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Daniel Ribeiro não irá voltar sozinho

Publicado por
Robledo Milani

Daniel Ribeiro papo de cinema 00

Nascido no dia 20 de maio de 1982, o cineasta paulista Daniel Ribeiro estreou no cinema com o pé direito, ao realizar o curta-metragem Café com Leite (2007). A obra, sobre um casal de namorados que precisa cuidar do irmão menor de um deles após a morte inesperada dos pais, ganhou o Urso de Cristal de Melhor Filme no Festival de Berlim, além de ter sido premiado também no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e em outros festivais no Brasil e no exterior. A questão homossexual voltou no seu projeto seguinte, o curta Eu não quero voltar sozinho (2010), premiado no Mix Brasil e no Festival de Paulínia, e está também presente na sua estreia em longas-metragens, o aclamado Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014), que retoma os personagens do curta quase homônimo em uma trama mais ampla e complexa. Como resultado, conquistou os prêmios da Crítica e o Teddy – voltado à produções de temática gay – no Festival de Berlim, além de outros reconhecimentos. E foi durante o lançamento deste mais recente trabalho nos cinemas brasileiros, onde já se encontra em cartaz, que o Papo de Cinema conseguiu conversar com exclusividade com o diretor, que falou sobre seu cinema e inspirações. Confira!

 

Como surgiu a inspiração para o curta Eu não quero voltar sozinho e para o longa Hoje Eu Quero Voltar Sozinho?
Tudo começou com a questão da cegueira, da identidade visual, e da minha vontade de contar com um protagonista cego. O quão interessante seria ter esse personagem que nunca tivesse visto um homem ou uma mulher, e mesmo assim se apaixonasse por um outro garoto. Mas, além da questão sexual, ou homossexual, meu interesse estava na construção do querer e de como somos orientados na elaboração dos nossos desejos. Fiquei pensando quando foi a primeira vez em que me senti atraído por alguém, por um outro corpo, e todas as minhas memórias nesse sentido eram visuais. Conversei com amigos, conhecidos, e todos tinham experiências semelhantes. Por isso a dúvida: como isso se daria com um cego? O que lhe despertaria o desejo pela primeira vez?

Pré-estreia de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho no Brasil

Por que essa mudança no título, entre o curta e o longa, que apesar de semelhantes são também opostos?
Isso veio da evolução da história, dos personagens e até minha mesmo, enquanto realizador. O curta nasceu quase como um pedido, era um “fica comigo”, aquele adolescente que se sentia sozinho naquele desejo que desconhecia solicitando a companhia de alguém pela primeira vez. Com o longa a proposta era outra, apesar de estarmos no mesmo universo. Estamos falando, agora, de jovens com outros anseios, outras descobertas. O título provisório, enquanto estávamos filmando, era Todas as Coisas Mais Simples, que gosto muito e tem a ver com essa questão de prestar atenção nos pequenos detalhes, em como os gestos mais simples podem fazer toda a diferença, como oferecer o braço para alguém chegar em casa. Mas, à medida em que o filme foi ficando pronto e tomando forma, veio também essa necessidade de relacionar os dois, encontrar um título que promovesse essa ligação.

 

Mas se antes o Leo buscava companhia, ele agora quer ficar sozinho?
Não é uma questão de solidão, e sim de independência. Esse garoto está numa busca muito pessoal, está se tornando um homem. Quer fazer intercâmbio, viajar, ficar longe da superproteção da mãe ou da amiga. Quer ter suas próprias histórias, errar e seguir em frente. E nesse processo está o seu autodescobrimento, a formação de sua identidade e a atração que começa a sentir pelo novo colega, o Gabriel. Tudo faz parte. E com o título atual temos também a possibilidade de uma brincadeira com o curta, o público faz a ligação de imediato. Era algo interessante, que gera uma visibilidade maior, e que fazia sentido dentro do que estávamos buscando.

Bastidores de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

Por que, ao transformar o curta em longa, decidiu-se por fazer uma adaptação da mesma história, ao invés de dar continuidade aos eventos mostrados antes, como numa sequência?
Muita gente não viu o curta, não haveria uma ligação tão óbvia. E o que me interessava no processo era a descoberta, esse garoto cego que está percebendo que ele é de verdade, o que gosta e como é o mundo ao seu redor. O Felizes Para Sempre nunca é tão interessante, é a parte mais chata das histórias, pois cai na mesmice. Quis evitar isso, meu olhar estava no processo de como chegar lá, e não no que acontecia uma vez que o cenário estava estabelecido. O curta era muito direto, eles se encontravam e ele tinha a resposta que queria. O filme possibilita mostrar esse caminho com mais detalhes, cuidados e desdobramentos. O drama que viria depois não seria tão interessante, acredito.

