Nascido em Johanesburgo, na África do Sul, há 33 anos, Taron Lexton ainda criança se mudou, com sua família, para os Estados Unidos, e desde cedo demonstrou apreço pelo mundo do audiovisual. Aos 19 anos, se tornou a pessoa mais jovem a se formar na Escola de Cinema de Los Angeles. Em seguida, dirigiu o curta United (2005), premiado no Festival de Cinema Independente de Nova Iorque e qualificado ao Oscar 2006. Seu curta seguinte, Struck (2007), passou por mais de 50 festivais ao redor do mundo, inclusive Cannes, na França. Diretor, roteirista, fotógrafo e produtor, já trabalhou na televisão e na publicidade, além do cinema. E agora estreia no formato longa com o drama romântico Em Busca de Fellini (2017), que tem como principal nome do elenco a atriz Maria Bello. A história de uma garota que vive sob a guarda protetora da mãe e parte para descobrir uma nova vida tem uma forte ligação, como o título já adiante, com o mundo do cinema. E foi sobre esse conto de descobertas, paixões e tristezas que o cineasta conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Olá, Taron. Para começar, como um cineasta sul-africano acabou envolvido em uma produção norte-americana estrelada por uma atriz russa e filmada na Itália?
(risos) Esta é uma pergunta fantástica! E escrito por uma garota de Ohio (a roteirista Nancy Cartwright, que também atua no filme). Falando sério, este é um ponto importante, porque mostra o quão internacional é essa produção. Felizmente, aconteceu de todos nós estarmos em Los Angeles ao mesmo tempo. Ksenia Solo (a protagonista) estava filmando sua série de TV (Turn, 2015-2017) na Costa Leste, mas aconteceu dela estar na cidade naquela mesma época, para um outro filme, e por isso conseguiu se reunir conosco. Foi essa coincidência, de estarmos todos apaixonados pelo mesmo projeto, e, por acaso, nos encontrarmos no mesmo ponto do planeta.
Qual é a sua relação com Federico Fellini? Acredita que se tornou mais próximo da obra dele após a realização deste filme?
Eu já era fã dele, é claro. Conhecia pouco, no entanto. Havia visto alguns filmes durante a faculdade, mas nada muito profundo. Mais ou menos como qualquer outra pessoa. Sabia que ele havia sido um grande cineasta, é claro. Agora, por causa desse filme, tive a oportunidade de realizar um verdadeiro mergulho na obra dele. Uma das primeiras coisas que decidi é que teria que assistir a cada um dos filmes de sua filmografia. Não bastava mais saber quem ele havia sido, precisava conhecer, também, tudo que havia feito. E isso fez de mim um verdadeiro admirador do seu trabalho.
Você e Ksenia Solo, assim como o filme, foram premiados no Festival de Ferrara, na Itália. Como você tem percebido a reação do público por onde Em Busca de Fellini tem sido exibido?
Nós temos sido abençoados, porque as reações tem sido as mais calorosas possíveis. As duas melhores coisas nesse processo é, primeiro, que os fãs de Fellini tem adorado o filme. Quem sabe quem foi Fellini e está familiarizado com seu trabalho, realmente ama o que fizemos. E as pessoas que não o conhecem, também tem aprovado. Lembro quando levei minha mãe para assistir ao filme. Confesso que fiquei um pouco preocupado, pois sabia que ela nunca havia ouvido falar do Fellini. Mas, após a sessão, ela me agradeceu por ter feito um filme que conseguiu apreciar. Então, acho que atingimos o melhor destes dois mundos, e isso tem me deixado muito feliz.
Mas a mãe e a tia da protagonista, interpretadas por Maria Bello e Mary Lynn Rajskub, parecem não ter o mesmo fascínio pela obra do Fellini. Por que você achou importante mostrar também esse desconforto?
Acho que isso faz parte da mensagem do filme, que é sobre uma jornada que não requer, necessariamente, uma familiaridade com a obra do Fellini. Era importante para nós que alguns dos personagens ficassem de fora deste mundo. Obviamente, com a Lucy completamente imersa nesse universo. Assim, conseguiríamos permanecer conectados com estes dois tipos de público.
Elas parecem gostar mais de Frank Capra. E você, gosta mais de Capra ou de Fellini?
Oh, essa é uma pergunta impossível de ser feita. Como maçãs e laranjas. No filme, Capra representa melhor o ponto de vista da Claire, essa mãe superprotetora. Ela realmente acredita que este é um mundo maravilhoso (It’s a Wonderful Life, filme de Frank Capra que no Brasil se chama A Felicidade não se Compra, 1946). Mesmo que esteja morrendo, e seu mundo virado de cabeça para baixo, segue fingindo para sua filha que está tudo bem. Este é um sacrifício que muitos pais enfrentam. Afinal, a partir de qual ponto você deve permitir que a feiura e as maldades do mundo apareçam? É claro que quer proteger sua filha, e é aí que acaba se perdendo. É por isso, portanto, que Lucy acaba tendo que seguir sozinha e ir descobrir o mundo por conta própria.
