da profissão de ator. Felipe nos atendeu gentilmente para esta conversa por telefone, falando de motivações e percursos. Confira o bate-papo exclusivo.
O que te levou a fazer um documentário que reflete sobre a profissão de ator?
Sou ator formado. Saí da minha terra, Curitiba, para fazer teatro no Rio de Janeiro, assim como muitos atores que buscam sobreviver dessa arte e que entendem o Rio como um chamariz, especialmente por conta das emissoras de televisão. Cheguei à cidade e me deparei com as escolas de teatro incríveis que existem por aqui. Fiz todo esse percurso. No Sul, estudava Direito. Transferi para cá e durante um tempo cursei Direito aqui e me dediquei ao curso de teatro em paralelo, isso até ter a certeza de que Direito não seria minha praia. Conheci o Henrique, meu atual sócio, no curso de direção que fiz mais adiante. Foi ele quem chamou minha a atenção a essa rotina de testes, para a ralação que é ser ator. Ele deu a ideia. Pensamos em fazer um curta-metragem. Mas, logo depois das primeiras entrevistas, vimos que tinha de ser um longa. Aí criamos a estrutura, com um cicerone, prólogo e epílogo.
Há uma prevalência da constatação das dificuldades de manter-se na profissão. Isso era um elemento norteador desde o princípio ou se impôs no decorrer das entrevistas?
Foi norteador, pois vivencio isso como ator e passo por essas dificuldades. Já tive de desvirtuar bastante, de trabalhar em loja, em várias funções não agradáveis, pois me sugavam demais e com isso eu não conseguia criar. Para o artista isso é horrível. Queria mostrar ao grande público que a profissão do ator não é feita apenas de glamour, que há bastante dificuldade envolvida. É muita labuta, se leva porrada, uma atrás da outra. Para prosseguir é preciso ter tesão. Quando voltava para Curitiba, logo depois de aparecer em algo de mais destaque midiático, as pessoas ficavam enlouquecidas comigo, me colocando num status longe da realidade. Eu via que elas não percebiam que o glamour é somente resultado de um trabalho específico, mas isso não significa, necessariamente, que eu estava rico ou algo assim (risos). Eu queria botar na telona um pouco dessa realidade.
Como se deu o processo de filmagem? Como foi essa logística, visto que são muitos depoentes?
O processo se deu ao longo de quatro anos. Chegou um momento em que realmente tive de dar uma freada, pois a minha vontade era não parar e filmar todos os atores possíveis (risos). Tivemos dificuldades, claro, mas fomos arregimentando parceiros que ajudaram a viabilizar o filme. Os encontros com atores e atrizes foram facilitados pelo convívio, pois quase todos são meus amigos íntimos, ou gente que admiro e com quem trabalhei. Enfrentei percalços para conseguir uma galera que está mais “estourada na mídia”, por conta de agenda. Tentei Fernanda Montenegro, e em vários momentos ela quase entrou, mas infelizmente não deu. Lázaro Ramos, Wagner Moura, Bibi Ferreira… Muitos outros eu gostaria de ter incluído na conversa, mas, por um motivo ou outro, não rolou. Por mim eu filmaria até hoje (risos).
Outro ponto importante é a multiplicidade da amostragem. Você não fica restrito somente a rostos amplamente conhecidos….
Sem dúvida, havia essa preocupação. Dentro disso de contar as dificuldades do ator, inevitável falar da exposição e da não exposição na mídia. Os famosos passaram por problemas antes de chegar à notoriedade, óbvio, mas era preciso mostrar a galera que se multiplica em outras funções, e que batalha concomitantemente como artista. Minha vontade era achar atores em várias posições, dos com anos de estrada aos que está ainda têm diversas dificuldades. Figuras sensacionais, principalmente Marilia Coelho, atriz, diarista, MC, que está sempre com o sorriso no rosto, e o Carlos Gandra, taxista, mas que rala para caramba como ator. Há a necessidade de sobreviver, de pagar conta. Até o próprio Osmar Prado, nos períodos das vacas magras, recorreu à dublagem.
Há, realmente, uma vontade de expor o bastidor, de mostrar “como se faz”. Nesse sentido, a fala dos atores e atrizes rima com a constatação de que existe uma equipe de filmagem…
Você tirou as palavras da minha boca. Falamos do artista em geral, e a técnica que o envolve faz parte disso. Fazer cinema exige uma equipe. Temos nossos caminhos e dificuldades. Assumi a metalinguagem, pois sou fã dela, meu TCC da faculdade é sobre isso. Percebi, ao longo do tempo, que é uma coisa da qual gosto, tanto que em boa parte dos meus trabalhos há metalinguagem. Isso está muito em voga nos dias de hoje. O público quer ver além do quadro pintado pelo diretor, ele quer testemunhar a galera fazendo. E esse recurso utilizado, inclusive, nos permite prescindir das imagens de arquivo. Isso me deixou muito satisfeito no processo, sobretudo depois de estabelecer a estrutura do filme.
(Entrevista concedida por telefone, direto do Rio de Janeiro, em janeiro de 2018)
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