Descendente do povo indígena Mapuche, a chilena Caroline Pavez é a responsável pela curadoria da Mostra Internacional do 17º Curta Taquary. Cineasta, produtora executiva de festivais e outros eventos ligados ao cinema, além de proprietária da Karukinka Films, produtora dedicada à produção e distribuição de obras audiovisuais relacionadas ao mundo indígena e à infância, Caroline fez um recorte muito interessante das produções estrangeiras para as plateias do Curta Taquary. Os filmes por ela escolhidos enfatizam a pluralidade das cosmologias indígenas, alguns fazendo links entre sonhos e realidade. Membro do grupo audiovisual da Província de Magalhães, no Chile, Caroline nos atendeu gentilmente para uma conversa a respeito das dificuldades e gratificações durante o trabalho de curadoria da Mostra Internacional do 17º Curta Taquary. Você confere o resultado deste bate-papo com exclusividade agora, somente aqui no Papo de Cinema.
Quais foram os principais desafios para fazer a curadoria da Mostra Internacional do 17º Curta Taquary?
Principalmente conseguir um material que pudesse falar da temática ambiental, de direitos humanos, da infância e das questões femininas. Uma das grandes barreiras ainda é a língua, o idioma, o que torna a tarefa da pesquisa ainda mais complexa. Nem todo mundo na América Latina consegue traduzir do e para o português, o que afeta a necessidade de legendagem. E esse é um pressuposto poucas vezes considerado no orçamento das produções. Fomos conversando com realizadores e produtores e, em muitos casos, tivemos de desistir de alguns exemplares por conta desse empecilho. Nesse cenário contamos, sobretudo, com duas coisas: 1) a vontade dos realizadores; 2) que eu mesma pudesse revisar e assessorar a tradução, como aconteceu no caso de A Voz de Huito, a produção peruana. Isso era importante, especialmente quando se tratava de uma produção com temática indígena, pois não é apenas traduzir, mas compreender esse universo para ser fiel a ele na legenda. Tanto que no caso dessa produção peruana as três diretoras preferiram que nem tudo fosse legendado, para dar margem a uma compreensão mais livre do espectador. Houve um respeito a essa decisão, claro.
E imagino que como essa houve outras particularidades nesse processo…
Sim, por exemplo, um filme que mostrava crianças indígenas indo à escola. Qual é a melhor maneira de traduzir os detalhes, as especificidades dessa situação pontual das crianças indígenas da Amazônia peruana para serem levadas a uma escola? É um mundo que se abre e você tem de saber compreender, a partir do seu lugar, como traduzir corretamente para o outro. Durante o processo de curadoria para o Curta Taquary é preciso compreender que a maioria do público dos filmes será formada de estudantes. Então, é fundamental pensar como essas histórias chegarão até eles com uma tradução correta que faça jus ao material original.
E o recorte traz duas questões recorrentes: as causas indígenas e os sonhos emancipatórios, muitas vezes com personagens se transformando em animais para atingir a liberdade. Como foi encontrar esses pontos de contato?
O Curta Taquary programa filmes com uma preocupação grande com o meio ambiente, a infância, os direitos humanos e tudo o que entra nesses recortes, inclusive as questões indígenas. Voltando à A Voz de Huito, um exempolo de quase tudo isso, ele é um documento precioso, mas também encontramos coisas muito interessantes no argentino A Pedra Mágica, que igualmente fala de um lugar que guarda esse mistério e essa questão do sonho, de um inframundo bastante citado na cultura Mapuche, utilizando técnicas incríveis para ressaltar a menina protagonista. Temos também a animação Balam, um filme excepcional que fala da cultura Maia por meio de uma menina dependente do celular que finalmente entende a fascinação do pai pelas estrelas e pela cosmovisão Maia. Ele é concorrente num festival em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Aliás, é bom ressaltar: todos os filmes escolhidos estão em circuito de festivais, concorrendo a prêmios mundo afora. Não os vamos encontrar na internet. Os citados são três filmes com culturas indígenas diferentes.
Voltando às dificuldades que você citou no começo, no processo de curadoria. No diálogo com os realizadores, você percebe o Brasil ainda muito à parte do restante da América Latina?
A língua é uma barreira ainda muito grande, mas há também questões de ordem geográfica. Acredito que isso tenha a ver com a falta de estudo no Brasil, seja no ensino fundamental e médio, mas também nas faculdades, de outras propostas latino-americanos. De cara, por estar mais perto, o Brasil tem bem mais informação da Argentina do que de outras nações latinas. Pouco se fala do Peru, do Chile, do México. E isso acaba criando uma sensação de exotismo. Acredito que precisa haver disponibilidade de material latino-americano em escolas e universidades. Progressivamente o Brasil está se abrindo a esses saberes incutidos nas diversas propostas da América Latina. Ademais, o Brasil é um mundo em si mesmo, um país com orçamentos e equipamentos incríveis, então acho que há uma luta interna, pois se não há temo e e nem espaço para dar visibilidade a tudo o que é feito internamente, como se abrir tanto ao que vem de fora?
Como curadora, o que você gostaria que as pessoas sentissem e/ou discutissem após assistir à Mostra Internacional do 17º Curta Taquary?
Sei que as condições técnicas não são as ideais, mesmo que todos trabalhem forte para realizar algo incrível no Curta Taquary. Para mim é importante que as pessoas escutem bem os filmes. Principalmente os estudantes, mas mesmo os adultos, escutarem linguagens diferentes, que não o português e o espanhol. É muito interessante ouvir essa sonoridade nova, então para mim isso é essencial. É importante estar atento aos diálogos que trazem sotaques, sons e outros significados.
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