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Foto - Carlos Mossmann
Foto – Carlos Mossmann

Estreante no cinema com a aguardada cinebiografia Elis, Hugo Prata é quase um veterano da música e da televisão. Diretor de programas premiados como Castelo Rá-Tim-Bum, foi realizador também de mais de sessenta videoclipes, shows e DVDs musicais de artistas como Skank, Ivete Sangalo, Lenine, Zelia Duncan, Os Mutantes, Capital Inicial, Pato Fu, Titãs, Maria Rita e Djavan, entre tantos outros. Por isso, a ideia de levar a vida de Elis Regina para a tela grande não chegou a lhe soar muito estranha. Após a primeira exibição do longa, durante a mostra competitiva do 44° Festival de Gramado, o diretor conversou com exclusividade com o Papo de Cinema, revelando todo o esforço para transformar esse projeto em longa-metragem, sua relação com a artista e como foi a escolha do elenco. Confira!

 

 

Você comentou agora que Elis ficou pronto há dez dias. Como foi isso, se inscreveram no Festival de Gramado antes mesmo da finalização?
O festival permite a todos nós inscrever uma versão off-line, antes de estar finalizado. A montagem já estava pronta, a trilha, mas não estava 100% terminado. A versão que os curadores assistiram é a mesma exibida para os espectadores do festival, não foi alterado nada. O que houve foi algo em correção de cor, som, alguns acabamentos apenas.

 

Se o filme já foi escolhido mesmo não estando 100% pronto, isso já é um bom indicativo de sua força, não?
Fico muito feliz que tenham captado isso. Não conheço todos da curadoria, mas só em saber que o Rubens Ewald Filho está lá já me deixa muito grato, pois é um cara que entende muito de cinema, com muita informação e referências, e se mesmo assim nos escolheu, após ter visto centenas de outros candidatos, é muito gratificante. Poderia dizer que a versão que eles assistiram é 95% fiel a que está agora finalizada.

 

Elis Regina é uma das figuras mais carismáticas e polêmicas da vida cultural brasileira do último século. Mas como ela foi entrar na tua vida, a ponto de tu te dedicar a fazer um filme sobre ela?
A Elis entrou na minha vida ainda no berço, graças a Deus. Devo isso aos meus pais, que viveram muito essa efervescência. Minha mãe, italiana, sempre foi apaixonada por música, e meus pais viveram essa época dos festivais e tudo isso muito fortemente. Foi no mesmo momento em que eu e minhas irmãs estávamos nascendo, e desde pequeno ouvíamos tudo isso. Outro dia, eu estava mexendo em coisas antigas na casa deles, e achei a coleção de discos de vinil deles. Não tive dúvida, roubei – mas avisei (risos) – e coloquei também o toca-discos embaixo do braço e levei pra minha casa. Fiquei fuçando e ouvindo, e é incrível a riqueza musical nossa. Meus pais ouviam Tamba Trio, Zimbo Trio, Elis, Milton, Gal, Bethânia, Ivan Lins… sem querer, encontrei a discografia da minha infância. No meio disso tudo, estava, lógico, o diamante Elis. Minha mãe a ouvia muito, e por isso, pra mim, foi possível entender sua força gramática desde muito pequeno.

Coletiva de Imprensa do filme Elis - Foto Cleiton Thiele
Coletiva de Imprensa do filme Elis – Foto Cleiton Thiele

 

Cinebiografias musicais são um subgênero bastante recorrente no cinema brasileiro. Por que essa demora para se produzir um longa sobre Elis Regina?
Eu atribuo isso à sorte. Privilégio divino, mesmo. Quando tive essa ideia, procurei primeiro os três filhos, achando que talvez tivesse algum complicador, porém eles, de imediato, me autorizaram. “Que ótimo, ninguém melhor do que você pra contar essa história”, foi o que me disseram, e isso porque já conheciam o meu trabalho. E ainda perguntei se não teria uma fila de gente querendo fazer o mesmo, e o que me responderam é que ninguém antes havia aparecido com um projeto tão concreto e bem estruturado como o nosso. Outros já quiseram e até já tinham obtido a autorização deles, porém nada havia avançado. E foi muito fácil, bastou eu pedir para eles concordarem, numa confiança cega, respeitosa, o que nos permitir ir adiante e superar todos os obstáculos que estão no caminho de se fazer um filme, hoje, no Brasil. Foi mágico, não tivemos qualquer dificuldade.

 

Há quanto tempo existe esse projeto?
Quatro anos e meio.

 

Teve alguma relação com a peça Elis, A Musical?
Não, pelo contrário. Nós começamos nossos trabalhos antes do musical existir. A gente já estava trabalhando no projeto quando eles levaram a história deles aos palcos. Mas naquela época estávamos recém desenvolvendo o roteiro, a captação de recursos sempre é muito lenta, difícil, e mexemos muito na trama até a deixarmos no formato que estávamos buscando.

