Em 2022, o DOCSP chega à sua oitava edição. Estamos falando de “um encontro internacional de documentário com atividades de capacitação, mercado e exibição. Um espaço para fomentar a reflexão sobre as novas narrativas do cinema documental e criar pontes com o mercado”, conforme consta no site oficial desta iniciativa essencial parta ponderar as especificidades e as potências de um dos suportes cinematográficos mais pujantes de todos. Pensando estritamente no Brasil, desde a virada do milênio o documentário tem se firmado como um caminho fértil para a expressão dos nossos artistas, inclusive para quebrar determinados preconceitos e concepções ultrapassadas. Fato é que eventos como o DOCSP auxiliam nesse processo de difusão, formação e informação tão essencial à continuidade e ao fortalecimento de uma cadeia. Curiosos que somos a respeito das engrenagens de uma programação com essa magnitude, que em 2022 será híbrida (presencial e online) de 30 de outubro a 11 de novembro, conversamos com Luis González Zaffaroni, diretor artístico e fundador do DOCSP. Empreendedor cultural de vasta e reconhecida carreira internacional, ele falou um pouco sobre os desafios de organizar atividades híbridas, o que ele imagina do futuro do documentário no Brasil, inclusive como forma de ampliar a nossa representação cinematográfica no âmbito internacional, entre outras coisas. Confira este Papo de Cinema exclusivo.
Quais os principais desafios para pensar o DOCSP 2022, especialmente nessa realidade quase pós-pandêmica em que o público ainda vacila entre o online e o presencial?
Num cenário pós-pandêmico e também pós-eleições (risos), é bom enfatizar. A pandemia foi um grande desafio para a humanidade, em todos os aspectos, mas obrigou um aprofundamento nesse território online. Nesse sentido, tivemos um aprendizado enorme que levamos para o futuro. Tivemos de migrar nossas atividades tradicionalmente presenciais ao âmbito online. A volta ao presencial impõe também seus desafios. Depois desse aprendizado, há uma necessidade de manter uma parcela remota, pois ela dá uma possibilidade de melhorar o acesso, o alcance e de otimizar recursos para fazer mais coisas bacanas acontecerem. Pessoas com impeditivos geográficos e logísticos para estarem em São Paulo agora podem fazer parte do evento. Mas, um dos maiores desafios desse momento é conciliar o remoto e o retorno ao que era antes da pandemia. Esse formato híbrido é um desafio enorme, pois trabalhamos paralelamente em dois universos. Além do mais, precisamos recuperar os músculos dessa produção presencial.
E muitos se acostumaram tanto ao online que rechaçam um pouco voltar ao presencial, não é?
Em relação às pessoas, existe um desejo de interação presencial, de reencontro, dessas trocas in loco. Precisamos ponderar que o online carrega em sua essência certa informalidade. Apareço ou não? Câmera ligada ou desligada? Isso até mesmo quanto aos nossos convidados. É normal termos certas mudanças de programação, especialmente se algum convidado tem um imprevisto de última hora. Mas com o online isso acabou se repetindo com muitas pessoas (risos). No DOCSP, em particular, existia esse desejo de retomar os encontros. Estamos fazendo uma parcela presencial menor do que fazíamos no passado, mantendo atividades online e essas convivências distintas. Pensando que trabalhamos com o desenvolvimento de projetos, com a criatividade alheia, com as motivações, a volta do presencial é fundamental, pois contribuir para o foco dos trabalhos, mas até mesmo para a construção das relações.
Imagino que até para a organização interna da equipe o online tenha agregado algo…
Sim, sem dúvida. A equipe do DOCSP tem pessoas no Pernambuco, na Bahia, no Rio de Janeiro, no interior de São Paulo. E antes essa diversidade geográfica era impossível. Retomando um pouco o que estávamos falando. Recentemente tive a oportunidade de acompanhar a pré-estreia do filme Amazônia, a Nova Minamata (2022), na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, cujo projeto participou do DOCSP. Fui lindo estar numa sala cheia para conferir o resultado desse trabalho.
