Tendo à disposição um vasto e rico material de arquivo, o cineasta Fernando Weller expõe a controversa presença de jovens norte-americanos no território nordestino nos anos 60. O programa Voluntários da Paz fazia parte da política externa do então presidente estadunidense John Kennedy, embora houvesse um contraste entre as aspirações oficiais e a motivação dos participantes que conviveram com os locais, estabelecendo laços. Mas o que interessa à abordagem de Fernando é a questão histórica, a influência estrangeira que ainda se faz presente no nosso país, atualmente de maneiras completamente diferentes, mas como uma espécie de herança das iniciativas de outrora. Em Nome da América toca em questões como a Guerra do Vietnã, a Ditadura Civil-militar e a infiltração da CIA na América Latina. Fernando nos atendeu para este bate-papo por telefone, minutos antes de um evento no Rio de Janeiro em que apresentaria o filme e o discutiria com espectadores logo depois. Confira o Papo de Cinema exclusivo no qual, inclusive, ele conta uma história inusitada envolvendo Steven Spielberg.
Como você se interessou por essa fatia da intervenção norte-americana no Brasil?
Cheguei a essa história através de outra, bastante curiosa, aliás. Estava perseguindo um boato de que o Steven Spielberg teria vivido clandestinamente em Afogados da Ingazeira, cidade sertaneja, distante oito horas do Recife, para fugir da Guerra do Vietnã. Foi durante a pesquisa que conheci o projeto Voluntários da Paz e essa presença norte-americana na região. Comecei, então, a me aprofundar no contexto e recorri posteriormente aos documentos. Sobre a história do Spielberg, acabei investigando e fazendo outro filme, que talvez eu lance como média-metragem, ou mesmo como extra do DVD deste. Acabei realizando dois ao mesmo tempo.
E o garimpo desse vasto material de arquivo que você costura narrativamente?
Uma das grandes ironias desse filme é que ele não existiria sem os arquivos norte-americanos. É extremamente difícil trabalhar com esse tipo de material no Brasil. Quando temos à disposição poucos arquivos, acabamos restritos na montagem, geralmente utilizando-os como ilustração. Como consegui muitos, tive a possibilidade de explorar outras relações de montagem. Não sei se, algum dia, terei novamente essa fartura (risos). Nos Estados Unidos, eles são muito menos burocráticos com relação à consulta e bem mais dispostos a dar acesso do que aqui. No Brasil é quase como se fosse um favor que o Estado nos faz. A lógica lá é totalmente inversa. Tive mais dificuldade com alguns exemplares que, inclusive, foram caros, especialmente para conseguir cópias em boa qualidade. Mas o grosso de tudo o que foi utilizado saiu de arquivos públicos.
Você visivelmente foge à simplificação nos reencontros, fazendo desse expediente um gatilho para ambientar aquilo historicamente, valorizando mais o passado, correto?
Isso acontece realmente, porque o filme é menos sobre as relações pessoais, e mais acerca de uma contradição, exatamente essa presença dos jovens voluntários num contexto de Guerra Fria. Não queria explorar a vida pessoal deles, a saudade, os laços, essas coisas. Minha intenção era demonstrar uma espécie de dissenso entre a vontade deles e a instrumentalização de suas ações pelo governo estadunidense. Não teria muito espaço ali para abordar essa dimensão da afetividade.
Qual foi a maior dificuldade no processo de Em Nome da América, como um todo?
A grande dificuldade de todo documentário é que você precisa de muito tempo e material. Chega um momento na pesquisa em que as coisas não aparecem por acaso, pois tudo é uma questão de imersão. Para fazer com que certos elementos apareçam, você precisa de bastante tempo e paciência. O mais difícil é lidar com a vontade de terminar de uma vez, de fazer outras coisas, de largar o filme. É muito sofrido viver cinco anos em torno da mesma história, isso além do tempo gasto em montagem e pós-produção.
O encontro final, com o Tim Hogen, foi essencialmente tenso, como transparece no corte final?
Tentei, por meio da montagem, mostrar um pouco do que foi a real tensão daquele momento. Soube do Tim tardiamente, não na fase da pesquisa, mas enquanto filmava. Eu já tinha voltado ao Brasil e aquele voluntário que o menciona, na cena do trem, disse que tinha o contato. Pedi para ele intermediar essa aproximação, avisando que mencionaríamos a CIA, o boato de espionagem. Tim disse que poderíamos ir, sem problema. Tive, então, de voltar aos Estados Unidos exclusivamente para isso. Todavia, ele ficou surpreso quando batemos em sua porta, do tipo “vocês vieram, mesmo?”. Nos disse para voltar noutro dia, mas argumentei que não era possível e isso gerou tensão. Mas, depois, no decorrer da conversa, ele ficou um doce.
Aquele plano, focado rapidamente na imagem de Lula e Dilma, é uma coisa do tipo “os estadunidenses estão fazendo isso novamente, e não percebemos”?
Eu não diria que o plano expresse isso, embora concorde com a ideia. O que o filme demonstra é que existe uma atuação muito capilar da inteligência norte-americana de intervenção em governos locais. Não tenho porque achar que os processos políticos em curso no Brasil, desde 2013, antes do golpe, prescindam de uma atuação estadunidense. Você se lembra do escândalo de espionagem dos e-mails da Dilma? Pois é. O cartaz dela com o Lula tenta, talvez, transportar essa percepção de que há continuidade nessa política. No fundo, o legado disso tudo foi a manutenção da presença estrangeira. A imagem do cartaz é melancólica. Ele está ali, rasgado, misturado ao da mulher pelada. Aquilo é uma lembrança de um sonho, de certa maneira.
(Entrevista concedida por telefone, diretamente do Rio de Janeiro, em abril de 2018)