 

Como chegaram ao nome da Andréia Horta para ser a protagonista?
Mais uma vez a sorte me ajudou. Eu conhecia o trabalho da Andréia e adorava, desde o Alice (2008-2010). Mas ela me procurou antes mesmo de eu ter tempo de ir atrás dela. Ela ficou sabendo do filme, correu atrás do projeto pela relação que ela também já mantinha com a Elis Regina de longa data, quase de infância, o que foi muito sorte minha. De cara, quando a vi, sabia que ia dar o maior pedal. A partir de então só aumentei o relacionamento com ela, fomos conversando, ela leu todo o roteiro, um dia não ia mais conseguir participar por causa de outros compromissos, mas daí logo em seguida tudo mudou e ela voltou. Era dela, ninguém poderia roubar dela esse papel.

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Com a equipe de Elis na premiére em Gramado – Foto Cleiton Thiele

 

Existem dois exemplos clássicos para cinebiografia. Um caminho é ser mais abrangente, indo do início ao fim da vida do personagem, como em Tim Maia (2014), e outro é partir de um momento específico para traçar um painel sobre sua relevância histórica, como foi em Trinta (2014). Como foi definir qual seria a estrutura a ser desenvolvida em Elis?
Foi a parte mais difícil. Era preciso tomar um posicionamento, e sabíamos que seria impossível abraçar tudo. Tinha listado várias ideias, primeiro só sobre Elis e Tom, ou então só sobre ela e o Ronaldo, ou seja, tinham várias anotações sobre como abordar sua trajetória. Foi quando resolvemos que usaríamos esse arco da ditadura, pois ela chegou no Rio no dia do golpe militar e levaríamos, portanto, o filme até O Bêbado e a Equilibrista, que é depois de tudo que ela passou, virando o hino da anistia. De cara, a gente nem ia até a morte. Mas estudando dramaturgia e a personagem, refletindo com meus colaboradores, chegamos à conclusão que tínhamos que ir até o final, pois sua partida mexeu muito com o Brasil. Foi uma morte muito emblemática. Acho que ela morreu de cansaço, de fragilidade, de tudo que tinha que carregar, de todos os pesos, da fama, dos homens, do machismo do mercado de trabalho, enfim. Ninguém ficaria satisfeito se a gente não fosse até lá.

 

Muitos nomes que foram importantes na vida de Elis Regina acabaram ficando de fora do filme. Como foi fazer essa seleção?
Outra parte muito difícil. Foi muito complicado decidir quem entraria ou não na história dela. Rita Lee, Milton Nascimento, o próprio Tom Jobim. Mas a gente tem que fazer esse tipo de opção na hora de escrever um roteiro. Só devem entrar cenas que levem a história para frente. Não adianta ficar fazendo homenagens, ainda que essas sejam uma tentação, pois a toda hora havia um evento incrível que merecia ser retratado. Mas se não levava a trama adiante, tinha que ficar de lado. É uma questão bem técnica mesmo, de dramaturgia. E isso se deu tanto com as músicas como com os personagens. Adoraria ter tido a Rita, por exemplo, pois eram grandes amigas, comadres até. Elas nem se conheciam quando a Elis foi visitá-la na prisão, mostrar solidariedade, e acabaram ficando muito próximas. Mas não consegui acomodá-la no roteiro, ela e tantos outros.

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Foto Cleiton Thiele

 

Por isso a opção de se apoiar apenas nos homens mais próximos da vida dela?
Sim, foi uma opção artística, solitária do diretor, e em alguns momentos precisamos agir assim. Fiquei tentando traduzir o arco dramático dela, porque havia chegado ao fim da vida de modo tão fragilizado, acho que tinha um papel importante a relação com o pai, com o Ronaldo, era um mundo machista, quis por um holofote em cima disso, e foi uma opção minha, sim. Tem uma frase emblemática, no meio dessa intenção, em que o Henfil dizia “quem matou Elis fomos nós, os homens”. Achei muito emblemática. Eu tava em desespero, sem saber como encerrar o filme, quando tive a ideia super simples de colocar a reação da notícia da morte dela na cara daqueles personagens. Podia ter colocado manchetes de jornais, ou o arquivo de imagens da época com a comoção toda, chegamos a passar por essas soluções, mas quis concentrar naquelas caras que passaram essa 1h50min de filme com ela, vendo a dor neles, os homens de Elis chorando por ela.

 

Depois de Gramado, Elis já tem data de estreia nos cinemas, como estão organizando esse lançamento?
Já tem data de estreia, sim, dia 24 de novembro estaremos nos cinemas. Será um lançamento nacional, estamos agora mesmo finalizando pôster e trailer, tá tudo bastante corrido, mas muito empolgante.

 

 

(Entrevista feita ao vivo em Gramado em 28 de agosto de 2016)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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