Como você vê o panorama atual dos documentários?
Nem sempre a palavra documentário é precisa para representar um tipo de cinema. Estamos falando do território atualmente mais criativo do cinema, quanto à exploração da linguagem e dos sentidos. Esses filmes fazem uma reconstrução subjetiva da realidade, então existe uma parte no terreno da ficção. Mas, há certos pactos com o outro, com a realidade e com os tempos. Há várias camadas de interpretação dentro de uma postura ética e estética diferente da ficção clássica. Há a consciência de que alguém filma, portanto é o que se representa, mas também a relação com quem está olhando. Esse pacto único traz outras camadas. Dentro desse universo que vai às telonas, temos vários elementos diferentes. Não é um componente primordial da ficção esse vínculo entre quem filma e quem é filmado, mas é algo essencial à dramaturgia do documentário contemporâneo. Gosto muito da frase de uma amiga minha, a Marta Andreu, produtora e consultora. Ela diz: “a diferença entre documentário e ficção é: no documentário, quando chove você se molha”. Num senso amplo, gosto muito da poesia dessa definição. No fim das contas, é alguém utilizando a linguagem cinematográfica para tentar expressar alguma coisa. Nessa fronteira entre ficção e documentário…aliás, até a forma como nomeamos atrapalha. Talvez nem devêssemos chamar dessa forma.
E o DOCSP vaio aprofundar a discussão sobre esses trânsitos?
Sim, por exemplo, teremos um seminário com o Luiz Bolognesi, artista com grande trajetória no cinema de ficção, como roteirista, e que fez esse movimento ao cinema documental de criação e autoral. Aliás, o Luiz Bolognesi participou do laboratório de escrita do DOCSP com o primeiro esboço do que viria a ser o Ex-Pajé (2018). Essa convivência entre cineastas experientes e alguns de menor estrada é rico. A comunidade do documentário, talvez por não ter tanto glamour, é mais sensível ao contato com a realidade e oas problemas de produção. Isso leva a diálogos e cumplicidades na construção dos filmes. Há uma abertura maior à diversidade, ao acolhimento e à colaboração. Existe uma curiosidade sobre o outro, sobre o ser humano. Aliás, sempre tentamos lançar um olhar sobre outras funções menos celebradas da cadeia cinematográfica. Neste ano teremos uma atenção especial aos pesquisadores.
Figuras essenciais nos mais diversos tipos de documentário…
Aliás, no DOCSP será apresentada publicamente uma associação nova de pesquisadores do Brasil. Atualmente, esse ofício da pesquisa está sendo cada vez demandado, tanto na construção dos documentários quanto nas mesas de roteiro de ficções, séries e longas-metragens ficcionais.
Quais as principais expectativas de vocês com o DOCSP 2022?
Com a parcela online, queremos novamente atingir um público de todo o Brasil. Na plataforma Bombozila teremos uma excelente oferta de documentários, de filmes que serão vistos aqui pela primeira vez, alguns que ainda estão circulando por festivais. Essa possibilidade de acesso e troca remota é super importante para a gente. No geral, o DOCSP é um espaço que pensa o cinema documental, ponderando caminhos para esses projetos e carreiras profissionais encontrarem as suas viabilidades. As rodadas de negócio online permitem a participação de diversas pessoas do continente americano. Temos a curiosidade de encontrar novamente as pessoas, algumas pela primeira vez. No histórico do DOCSP, temos mais de 5000 participantes e mais de 1500 projetos recebidos. Neste ano foram mais de 270 projetos submetidos. O desafio é trazer um conteúdo que contribua para o desenvolvimento da carreira dos profissionais e estabelecer pontes com o mercado, assim gerando um acesso cada vez mais amplo a essa área.