A partir do dia 25 de janeiro de 2018, a filmografia completa em longa-metragem do diretor Toni Venturi será lançada pela O2 Play em VoD (Video On Demand) nas principais plataformas brasileiras – iTunes, Google Play e Now. É a primeira vez que os filmes do cineasta estarão disponíveis no formato. Na ativa há mais de vinte anos, Venturi já foi premiado nos festivais de Brasília, Cuiabá, Recife, Miami e pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte. De O Velho: A História de Luiz Carlos Prestes (1997) até A Comédia Divina (2017), ele já se aventurou pelo documentário e pela comédia, passando pelo drama, romance até thriller político. Motivados por esse importante reconhecimento, nós fomos conversar com o cineasta, que falou como surgiu essa ideia de resgate, lembrou dos seus trabalhos favoritos e até adiantou alguns detalhes sobre seu próximo projeto. Confira!
Olá, Toni. Como surgiu essa oportunidade de relançar toda a tua filmografia, agora no formato vídeo on demand?
Eu recebi um convite muito simpático do Paulo Morelli, que é o CEO da O2 Play, de lançar em VOD o conjunto da minha obra. Os filmes que fiz são muito usados como instrumento paradidático. Cada longa é de um gênero, e trazem questões muito diferentes. O Velho, por exemplo, como documentário histórico, é visto em escolas de ensino médio para se discutir os movimentos do século XX. Já o Dia de Festa (2006) é usado nas faculdades de arquitetura. O Vocacional: Uma Aventura Humana (2011) é um motivacional para professores e também tem seu público. E o Cabra-Cega (2004), por trazer esse ambiente, esse clima vivido nos anos de chumbo, ganha um destaque ainda maior. Todos eles possuem um uso recorrente e muito grande pela sociedade. Ou seja, há um mercado significativo. Por isso, fiquei muito feliz com essa ideia. E alinhamos esse lançamento com a chegada de A Comédia Divina, que é o meu mais recente trabalho, também no dia 25 de janeiro. Meus oito longas no mesmo dia! Sem falar que nesse dia é também aniversário de São Paulo, uma data que me deixa muito feliz.
Esse lançamento é composto pelos teus sete longas, entre títulos de ficção e documentários. Como foi o trabalho de adaptação para esse novo formato?
Foi algo mais ou menos tranquilo. E isso porque sempre cuidei das minhas matrizes. Mesmos os filmes da década de 1990, os mais antigos, estavam em algum formato digital que seguimos tendo acesso até hoje. Estavam em beta digital ou HDCam, formatos fáceis para transcrever para o HD (High Definition) de hoje. Enfim, as matrizes estavam preservadas. O que foi preciso foi fazer a digitalização para os parâmetros para o VOD HD. Não teve, necessariamente, nem restauro, ou recuperação, porque já estavam em boas condições. Ao todo, no entanto, foi mais de um ano de trabalho em que estivemos envolvidos. É uma boa oportunidade para mostrar a diversidade do conjunto da obra. Do documentário histórico, passamos pela tragédia, que foi o Latitude Zero (2001), ou um western político, como o Cabra-Cega, para um documentário social, o Dia de Festa, ou um doc biográfico, como o Rita Cadillac, até um drama existencial, como o Estamos Juntos (2011). Olhando em retrospectiva, percebemos uma variedade de gêneros, mas todos ligados. É possível enxergar os fios invisíveis entre eles. Uma polifonia das minhas inquietudes. O que, em cada momento, mexia mais com o meu coração e revelava as minhas preocupações. Gosto da experimentação. E nada foi pensado. É algo que, somente quando paro e olho, é que me dou conta.
Você tem um apreço maior por algum destes filmes?
Sempre temos os queridos, é claro. Mas todos são filhotes. Amamos cada um ao seu jeito, porém incondicionalmente. Sabemos o que vivemos e o quanto custaram. Foram feitos com muito amor, com vontade de trazer coisas relevantes, significativas para as pessoas. Às vezes, quando revejo, penso “nossa, que filmaço”. Mas não gosto de ficar olhando pra trás, gosto de mirar à frente. Passo anos sem rever meus filmes. Mas agora, ficando um pouco mais velho, você é quase obrigado. Gosto muito do Cabra-Cega, por exemplo. Mas cada um tem o seu lugar no meu coração.
Algum dos títulos exigiu um cuidado diferenciado?
