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Doidas e Santas :: Entrevista exclusiva com Paulo Thiago

Publicado por
Marcelo Müller

Mineiro de nascimento, mas radicado no Rio de Janeiro desde muito jovem, o experiente diretor Paulo Thiago sabe muito bem como pode ser traiçoeiro o nosso circuito comercial. Afinal de contas, seus primeiros curtas-metragens são dos anos 60, ou seja, ele passou por diversos momentos turbulentos da nossa produção. Agora, ele volta ao circuito com Doidas e Santas (2016), baseado no best-seller homônimo da escritora gaúcha Martha Medeiros. Como sua protagonista, escalou Maria Paula, famosa por ser uma das integrantes do Casseta & Planeta nos tempos áureos do humorístico, que aceitou o desafio de interpretar Beatriz, mulher bem-sucedida profissionalmente, mas que necessita de uma guinada na esfera pessoal. Conversamos com Paulo Thiago logo após a exibição para imprensa do filme. Demonstrando muita satisfação e orgulho pelo resultado, ele contou sobre a experiência de levar às telas uma trama tão feminina e, de quebra, falou a respeito do cenário atual da comédia cinematográfica no Brasil. Confira.

 

Paulo, o que te levou a dirigir Doidas e Santas?
Primeiro de tudo, a experiência de fazer uma comédia. Senti um desafio, aquela coisa de dizer “poxa, já fiz drama, filmes políticos, históricos, sociais, mas nunca uma comédia”. Policarpo Quaresma: Herói do Brasil (1998) é uma farsa, que é diferente de comédia. Foi um desafio. Esse projeto meio que caiu na minha mão por acaso. A produtora queria realizar, havia grande interesse pelo livro de sucesso. Existia até a possibilidade do meu filho Pedro Antônio (o mesmo de Tô Ryca!, 2015, e Um Tio Quase Perfeito, 2017) dirigir. Mas ele teve uns contratempos e não pode. Aí me ofereceram a possibilidade e pensei que seria uma boa experiência. Foi maravilhosa, na verdade. O drama é sério, você chora, se pensa muito no drama, é um exercício bem racional. Com a comédia não, você sente e tem que fazer rir. Antes de tudo, o diretor tem de achar engraçado, pois senão ninguém vai, não é? Então essa foi a motivação básica, além do fato de eu ser leitor das crônicas da Martha Medeiros. Acho-a uma cronista suave, interessante, moderna, contemporânea, que aborda as relações entre homens e mulheres, a arte, a vida.

Dirigindo Maria Paula e Thiago Fragoso

Como você avalia o atual cenário da comédia cinematográfica brasileira?
Muito fixada no stand up. Elas estão voltadas para os grandes comediantes que, em geral, conseguem êxitos extraordinários, como é o caso do Paulo Gustavo, que puxa o público. Qualquer coisa que ele faça na tela o público logo vai cair na gargalhada. Mas é uma comédia muito ligada ao stand up. Gosto mais das que contem histórias. Nessa linha, podemos pensar desde os exemplares italianos dos anos 60, por exemplo, os filmes maravilhosos do Mario Monicelli, às norte-americanas já clássicas, tais como Uma Linda Mulher (1990) e Um Lugar Chamado Notting Hill (1999). Então, minha praia é a da comédia que tem histórias para contar, que aborde coisas profundas. Doidas e Santas foi a chance que tive de criar algo assim. Falta isso no cinema brasileiro, É um tipo de filme que o público gosta, vide a nossa tradição com Oscarito, Grande Otelo, Ankito, Zezé Macedo, pessoas geniais que criaram o mito da comédia brasileira. Hoje em dia isso é levado adiante por Leandro Hassum, Ingrid Guimarães, Paulo Gustavo, entre outros. Os vejo como herdeiros dos grandes cômicos do cinema brasileiro. Atualmente a crítica escreve livros e mais livros sobre a chanchada, ela virou cult, é exibida no Canal Brasil com uma coisa cult. Ensaios são escritos sobre a chanchada. Hoje, Oscarito e Grande Otelo são mitos da crítica cinematográfica.

 

Houve uma releitura desse movimento…
Releitura total, assim como vai haver em relação a esses comediantes de agora. Não tenha dúvida alguma de que o Paulo Gustavo vai ser cult daqui a 20 ou 30 anos, até menos, uns 10 ou 15 anos. Vão falar “aquele cara genial que fez Minha Mãe é uma Peça (2013)”. Nosso cinema tem duas grandes tradições: o humor e o filme social. Acredito ser muito positivo continuarmos com essa dualidade. Faltava o cinema de natureza social, mais político, que renasceu com toda força. Filmes espetaculares com Aquarius (2017), que entram em festivais. Ao mesmo tempo, temos esse sucesso enorme da comédia. Um longa de arte ser sucesso popular é impossível, assim como querer que uma comédia de costumes, como é o caso de Doidas e Santas, tenha o mesmo sucesso que um filme calcado num stand up de grande comediante, é pedir demais. São coisas diferentes, de gêneros, tendências e naturezas diferentes.

 

Doidas e Santas se junta a outros filmes brasileiros recentes centrados nas mulheres. Como foi trabalhar o viés feminino da sua abordagem?
Todo homem tem um lado feminino, não é? É necessário propulsionar a parte feminina e descobrir a porção “doidas e santas” que todos temos. Na minha cabeça foi muito por aí. A mulher agora é o grande tema do cinema. Elas são as profissionais excepcionais, executivas, tivemos uma Presidente mulher, elas são as maiores figuras da vida brasileira. Recentemente saiu na imprensa uma matéria sobre duas escritoras brilhantes, a Emily Dickinson, poetisa norte-americana, e a Clarice Lispector, falando da força da literatura delas. Duas mulheres complexas. Quis fazer muito fazer um filme sobre mulheres. Apesar de que já tratei temas femininos no Vagas para Moças de Fino Trato (1993), baseado na peça do Alcione Araújo. Foi uma experiência fantástica que tive com Norma Bengell, Lucélia Santos e Maria Zilda. O filme viajou pelo mundo, fez muito sucesso. Foi uma experiência maravilhosa.

Com Thiago Fragoso e Nicette Bruno

Por que o Doidas e Santas está estreando somente (está pronto desde 2015) e qual a sua expectativa em relação à recepção do público?
Eu trabalhei com um distribuidor norte-americano, Walter Manley, que vendeu o Jorge: Um Brasileiro (1988) para o mundo inteiro, e ele dizia uma frase que nunca vou esquecer: “Its a gamble”. Ou seja, o sucesso de público é uma aposta, pois é imprevisível. Primeiro, porque depende de fatores externos, da data de lançamento, do número de cópias, da publicidade, do grau de exposição, entre outros. Segundo, o filme possui seu caminho, vai se encontrando. Hoje em dia há outras mídias como a Netflix, o Now, V.O.D., as obras circulam mais. O Telecine é coprodutor de Doidas e Santas, então ele vai ser exibido na TV e há a possibilidade de atingir um público monstruoso. Atualmente o resultado não se mede apenas pelo desempenho nas salas de exibição. Sobre o atraso no lançamento, ele se deu por razões até hoje meio inexplicáveis para mim. A distribuidora Imagem Filmes decidiu lançar de acordo com o cronograma dela, achando melhor demorar um pouquinho para estrear na data certa. Agora estamos aí, com lançamento muito bom, mais de 150 cópias no Brasil inteiro. Recebi a informação  maravilhosa de que há exibidores pedindo o filme. Estou confiante, vamos ver. Checaremos depois da primeira semana (risos).

(Entrevista concedida ao vivo no Rio de Janeiro em agosto de 2017)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.