Em Busca de Fellini é composto por diversas referências, algumas bem evidentes, sobre a obra de Fellini. Como foi decidir o que entraria ou não no filme?
Bom, Fellini realizou 24 filmes. É muita coisa. Como decidi assistir, logo no começo, a todos os filmes dele, acabei, após isso, com mais de 50 páginas de anotações sobre o que havia visto. Histórias, personagens, cenas, elementos, temas… tudo que havia chamado a minha atenção. Então, tinha um material muito rico em mãos. E foi incrível, para nós, esconder estes easter eggs durante o filme. Tinham centenas que coisas que poderiam ser citadas. Algumas mais óbvias, outras bem sutis.
Você disse que foi prazeroso, quase uma brincadeira, para vocês. O público tem respondido à altura destas referências?
E o que temos percebido é que não existe um público muito grande familiarizado com a obra do Fellini. A maioria só assistiu ao 8 ½ (1963), A Doce Vida (1960) ou ao A Estrada da Vida (1954). A própria Nancy, antes de escrever o roteiro, só havia visto o A Estrada da Vida! Então, a gente precisava dessas referências mais evidentes, para que essas pessoas pudessem reconhecê-las, mas também combinadas com outras mais discretas e profundas, que apenas os conhecedores de verdade identificarão. Como, por exemplo, o fato de Claire mentir para sua filha. Fellini se orgulhava de ser um grande mentiroso! Obviamente, para ele, isso não era algo ruim, e sim um meio de criar novas realidades. Criar uma ilusão a respeito da vida. Algo que considerava essencial para o seu jeito de ver as coisas. Ele também tinha uma verdadeira fascinação pelas mulheres, pelo amor e pelo sexo, todo esse contexto de relacionamentos, e tentamos incluir estes temas no decorrer da nossa história. Outras eram apenas brincadeiras, como o casal Sylvia e Robert, que ela encontra em uma festa e que saíram diretamente de A Doce Vida.
O que você acha que o cinema de Federico Fellini tem a ensinar aos cinéfilos e aos cineastas de hoje?
O que espero é que cada um tire sua própria mensagem do nosso filme. Não queremos ditar uma única verdade. Se tem algo que é preciso aprender com Fellini, é que cada pessoa tem seu ponto de vida e vive no seu mundo particular. Os significados dos filmes dele eram, em sua maioria, oblíquos. Intencionalmente ambíguos. Ele queria que você ficasse pensando no que ele estava querendo dizer. Então, sem ser muito misterioso, era importante estarmos abertos a estes conceitos e permitir que cada um tire suas próprias conclusões. E o que tem nos deixado muito feliz é perceber que, ao final do filme, as pessoas parecem ter ficado satisfeitas com o que viram, mas, ao mesmo tempo, um pouco inseguras sobre o que foi exatamente que aconteceu. Tenho percebido muitos debates a respeito do que exatamente teria acontecido com Lucy.
Você acha que hoje em dia um cineasta como Federico Fellini faria o mesmo sucesso?
Acho que sim. Porém, com novas tecnologias. Uma coisa que tentamos fazer foi capturar o espírito das coisas que ele fez, lá nos anos 1950 e 1960, porém usando técnicas modernas de realização, tanto na luz, na fotografia e em outros aspectos. Deixar o filme com um visual atraente, com o qual as pessoas pudessem se conectar. Afinal, as coisas que ele fazia era, para aquela época, muito inovadoras. Por isso penso que, se estivesse vivo e atuante hoje, estaria acompanhando e ligado a estas novidades. Afinal, é o mesmo mundo, porém bem diferente.
Em Busca de Fellini é, acima de tudo, uma história de amor. Há ainda espaço para romance no mundo em que vivemos?
Com certeza. Sou um grande fã do cinema romântico. Admiro o cinema tradicional. O que sinto é que agora estamos vivendo o pós-digital, e pode ser que aconteça uma revitalização do romantismo no cinema. As pessoas amam fórmulas escapistas, querem imaginar um mundo um pouco melhor do que ele é, de fato. E um dos trabalhos dos cineastas é criar essas possibilidades, vislumbrar estes mundos ligeiramente idealizados, e trazer essa beleza à luz. As pessoas buscam por isso, e espero que o nosso filme represente um passo nessa direção.
(Entrevista feita por Skype na conexão Los Angeles/Porto Alegre em dezembro de 2017)
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