Não. Estavam todos em perfeitas condições. E esse lançamento conjunto diz respeito apenas os filmes, sem nada em especial neles, making of ou entrevistas, por exemplo. A ideia é o conjunto da obra estar disponível. Todos haviam sido lançados em DVD, cada um no seu tempo, mas hoje estão esgotados. Então, quando dizemos que ainda hoje são muito usados, é de uma forma generosa. Porque é tudo pirata, né? Se fosse normalizado, eu estaria recebendo dividendos até hoje. Mas estamos no Brasil. Quem sabe, agora, a gente consiga organizar isso. Até para ter uma noção desse uso e do alcance. Então, agora, estará tudo disponibilizado, e com qualidade.
O produtor Rodrigo Teixeira, em entrevista aqui para o Papo de Cinema, declarou que a mídia física está morta. Você concorda?
Sem dúvida. Nós estamos lançando, junto, o A Comédia Divina, que só terá uma edição limitadíssima em DVD. Mas será para ficar para os netos, bisnetos. É história, mais pela curtição. Porque, evidentemente, é uma mídia cadáver. As plataformas de streaming, como Now, Google Play, iTunes, elas são o futuro. Teremos apenas 2 mil exemplares do DVD do A Comédia Divina, e não mais. Não é pelo aspecto comercial, e sim pelo simbólico. Comercialmente, não terá impacto nenhum.
Qual destes longas você considera mais atual, ou seja, que melhor resistiu ao passar dos anos?
Nossa, que pergunta difícil. Não sei se vou conseguir responder. Os filmes envelhecem. Acho toda a minha obra muito provocante. Ganham o sabor do seu tempo. Envelhecem mal quando você vê determinado filme um pouco anacrônico em relação ao teu tempo. Mas todo longa envelhece. Porém, se é a marca de uma época, envelheceu bem. Qualquer um que pegue, tem o seu tamanho. O Latitude Zero faz tempo que não vejo, mas tá muito bem. O Cabra-Cega vi recentemente, e continua muito dinâmico, com uma pulsão muito forte. São retratos dos momentos em que foram realizados. Todos, acima de tudo, são muito autorais. A Comédia Divina é que foi uma experiência diferente, uma tentativa de falar com um público mais amplo. Os demais podem ser velhinhos, mas todos com muita dignidade, e, principalmente, muy locos.
No final do ano passado você lançou A Comédia Divina, após um hiato de seis anos, desde Estamos Juntos. Como você vê o mercado para o cinema brasileiro hoje?
Olha, A Comédia Divina foi pensado para um outro Brasil. Foi concebido em 2011. Não para um Brasil em crise, muito dividido. Naquela época tínhamos um Brasil com crédito, em crescimento. Era um país mais simples, numa plataforma horizontal. Quando, enfim, lançamos, foi muito louco. Às vezes vem na hora certa, noutras parecem alienígenas. Mas acho que, com o tempo, irá ganhar um novo olhar. Como forma, como narrativa, como projeto de dramaturgia, é o meu filme mais convencional. Não havia preocupação de pesquisa de linguagem. Era para as massas, só que, quando chegou, essas não mais existiam. A crise havia tomado conta. Poderia ter sido lançado melhor, mas faltou dinheiro. Enfim, fugiu do nosso controle. Agora, portanto, poderá chegar a mais gente. Eu queria experimentar, trabalhar com outro gênero. E esse objetivo foi alcançado. Espero que o público também o descubra.
O que você pode nos adiantar sobre os teus próximos projetos?
Estou trabalhando no meu próximo filme neste exato momento. Estou com ele aqui. Desenvolvendo o argumento. Vai ser um drama muito lindo, muito profundo. Voltarei um pouco para a minha seara. Não sei defini-lo. Vai ser um drama-drama, acho. Não será existencial, tragédia. É um retrato do Brasil, um drama familiar. Três gerações de uma família, num mergulho com profundidades. É baseado na peça Sinthia, do dramaturgo, diretor e ator Kiko Marques. Estou com ele e Marcus Pimenta nessa adaptação. Uma história linda, comovente. Um ensaio do país destes últimos cinquenta anos. Será o meu nono longa, será uma síntese de tudo. Estou nessa maturidade. Mas estamos ainda no começo. Tem toda a pré-produção, levantamento de recursos, escolha de elenco, definição dos cenários, filmagens, pós-produção, montagem, finalização. Ou seja, em 2022, talvez, a gente esteja falando sobre ele ainda (risos).
(Entrevista feita por telefone na conexão via Porto Alegre/São Paulo em janeiro de 2018)