Como diz na entrevista a seguir, Federico Bondi é um realizador mais acostumado com o documentário do que com a ficção. Dafne (2019) é o seu segundo longa ficcional, mas também seu filme mais elogiado. Focado na relação entre um pai sexagenário e uma filha com Síndrome de Down, isso após o falecimento da mãe e a necessidade subsequente de ambos reconstruírem-se, bem como de reconfigurarem seu vínculo, o realizador italiano fez algo sensível acerca da condição humana e do respeito às singularidades. Vale lembrar que o longa fez parte recentemente da 8 ½ Festa do Cinema Italiano 2019 e que chega nesta quinta-feira, 19, aos cinemas brasileiros pela Pagu Pictures. Federico nos concedeu essa entrevista por e-mail, falando um pouco do seu processo de integração entre Carolina Raspanti (estreante) e Antonio Piovanelli (veterano), os protagonistas de Dafne. Confira mais este Papo de Cinema exclusivo.
Primeiramente, Federico, parabéns pelo filme. Dá para dizer que Dafne é sobre como o afeto quebra as barreiras impostas durante a vida, sejam elas de quais naturezas forem?
Certamente. É exatamente graças ao carinho que a protagonista não se submete à própria condição, mas a acolhe absolutamente. Ela dialoga conosco, se abre aos outros e ao seu trabalho, recursos que definitivamente não podem ser conferidos. Por causa do afeto que a cerca, Dafne vive sua condição com uma serenidade madura.
Como foi a seleção de Carolina, uma presença luminosa em cena?
Encontrei-a na web, quando da apresentação de um de seus livros autobiográficos. Sua história me impressionou bastante. Solicitei a ela amizade no Facebook, mas Carolina rejeitou meu pedido porque não confiava nas mídias sociais…
E como foi o trabalho para tornar orgânica a convivência entre Carolina e Antonio?
Não foi fácil, porque Carolina nunca leu o roteiro, enquanto Antonio o conhecia de cor. Para mim era essencial que ela não atuasse propriamente, mas que agisse quase sem pensar. Eventualmente eu explicava a ela o significado de determinada cena, contando as piadas que ela aprendeu rapidamente. Noutras vezes, preparei as condições para provocar eventos aos quais ele reagiria. Nos dois casos, Antonio foi muito generoso, prestando-se ao “jogo”.
Em Educazzione Affettiva você se voltou ao mundo das crianças, observando de modo documental o universo delas. Essa experiência foi essencial para ampliar seu olhar como ficcionista, especialmente aos detalhes, àquilo que foge ao senso comum?
O documentário me pertence mais do que ficção. Sempre parto do real, mesmo para a minha primeira ficção, Mar Negro (2008), que conta a história de minha avó “transformada” por seu cuidador. A experiência com o Educazzione Affettiva me serviu, acima de tudo, para entender como agir com atores não profissionais. No set de Dafne eu estava constantemente tentando me surpreender com a realidade contingente: sem nunca romper com o roteiro, esperava momentos “reais” e únicos, olhares e “segredos”, coisas que apenas o cinema pode expressar. A força de um detalhe, por exemplo.
Você tinha uma preocupação específica em não estereotipar a protagonista em virtude de sua condição, mas de, nesse processo, manter íntegras as suas singularidades?
Me deixei guiar do ponto de vista da Carolina já no roteiro. Tendo-a como referência, nunca houve dúvidas acerca de como fazê-la se mexer ou falar.
O filme foi muito premiado, tem sido recebido com entusiasmo por onde passa. Em sua opinião, quais os elementos que mais tem atraído as plateias mundo afora?
A universalidade da história, acredito.
(Entrevista realizada por e-mail em setembro de 2019)
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