Frances O’Connor é um nome estabelecido no cinema mundial. Com uma carreira que começou no início dos anos 1990, trabalhou ao longo dos anos com alguns dos mais respeitados cineastas da época, como Steven Spielberg e Richard Donner, entre tantos outros. Entre cinema e televisão, possui cerca de cinquenta créditos desde participações especiais até disputadas protagonistas. Indicada ao Globo de Ouro e premiada nos festivais de Montreal (Canadá) e Ashland (EUA), entre tantos outros, já foi consagrada em sua terra natal, pois possui três estatuetas do Círculo de Críticos da Austrália, um troféu de Melhor Atriz no Australian Film Institute e uma indicação na Academia Australiana de Cinema e Televisão. Pois foi do outro lado do planeta, direto da Austrália, que a artista conversou com exclusividade com o Papo de Cinema sobre o seu mais recente desafio: a estreia como cineasta e roteirista com o drama de época Emily (2022), atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros. Esbanjando simpatia, a agora diretora falou sobre sua relação com a obra das irmãs Brontë, o que aprendeu com os realizadores com quem já trabalhou e ainda revelou os filmes brasileiros que mais admira. Confira!
Olá, Frances. Prazer falar com você. O que a motivou a estrear na direção com Emily?
Em primeiro lugar, atuar nos bastidores, assumindo a direção de um filme, soou quase como um passo natural para mim, como se fosse a próxima coisa a ser feita. Realmente amo meu trabalho como atriz, mas de um tempo para cá comecei a sentir como se faltasse algo, como se representar não fosse mais suficiente. Foi quando percebi que queria contar as minhas próprias histórias. A minha vida inteira admirei o trabalho de Emily Brontë e sua jornada de vida, ela tem uma importância grande para mim. Sempre a vi como alguém muito autêntica, até mesmo um pouco diferente das demais garotas do seu tempo. Ou seja, tinha uma voz bastante original. Foi por isso que cheguei a conclusão de que havia, nela, uma história pedindo para ser contada.
E por qual motivo você escolheu Emily dentre as três irmãs Brontë?
Acho que foi, mesmo, por essa conexão que sempre senti por ela em particular. Das três, foi a que me despertava mais curiosidade. Claro, amo de paixão todos os livros das irmãs Brontë, mas O Morro dos Ventos Uivantes sempre falou alto ao meu coração. Lembro de quando o li pela primeira vez, devia ter em torno dos 15 anos, e o quanto fiquei impressionada com aquele amor tão avassalador entre os personagens. São figuras hipnotizantes, rebeldes, selvagens em suas lutas contra as autoridades. Também gosto muito da poesia que escreveu. Além disso, há um mistério ao redor dela, mais do que em relação às outras irmãs Brontë. Ela se manteve escondida, de certo modo, mais do que as outras. Havia uma narrativa interessante a respeito, e por isso essa vontade de me debruçar sobre sua vida. Não queria, de forma alguma, fazer uma biografia tradicional sobre as três irmãs. Toda vez que pensava nisso, me vinha à mente algo chato e tedioso. Agora, observar suas existências através das lentes de Emily Brontë me estimulava. E, com isso, o espectador também recebe uma ideia não apenas dela, mas a respeito de Charlotte e Anne.
Na sua carreira como atriz, você trabalhou com alguns dos mais renomados cineastas dos nossos tempos. Quais lições acredita ter aprendido com eles ao passar para trás das câmeras?
Bom, posso dizer que tudo. Tipo, até onde colocar a câmera (risos), sabe? Sempre que estava num set, gostava de ficar observando como cada um se portava dentro daquele ecossistema, as diferentes funções, as responsabilidades compartilhadas. Ao longo dos anos, foi ficando cada vez mais interessante esse processo. Quando você está filmando com alguém como Steven Spielberg, a chance de aprendizado é enorme. Ele deixa claro como quer que aquele filme seja. A imaginação dele parece não ter limites. Outra coisa que aprendi com ele é a importância de desenvolver um relacionamento com a audiência. Está sempre pensando em como o espectador irá se portar, quais as possíveis reações da plateia. Fiz isso nesse filme, penso eu. Sempre tentando me antecipar quanto ao que o público poderia pensar, quais seriam os sentimentos a respeito de cada um dos movimentos em cena. Como poderia tornar essa história interessante aos que a estivessem assistindo? Outra coisa é a importância de se ter uma boa atmosfera durante as filmagens. Você precisa criar as condições para que aquele seja um ambiente criativo, que gere oportunidades a todos se expressarem. Precisa ser um lugar seguro. Isso é muito importante.
Sendo também atriz, imagino que tenha tido uma preocupação especial com o elenco de Emily. Como você chegou a esses nomes?
São atores incríveis, não acha? Meio que descobri a Emma Mackey ao acaso. Quem a chamou para um teste foi a minha diretora de elenco, e quando ela chegou estava toda vestida de vermelho. A impressão foi imediata, fiquei atordoada com a presença dela. Fez apenas uma cena e foi o suficiente para que eu olhasse para a minha assistente e apenas precisamos sorrir uma para a outra, pois o sentimento era mútuo: “encontramos a nossa protagonista”. Tivemos muita sorte. Com o Fionn Whitehead foi diferente, já o conhecia e vinha observando os trabalhos dele há algum tempo. Adoro o que fez em Dunkirk (2017), e o episódio dele de Black Mirror, Bandersnatch (2018), é incrível. Ele tem uma energia que era perfeita para o Branwell. Por outro lado, Oliver Jackson-Cohen chegou até nós já no fim do processo de seleção do elenco, meio que de última hora. Emma Mackey foi uma grande defensora do nome dele, pois já o conhecia e os dois queriam trabalhar juntos. Foi uma aposta, portanto, que acabou dando certo, pois foi perfeito.
