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Paulista da capital, Sara Antunes deu seus passos iniciais na tela grande há menos de uma década, mas vem conquistando espaços cada vez mais significativos. Após ter participado de uma série de curtas-metragens exibidos em diversos festivais no Brasil e no exterior, foi convidada a participar do drama Se Deus Vier Que Venha Armado (2014), trabalho esse que lhe rendeu mais uma importante parceria – foi quando conheceu o ator Vinícius de Oliveira, com quem viria a se casar e hoje os dois são pais de duas crianças. Depois veio Teobaldo Morto, Romeu Exilado (2015), exibido na Mostra de Tiradentes, e, agora, o drama Deslembro, cuja première mundial foi no Festival de Veneza do ano passado. Depois de ser premiado em Biarritz, na França, e de ser eleito o melhor filme pelo júri popular e também pelo júri da crítica no Festival do Rio, o longa dirigido pela cineasta Flavia Castro chega agora aos cinemas de todo o país. Aproveitando a oportunidade, fomos conversar com a atriz que vive uma mulher dividida entre a França e o Brasil no período de redemocratização do nosso país, após a Ditadura Militar. Confira!

 

Olá, Sara. Como surgiu o convite para participar de Deslembro?
Havia esse requisito na seleção do elenco: a Flavia Castro, nossa diretora, estava procurando por atores que falassem francês e português. Quando soube disso, como falo razoavelmente bem as duas línguas (risos), entrei em contato com a produção e tive o primeiro encontro com a diretora. Depois dessa conversa inicial, escrevi pra ela dizendo que tinha gostado muito do que havíamos discutido e o quanto estava empolgada com a oportunidade de trabalharmos juntas. Já tínhamos tido um contato, anos antes, só que ela não sabia, ou não lembrava. Então, creio que não foi por acaso que nos reencontramos. Além disso, foi numa época em que estava mexendo com a história do meu pai, que passou por um processo semelhante ao vivido no filme. Por tudo isso, posso dizer que foi um encontro muito rico. Começou pela língua, mas tinham mais coisas que afirmavam nossa proximidade: a relação com a ditadura, a experiência do exílio, a França. Foi quase uma herança que ganhei. Uma herança positiva. Falamos também, claro, de tudo de negativo que essas histórias nos trouxeram, dessa luta, da tortura. Mas tem muita coisa boa, que fortificou quem somos hoje. Ganhei um presente da Flavia, a oportunidade de poder dar vazão a tudo isso através da arte.

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Fale um pouco sobre a sua personagem. O que a move?
A Ana é uma guerrilheira. A Flavia falava muito pra não me fixar no imaginário da guerrilheira a que estamos acostumados. A mãe dela era ligada à luta armada, não sei se você sabe. E mesmo assim ela criou uma família, cuidava dos filhos, tinha uma realidade à parte. Então, era para buscarmos o modelo da uma mãe comum, que faz almoço, que luta pela família. Vem somar a um outro conceito, sem romantizar. As diferenças estão nas escolhas que fazemos. Também sou mãe, peguei muito da minha própria experiência. Essa coisa da dificuldade da fala, de se colocar no lugar do outro. Traz um pouco do Brasil, essa resistência de verbalizar que enfrentamos. Precisamos dessa juventude, dessa Joana – a minha filha na trama – dessa vontade de conhecer, de mergulhar na nossa história. A Ana é um baú que, pra continuar vivendo, teve que engolir muita coisa, mas quando se deixa ser aberta, traz muito à tona.

 

Essa mãe não está muito presente em cena. Como foi criar uma figura importante para a ação, mas com tão pouco em mãos?
Ela aparece pouco, é fato, mas quando surge, é em cenas muito fortes. Com toda a família é assim. Foi muito orgânico o processo, mergulhamos juntos, foi como começou nosso trabalho e também como ele se desenvolveu. Fizemos uma preparação, antes das filmagens, e passamos dois dias juntos, no apartamento, tomando decisões em conjunto, como uma família de verdade. Depois, quando fomos ao set, tudo era mais natural. Em termos de construção da personagem, não queria nada muito forte, impositivo. A Jeanne Boudier, que faz a Joana, e os meninos, que interpretam os irmãos, tinham tanta naturalidade, que qualquer coisa muito forçada acabaria por soar falso. Tinha que perseguir o mesmo tom, aquela sinceridade. Eles deram aquela ajuda pra gente. O ator tem isso de criar, de sempre querer colocar a mais, mas aqui foi ao contrário.

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Jeanne Boudier, Hugo Abranches e Sara Antunes em cena de Deslembro

Você já conhecida o trabalho da diretora Flavia Castro? Como foi ser dirigida por ela?
Pois então, a gente já havia se cruzado algumas vezes, mas nada comparado ao que vivemos agora. Admiro muito o Diário de uma Busca (2010), o longa anterior dela. O que descobri foi que, ao conhecê-la de perto, ela é ainda mais incrível. Tem muitas coisas da vida dela que são expostas nestes dois filmes, mas mesmo assim é dotada de uma generosidade, de uma segurança impressionante de também deixar a gente contar as nossas histórias. Das nossas personalidades vazarem para o filme. Foi muito lindo esse processo, e rico também, pela forma como faz as escolhas dela. Nunca é de uma maneira objetiva, fria. Os critérios têm sempre a ver com a sensibilidade dela, é muito intuitivo. Percebemos que está atenta às coisas que não são palpáveis. Acreditar em tudo isso é muito importante, e ela faz de maneira brilhante.

 

Queria que você falasse um pouco sobre a relação com a Joana, interpretada pela Jeanne Boudier. Como vocês criaram essa relação?
Acho que foi de maneira muito natural. Saímos nós duas, fomos tomar um café, ainda antes das filmagens, e aproveitamos para conversar bastante. Mas não sobre o filme ou as nossas personagens, mas sobre quem somos, as nossas experiências e expectativas. Aprendemos a confiar uma na outra, como colegas e como pessoas. Uma coisa bonita, que também nos aproximou, foi a questão das línguas. A mãe e a filha sempre falam línguas diferentes, e no filme isso é literal. A dificuldade da comunicação entre elas é explícita. Por outro lado, as vozes das duas, quando finalmente se entendem, ficam quase parecidas. É muito bonito, as mulheres tendo que se unir e entender o que aconteceu nas vidas delas, e descobrir que é o mesmo percurso, só os momentos é que são distintos.

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Sara Antunes

Deslembro estreou no Festival de Veneza, foi premiado em Biarritz e no Rio de Janeiro. Como tem sido acompanhar essa recepção?
Tem sido um processo muito lindo. Tem um lado da beleza imensa que isso tem nos presenteado, só pela oportunidade de termos chegado a tantos lugares. Ao mesmo tempo, vem esse desgosto imenso com o que esta acontecendo ao Brasil. Quando fizemos o filme, a situação era muito diferente. Hoje temos que lidar com um presidente que exalta a ditadura? É assustador. O filme vai ganhando uma atualidade, pois estamos atravessando um momento de luta muito necessário. Deslembro nasce com uma urgência, embora não tenha sido pensado para isso. Serve para que as pessoas que forem vê-lo vivam um pouco o que aconteceu. Independente dos partidos, é preciso humanizar. As pessoas estão tão cegas, é preciso resgatar o lado humano. O filme chega num momento fundamental, é um alento.

(Entrevista feita na conexão Porto Alegre / São Paulo em junho de 2019)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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