Nascida no dia 29 de junho de 1992 em Varsóvia, capital da Polônia, a jovem Michalina Olszanska se tornou internacionalmente conhecida ao aceitar o convite para viver a protagonista de Eu, Olga Hepnarová (2016), cinebiografia de uma das figuras mais polêmicas da história recente da República Checa. Após uma incensada première no Festival de Berlim, onde o filme teve sua primeira exibição, o longa dos diretores Petr Kazda e Tomás Weinreb rodou o mundo e rendeu importantes prêmios para sua atriz principal, obtidos em eventos como o Art Film Festival, na Eslováquia, ou o Festival Internacional de Minsk, na Bielorrússia. Com mais de vinte créditos no currículo e trabalhos no cinema e também na televisão, a jovem atriz de apenas 24 anos vive agora um dos seus melhores momentos. E foi sobre esse trabalho que ela conversou com o Papo de Cinema, em uma entrevista inédita e exclusiva. Confira!
Olá, Michalina. Tudo bem? Pra começar, gostaria de saber como você recebeu o convite para ser a protagonista de Eu, Olga Hepnarová?
Olá. Olha, foi de uma maneira bastante comum, para ser sincera. Olga é uma coprodução entre a República Checa, a Polônia e a Eslováquia, então eles estavam procurando por atrizes de qualquer um destes países. Eu cheguei a fazer um teste e fiquei muito entusiasmada, pois li o roteiro e me dei conta de que realmente queria fazer parte deste projeto. E, naquele momento, estava recém começando minha carreira como atriz, então, quando me contaram que haviam me escolhido, quase não acreditei.
Para situar os espectadores estrangeiros, principalmente os brasileiros: qual foi o impacto dos atos de Olga Hepnarová no leste europeu?
Naquela época? Não foi grande, imagino. Foi um choque maior para a população checa, pois por muitos anos ninguém queria falar sobre ela. Mas na Polônia, por exemplo, essa história era completamente desconhecida. É mais ou menos por isso que esse filme precisava ser feito. Ainda mais agora, quando estamos nos deparando com essa onda de terrorismo e as pessoas, cada vez mais, acham que é simples julgar e estigmatizar. O ato de matar é imperdoável, é claro, mas devemos estar conscientes que cada uma dessas pessoas que estão fazendo estas coisas possui sua própria história. E, às vezes, a situação pode ser muito mais complexa do que apenas fanatismo religioso.
Como foi o processo de se apropriar de uma personalidade tão problemática? Como lidar com ela para evitar que se transformasse em um clichê?
Bom… confesso que não sei. Na minha opinião, atuar é um processo muito instintivo. É preciso técnica, obviamente, mas o instinto é a primeira faísca que deve nos guiar. E também acredito que uma câmera é capaz de ler pensamentos. Portanto, quando você precisa construir o personagem e colocar todas essas camadas de psicologia, se você realmente sentir isso, o clichê não irá acontecer. Antes de mais nada, tento entender meus personagens como se fossem pessoas reais. Converso com eles, escuto suas histórias. Só depois é que entro em suas peles. E, é claro, debater com o diretor é sempre crucial. Acredito que grande parte do trabalho, na maior parte das vezes, é feita antes mesmo do início das filmagens.
A primeira exibição de Eu, Olga Hepnarová foi no Festival de Berlim, e desde então o filme tem passado por vários festivais, recebendo importantes reconhecimentos. Você esperava por toda essa atenção?
Eu torcia para que o filme fosse bom, mas nem todos os bons filmes são um sucesso. É preciso ter sorte, saber promover e mais um monte de coisas. Mas tudo isso está além do controle do ator. Nós fazemos nosso trabalho durante as filmagens. Após essa parte, há um ano ou mais de pós-produção, acabamos nos envolvendo em outros projetos nesse meio tempo, e apenas ficamos esperando para ver se o filme ao menos irá ficar pronto. Para ser bem honesta, essa é sempre a minha maior preocupação. Se sei que o filme já está em cartaz, bom, aí, sim, é que estarei tranquila e com a certeza de que o trabalho foi finalizado. Tudo o mais, como boas avaliações da crítica ou premiações são extras, felicidades a mais que recebemos, mas que não devemos esperar por. Podemos até ter alguma esperança, mas nunca ficar só em função disso. Porque, se assim for, podemos nos desapontar. Para resumir, tento fazer o meu trabalho da melhor maneira possível, colocou um pouco da minha alma em tudo o que faço, e depois apenas espero pelo melhor.
