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Curta Taquary 2022 :: “Queremos fortalecer laços e furar bolhas”, afirmam Alexandre Soares e Devyd Santos

Publicado por
Marcelo Müller

Realizar um evento de cinema demanda esforços e muita resistência. A pandemia da Covid-19 obrigou a maior parte dos festivais (os grandes e os pequenos) a se adequarem às lógicas do âmbito online, uma vez que as salas de exibição e outros espaços de convivência precisaram ser fechados durante um longo período de tempo. E o Curta Taquary, sediado em Taquaritinga do Norte, no interior pernambucano, atingiu números expressivos de público online em 2020 (100 mil pessoas) e 2021 (80 mil pessoas). Diante disso, a edição 2022 é a primeira híbrida do evento que chega ao seu 15º ano. Para saber um pouco mais como foi o desafio de preparar pela primeira vez uma programação que acontece em dois ambientes simultaneamente, conversamos com Alexandre Soares e Devyd Santos, coordenadores do Curta Taquary. No bate-papo exclusivo que você confere abaixo, eles fazem um balanço disso e ainda nos antecipam alguns planos à continuidade desse evento que já está consolidado no calendário brasileiro. Sem mais delongas, confira o nosso Papo de Cinema especialíssimo com Alexandre Soares e Devyd Santos.

Que balanço vocês podem fazer da primeira edição híbrida do Curta Taquary?
Devyd:
Está sendo incrível. Fazer esta edição híbrida foi algo importante. Claro que há dois eventos acontecendo simultaneamente. Já estávamos acostumados com o funcionamento online: todos em casa com seus computadores. Havia toda uma atenção voltada para o online, o que nos gerou certa acomodação. Tínhamos muita expectativa para fazer uma edição híbrida, sobretudo para que pudéssemos ocupar os espaços e ter essa participação presencial. Foi algo muito desafiador, pois aprendemos a nos encontrar novamente. Estamos conseguindo. Reduzimos o número de pessoas, observamos todos os cuidados, pois ainda estamos em pandemia, mas está sendo muito prazeroso.

Vocês percebem alguma diferença na visão da comunidade de Taquaritinga do Norte desde que o evento, por conta do online, passou a ter um alcance nacional?
Alexandre:
É muito doido isso de tentar mensurar o impacto. A pandemia afetou todos, foi um vendaval, mexeu com todo mundo. Ela desconfigurou o que entendíamos como realizar um evento e exibir filmes para as pessoas. Nos perguntam por que, para quê e como fazer o formato híbrido. Já tínhamos nos acostumado com o online, então era preciso pensar em como retomar essa lógica de estar juntos. Era preciso estreitar a relação do espectador com a tela grande, gerar encantamento e conscientização. Os debates com alunos e educadores nos dão a noção de que estamos fazendo algo importante do ponto de vista educativo. Isso é maravilhoso. Cumprimos a meta de formar público. Além disso, estão chegando várias mensagens online. Acredito que nunca tínhamos abraçado tanto a comunidade.
Devyd: Ontem teve uma fala muito curiosa de uma aluna. Ela disse: “a gente escuta o que precisa ser feito, aí vem o projeto e faz”. De fato, a gente plantou uma semente. O Curta Taquary proporcionou neste ano uma mobilização que nos faz sentir efetivamente úteis.

Alexandre e Devyd

Fico curioso para saber como os alunos reagiram às propostas da curadoria, especialmente à aproximação entre determinados filmes de temáticas semelhantes. Houve essa consciência?
A:
Há um debate após o término das sessões. Dá para sentir as mensagens chegando aos adolescentes por meio dos filmes que separamos pensando neles. Felizmente, há uma participação muito efetiva do público nesse sentido.
D:
Nos anos anteriores, tínhamos a obrigação de exibir toda a programação. Então, as pessoas iam à sala de cinema e conferiam, em média, 12 filmes. Com o tempo curto e o desgaste natural, era quase impossível ter esse tipo de troca pós-sessão. Com a versão híbrida, disponibilizamos todos os filmes no streaming e temos a liberdade de chegar às sessões presenciais e escolher dois filmes que dialogam. Em alguns dias, a chegada das crianças ao cinema era precedida de atividades paralelas que também tinham a ver com os filmes. Ou seja, era tudo muito “casado”. O diálogo se dava de modo muito mais profundo. Estamos recebendo diversos retornos excepcionais desse público.
A: Além disso, os adolescentes ficam se questionando sobre outras coisas, por exemplo, os motivos de um cinema não estar sendo utilizado. Há uma reflexão sobre isso. Conversamos com as professoras de uma escola local sobre a questão do assédio sexual. Para levar todos a pensar sobre o assunto, montamos uma pequena mostra com três filmes dirigidos por mulheres que abordavam, respectivamente, ditadura, sexualidade e abuso sexual. A sessão foi maravilhosa pela reflexão gerada. Preparamos uma sala bonita, num dia festivo para os adolescentes, a galera compareceu e refletiu a partir dos filmes. As alunas e as professoras vieram comentar com a gente depois sobre a importância desse tipo de atividade. Hoje estamos muito mais conscientes desse nosso papel de difusão.

Por mais que vocês tentem prever tudo no evento, imagino que surjam coisas inesperadas. Houve muita coisa que surpreendeu vocês nesta edição do evento?
D:
O tempo todo, a cada sessão é uma história (risos). Imaginamos, planejamos, mas sempre há surpresas. A primeira sessão no assentamento Normandia foi muito significativa. Fomos para lá exibir pela primeira vez presencialmente um filme que produzimos na última edição, por meio do Doc Lab. Montamos a estrutura e foi bacana demais. Estar lá, viver essa sessão, foi uma coisa totalmente louca. A receptividade, as apresentações locais, tudo foi lindo. Quando um dos filmes acabou, uma representante do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) se levantou e começou a cantar.  São reações espontâneas como essa que nos surpreendem muito.

Partindo dessa primeira edição híbrida, o que vocês projetam aos próximos Curta Taquary?
D:
Não faço a menor ideia (risos).
A:
E quem danado sabe? (risos). Essa história de estabelecer links é uma viagem sem volta. Depois dessa 15ª edição, a ramificação que o evento teve, especialmente chegando às comunidades rurais, foi excelente. Para o futuro, o que pensamos é realmente fortalecer isso do online, pois a partir dele chegamos a uma porrada de pessoas. Queremos fortalecer os laços com as universidades, para que essa turma tenha acesso ao festival. Queremos furar bolhas. O pessoal que já conhece o evento, vai curtir. Mas, quem ainda não conhece, vai receber um conjunto de filmes excelentes. Nós queremos ampliar as experiências.
:: CONFIRA AQUI TUDO SOBRE O 15º CURTA TAQUARY ::

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.