 

Como foi trabalhar com o mesmo elenco, porém em idades diferentes?
Foi muito bom, um grande prazer. Todo mundo já se conhecia melhor, era uma grande família. Mas nem por isso deixamos de ensaiar, passamos muito tempo juntos até chegarmos ao ponto que queria para as filmagens. Estamos todos mais velhos, com mais experiência, os garotos estão conhecendo melhor seus personagens, a química entre eles está muito clara. Era fundamental manter isso a todo custo, pois essa é a força do filme. E todos os atores estavam muito disponíveis para a nossa história, dispostos ao que fosse preciso, interessados no processo e em descobrir o que poderia acontecer entre eles. Foi tudo novo, de novo, entende? Construímos juntos, a ideia podia estar no papel, mas o resultado é coletivo. Era um roteiro novo, e o desafio foi fazer uma história que as pessoas já conheciam ser diferente, surpreendente. Estávamos em busca de um frescor que pode ser visto na tela.

Première no Festival de Berlim

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho teve uma ótima recepção no Festival de Berlim. Como foi a passagem por lá?
Nossa, foi incrível. Acabamos de chegar do Festival de Guadalajara, onde fomos premiados também, e é sempre muito legal. Claro que, quando somos convidados para um festival, nem pensamos em vitória, só o fato de estarmos lá já é uma conquista, então tudo o que vem depois é surpreendente. O filme tem se comunicado muito bem com as pessoas de todas as idades, origens e experiências. É uma história sobre jovens, mas falamos com todo mundo, questões como o primeiro beijo são universais, quem nunca passou por isso? O primeiro amor, esse sentimento que nos remete à adolescência e esse período de descobertas. As pessoas tem vindo falar conosco emocionadas, e este é o melhor retorno possível.

 

Você já imaginava que tinha em mãos uma história que poderia ser tão bem aceita?
A gente sempre torce por nossos filhos, não é mesmo? Acredito muito no Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, esse é exatamente o filme que queria fazer. Mas não dá pra ficar esperando por premiações, tenho sempre medo de ficar com muita expectativa e depois me decepcionar. O prêmio, quando vem, é lucro, é um presente que guardamos com carinho, mas não podemos viver em torno deles. Quando vamos ao primeiro festival nunca dá pra saber ao certo o que irá acontecer, porque ninguém viu o filme ainda, e você está tão envolvido que não possui distanciamento crítico suficiente para avaliar. Então, o que aconteceu em Berlim foi mágico, muito emocionante, mas ainda assim inesperado.

Ao lado dos protagonistas, no set de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

A temática homossexual, principalmente entre jovens, é pouco explorada no cinema nacional. Por quê?
Os personagens gays, nos últimos vinte anos, tem sido desenvolvidos com mais frequência, estão mais presentes no audiovisual, mas faz parte de um processo. Estamos descobrindo, ainda, e estes personagens vão aparecendo aos poucos, de forma cada vez mais natural. Creio que agora é um momento legal para falar sobre isso, os jovens estão mais abertos a esse assunto. Ainda é um tabu em muitos meios, é claro, mas está acontecendo e não tem como ignorar. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho fala também sobre preconceito, o direito de ir e vir, e são tantos elementos que possibilitam o debate que acabamos nos esquecendo do básico…

 

Que seria o que, exatamente?
Além da questão gay, das deficiências, do bullying, estamos falando de jovens. São pessoas em formação, ainda inocentes, puros, verdadeiros. É preciso voltar às origens, perceber que o assunto em questão é o amor, o afeto. Não se trata de um filme pesado, polêmico nem nada. É muito mais simples. Voltar a conversar sobre as pequenas coisas, que são comuns a todo mundo, é o que procuro. Tanto para gays quanto para héteros. Acho que é por isso que o filme se comunica tão bem com qualquer tipo de espectador.

Daniel Ribeiro (ao centro) no set de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

O que você acredita que o público irá encontrar em Hoje Eu Quero Voltar Sozinho?
Isso não dá pra prever, pois cada um tem sua própria experiência ao entrar em uma sala de cinema. Mas torço que as pessoas recebam o filme de braços abertos e se deixem levar por essa história, com bastante sensibilidade e emoção. O cinema brasileiro, principalmente, tem tido muita dificuldade para alcançar um público maior, então esperamos que as pessoas simplesmente descubram nosso filme. É muito bacana acompanhar quem já assistiu sair empolgado das sessões, querendo conversar, partilhar suas ideias e histórias. Acho que ninguém vai sair sozinho desse filme (risos).

(Entrevista feita por telefone direto de São Paulo no dia 10 de abril de 2014)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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