Houve alguma atenção especial no trabalho com os atores?
Tivemos duas semanas de ensaios com o elenco principal antes do início das filmagens. Mas era um processo muito livre. Por exemplo, costumávamos dançar pela manhã, até para, aos poucos, ir descobrindo o que cada um de nós gostava de fazer para se divertir. Fizemos exercícios de improvisação, muitas dinâmicas em grupo. Tínhamos um cronograma específico para esses encontros. Assim, lentamente íamos deixando de ser colegas de trabalho e nos tornamos amigos de verdade. Penso que esse tipo de relação acaba sendo percebida na tela, tornando o resultado ainda mais mágico. A conexão entre todos nós era real, assim como entre os personagens do filme.
Como você teria reagido caso, há alguns anos, alguém a tivesse convidado para estrelar como protagonista de um filme chamado Emily?
Como protagonista? Uau! Teria sido incrível. Bem, as pessoas costumam me dizer que, pelos personagens que interpretei ao longo da minha carreira, principalmente aqueles mais aplaudidos, que “não consigo imaginar mais ninguém nesse papel”. Se tornou algo recorrente, que ouvi com frequência. E realmente penso que esse é o caso de Emma Mackey, por mais que tenha sido eu que escrevi o roteiro. Tem algo que ela trouxe ao filme que a tornou única, transcendeu ao que havia no papel. Tanto é que não consigo imaginar mais ninguém como Emily Brontë (risos). Ela o tornou dela, de um jeito ou de outro.
Imagino que o processo de escrita da história tenha lhe exigido bastante.
Tem algo no trabalho do escritor bastante solitário mas, ao mesmo tempo, imensamente divertido. Afinal, você tem a oportunidade de viver, nem que seja na sua própria cabeça, todos os personagens. Então, é o que torna tudo ainda mais mágico e pessoal, de uma maneira que a atuação nunca permitiu.
Emily está indicado em várias categorias do British Independent Film Awards, e você foi premiada no Festival de Estocolmo. Qual a importância desse tipo de reconhecimento?
É ótimo. Mas, no final das contas, o que realmente importa é que esse tipo de exposição aumenta as chances de que mais pessoas venham a assistir ao seu filme. Então, qualquer reconhecimento que a gente obtenha é como um selo de aprovação para o público, para que a nossa audiência aumente e mais gente se interesse pelo nosso trabalho. Fiz esse filme pensando nas mulheres mais jovens, que estão começando suas caminhadas pela vida, ainda tentando descobrir quem são de verdade. Então, qualquer tipo de atenção recebida ajuda. E independe se for na tela do cinema ou em alguma plataforma de streaming. O que importa é que descubram o que você fez e compartilhem com o mundo. Afinal, o filme fala por si só. E não apenas com as mulheres. Por mais que tenham sido pensado para elas, tenho recebido um retorno incrível também por parte dos homens.
Conhece o Brasil? Já esteve por aqui, a trabalho ou visitando?
Você acredita que nunca estive no Brasil? E a maior das vergonhas: minha irmã chegou a viver aí durante alguns anos, mas nunca tive a oportunidade de ir visitá-la. O marido dela é geólogo, e passaram por uma temporada em terras brasileiras a trabalho. Isso foi antes da pandemia, e a única desculpa que posso dar é que, inicialmente, os planos deles eram de permanecer no Brasil por alguns anos, mas algo mudou e se viram obrigados a retornar antes do previsto. Com isso, acabei perdendo a chance (risos). Mas me falou coisas incríveis a respeito do país, quero um dia fazer um giro por aí.
E cinema brasileiro, o que você conhece?
Sim, conheço alguma coisa. Como é mesmo o nome daquele, de alguns anos atrás, que foi bastante comentado… Cidade alguma coisa? Cidade de Deus (2002)? Esse mesmo! Nossa, lembro que ter ficado muito impressionada, é um filme que gostei demais. Tem outros também, como Central do Brasil (1998), que é brilhante.
Como imagina que será a reação do público brasileiro ao filme Emily?
Bom, o que sei é que vocês são um povo apaixonado. Muito inteligentes. Portanto, espero que gostem (risos). Há uma coisa interessante a respeito desse processo de colocar o seu filme no mundo. As exibições acontecem nos lugares mais diferentes, e por mais inesperado que possa ser, algumas reações são bastante similares. Por exemplo, há algumas semanas estive em uma sessão em Dubai, e uma garota iraniana chegou até mim depois e me disse: “muito obrigado por esse filme, senti como se fosse comigo essa história”. É bonito descobrir como um filme pode transmitir as mesmas sensações para públicos e em lugares tão diferentes. Estou curiosa para ver como as coisas se darão no Brasil.
(Entrevista feita via zoom, em dezembro de 2022, entre Brasil e Austrália)
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