Você também foi premiada por sua performance como Olga Hepnarová. A responsabilidade para os próximos projetos aumentou?
Não. Quer dizer, talvez, mas não necessariamente. É mais por parte dos outros, que irão me observar com mais cuidado, imagino, mas, por outro lado, cada papel é um novo “ser”. Talvez eu seja uma sonhadora ingênua, mas torço para que atores sejam tratados apenas como meios para seus personagens, não como um esportista que precisa estar sempre atrás de um novo recorde, e muito menos como uma celebridade vestindo roupas novas. Digo, fiz Olga, e essa Olga ficará para sempre, mas este é, agora, um capítulo que já chegou ao fim. E digo o mesmo sobre meus outros filmes. Meu próximo trabalho poderá ser melhor ou pior, mas o certo é que será uma nova história. Sentirei a mesma responsabilidade pelo meu centésimo papel como senti pelo primeiro.
Dos teus trabalhos anteriores, apenas um foi exibido no Brasil: A Atração (Córki Dancingu, 2015), que participou da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no ano passado. Que, por acaso, também é uma trama totalmente fora dos padrões. Você poderia falar um pouco sobre esse projeto?
Ah, claro. Este foi um filme muito louco, não? Gosto de histórias que fogem do comum. Cada vez mais me sinto atraída por papéis como esse. Em A Atração, interpreto uma sereia faminta por carne humana. Este foi um personagem muito importante para mim, porque quando criança eu era obcecada por sereias. Há até uma lenda na minha família de que minha tataravó teria sido uma ninfa aquática (risos)! Então, se tornar uma delas em A Atração foi como transformar em realidade um sonho de infância.
Como é o atual momento para quem deseja fazer cinema na Polônia?
Provavelmente, não tão ruim quanto nos acostumamos a reclamar (risos). Sim, temos alguns… problemas ideológicos a resolver, assim como qualquer outro país atualmente. Nosso governo parece apoiar algumas questões mais do que outras, mas não penso que irão destruir nossa cinematografia. Não há censura, por exemplo, e mesmo se houvesse, nós, poloneses, temos uma longa tradição de lutar contra qualquer tipo de controle. Então, acredito que estaremos ok. Apenas desejaria que estivéssemos fazendo mais coproduções com outros países. Teríamos muito mais possibilidades, e, acima de tudo, arte deveria servir para conectar as pessoas em tempos tão difíceis como os de agora.
O que você conhece sobre o cinema brasileiro? E como você imagina que os brasileiros irão receber Eu, Olga Hepnarová?
Temo dizer que não conheço tanto quanto gostaria. Mas, obviamente, vi filmes como Orfeu Negro (1959) – Nota do Editor: trata-se de uma coprodução entre Brasil e França que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro para a… França!, apesar de ter sua história ambientada integralmente no Brasil – e Cidade de Deus (2002). Eu AMO bossa nova, então, provavelmente, conheço mais a música do que o cinema brasileiro. Mas, para me justificar, nunca estive no Brasil, então conhecer melhor o país e sua cultura ainda é algo que pretendo fazer no futuro. No entanto, espero que os brasileiros achem a Olga uma figura interessante. Afinal, não é somente uma história que aconteceu no leste europeu. É sobre o ser humano, sobre alguém tão sozinha e machucada a ponto de decidir cometer um suicídio muito complicado. E acredito que histórias sobre seres humanos são universais.
(Entrevista feita por e-mail em Fevereiro de 2017)