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Contratempos (2021) é um dos principais destaques do 13º Festival Varilux de Cinema Francês (2022). Vencedor dos prêmios de Melhor Direção (Eric Gravel) e Melhor Atriz (Laure Calamy) na Mostra Horizontes do Festival de Veneza 2021, o longa-metragem tem como protagonista uma mulher de cotidiano frenético. Empregada de um hotel de luxo parisiense, Julie (Laure Calamy) faz de tudo para criar seus dois filhos no campo. Bem quando ela consegue a entrevista para o emprego de seus sonhos, uma greve paralisa o sistema de transporte público. E o que acompanhamos é um constante ir e vir atravessado por toda sorte de dificuldades, a começar pela ausência do ex-marido que não oferece qualquer suporte para a criação dos dois filhos pequenos do antigo casal. Durante a passagem da delegação francesa do Festival Varilux de Cinema Francês pelo Rio de Janeiro, conversamos brevemente com Eric Gravel para saber alguns detalhes a respeito do longa que quase recebeu nota máxima aqui no Papo de Cinema – a crítica completa você pode ler clicando aqui. Então, confira abaixo mais uma entrevista exclusiva com um dos artistas que passaram por aqui para abrilhantar ainda mais o 13º Festival Varilux de Cinema Francês.

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Primeiramente, de onde surgiu essa história? Quais foram as suas inspirações?
Bom, para começar, sou franco-canadense e moro há 22 anos na França. Realizei o sonho de viver no campo, numa casa distante da metrópole. Fiz a escolha de morar fora da capital, mas claro, com a possibilidade de ir a Paris várias vezes por semana. Na época, achei essa escolha meio marginal, diferente, mas logo percebi que muita gente optava por morar um pouco distante da capital, mesmo com os inconvenientes desse constante ir e vir. Como artista, me interessei por essa vida afastada que via sendo pouco retratada no cinema e na televisão. Tive vontade de retratar essa realidade caracterizada por um afastamento dos grandes centros.

No Brasil temos contato com a Laure Calamy especialmente por conta da série Dez por Cento e ela está excelente no filme. Como você a conheceu e, posteriormente, a escolheu?
Foi tudo bem simples, na verdade. Mostrei a Laure o roteiro, ela leu e disse sim (risos). Na verdade, não conheci a Laure por conta do Dez Por Cento, série na qual ela faz um papel mais cômico. A conhecia mais por conta dos papeis dramáticos que ela desempenhou em curtas-metragens ou como coadjuvante em longas dos quais gosto muito.

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Eric e Laure com seus prêmios do Festival de Veneza. Foto/divulgação

E as relações dessa protagonista com os espaços é vital ao filme. Todas elas estavam previstas no roteiro ou as filmagens foram ditando certas coisas?
Desde o roteiro, tentei imprimir esse frenesi, essa intensidade que vemos. Como o filme precisa de um ritmo intenso, precisava manter isso, até porque as cenas não foram rodadas em ordem cronológica, claro, por uma questão de praticidade logística. Então, era necessário que o roteiro já estivesse muito consistente nesse sentido da relação dramática com os espaços. Foi muito importante poder organizar isso tudo previamente para manter as energias. Por exemplo, todas as cenas diante do hotel foram filmadas num mesmo dia. Então, a missão era garantir que mantivéssemos a energia de cada uma delas, pois os fragmentos acontecem em momentos diferentes do filme.

E uma coisa impressionante no filme é que a angústia vivida cotidianamente pela personagem é transferida ao espectador. E me parece que a decupagem é muito importante nesse sentido….
Sim, era fundamental construir a impressão do quão frenética pode ser a jornada cotidiana. Para manter o lado frenético, precisei colar a câmera na personagem para criar a impressão. Mas, era também fundamental manter, dentro da ideia impressionista, o realismo desse dia a dia, dos afazeres e das dificuldades da personagem principal.

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Por fim, o filme tem algo importante relacionado à greve. Alguém de pensamento mais conservador pode criminalizar a greve por atrapalhar a vida da protagonista. Mas, me parece que as paralisações estão ali para sublinhar a precarização da vida do trabalhador. Afinal de contas, é reivindicando que os cotidianos como o da protagonista podem ser menos precários, correto?
A minha ideia é que a greve fosse mesmo uma antagonista, mas no sentido de uma ira que se torna coletiva. Sabia que seria brincar com fogo abordar esse assunto na França, nos dias de hoje, ainda mais sendo estrangeiro – mesmo que eu viva há muito tempo no país. Aliás, talvez seja pela minha origem norte-americana que decidi abordar essas contradições. Felizmente, quando começamos a frequentar festivais de cinema, as pessoas perceberam que o filme encarava as contradições. Nada é tão simples assim e o público francês percebeu isso. E temos uma protagonista que está sendo sucessivamente desclassificada. As greves atualmente nem são para conquistar coisas, mas para que não se perca as conquistas do passado. Todo esse jogo de espelhos, de contradições, era o que mais me interessava.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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