Antes de ser atriz, Juliana Schalch pensou em ser psicóloga. Chegou a cursar três anos de faculdade antes de ser atraída pelo mundo do teatro, do cinema e da televisão, de onde não saiu mais. Entre os seus créditos constam filmes como Tropa de Elite 2 (2010), Os Penetras (2012), Boa Sorte (2014) e Polícia Federal: A Lei É para Todos (2017), além de ter um dos papéis principais da série O Negócio, da HBO.
Agora, Schalch reencontra o caminho da psicologia em Eu Sinto Muito (2019), drama dirigido por Cristiano Vieira, sobre pessoas com transtorno borderline. Ela interpreta Isabelle, enfermeira competente que precisa lidar com as oscilações de humor e os pensamentos suicidas, enquanto tenta manter um relacionamento estável com o namorado.
O Papo de Cinema conversou em exclusividade com a atriz sobre o filme, em cartaz nos cinemas a partir de 10 de outubro:
Imagino que o seu interesse pela psicologia tenha sido determinante para aceitar o papel em Eu Sinto Muito.
Com certeza. A psicologia foi a minha primeira faculdade, quando eu pensei que teatro e dança seriam apenas um passatempo. Mas então eu fui tragada pela vontade de atuar. Quando chegou o convite para Eu Sinto Muito, eu me interessei muito, logo de cara. Este é um tema necessário de abordar. Nós estamos acostumados a um contexto em que saúde mental é tratada como loucura, algo da sua cabeça, uma fantasia. As pessoas não sabem lidar com isso. O transtorno fica reservado à pessoa, presa dentro de si, no seu quarto, se escondendo. Precisamos entender, ajudar, e falar sobre isso. A ideia do diretor era precisamente discutir esse tema e o transtorno.
Fez pesquisas específicas para compor Isabelle?
A gente teve acompanhamento terapêutico, e eu estudei muito sobre o transtorno. Vi alguns filmes a respeito, inclusive Garota, Interrompida (1999), com a personagem da Angelina Jolie. Além disso, conheci uma pessoa borderline na minha vida, não exatamente para a pesquisa do filme, mas numa experiência pessoal. Foi muito bom conhecê-la, conversar e descobrir o quanto isso ela achava importante que a gente executasse esse projeto.
Ao contrário de outros personagens, Isabelle tem plena consciência do quadro clínico dela, e já frequentou diversos terapeutas.
Isabelle é enfermeira, ela tem um entendimento e um conhecimento sobre saúde mental. Às vezes ela está em tratamento, e às vezes, dá uma relaxada. Não cheguei a construir um passado para ela, quando foi diagnosticada, por exemplo, mas para mim a Isabelle vem de uma recorrência de tratamentos que não deram certo, até passar para um tratamento que enfim deu uma regulada e a estabilizou. Mas com a estabilidade, sempre vem a vontade de uma fuga. Quando ela está muito estável, ela precisa sair do eixo um pouco. Ela se liberta pela dança, pela bebida. Nesse lugar, ela tem certo controle, mas sempre corre o risco de passar dos limites.
Enquanto atriz, são mais difíceis os grandes momentos de choro e catarse, ou os instantes silenciosos, como na cena em que sua personagem observa o namorado conversando com outras mulheres?
Todos esses momentos representam desafios para mim. O fato de emprestar as nossas emoções e vivenciar as emoções da personagem sempre representa um desafio, mas é algo muito instigante, porque posso ver naquela situação como o corpo se comporta, como as emoções afloram. É uma missão estranha para nós, atores. Amo a interpretação por isso: existe uma entrega a alguém que vive outra vida, e descobrimos como outra pessoa reagiria. Isabelle fica muito nervosa vendo as garotas conversando com o namorado, mas nas cenas catárticas, precisamos buscar as emoções lá dentro, é algo intenso de executar. Ao mesmo tempo, adoro o silêncio, e busco trabalhar muito os detalhes pequenos de interpretação. Às vezes um olhar ou uma respiração dão conta do recado.
O filme alterna entre três histórias com personagens borderline. Como acredita que estes três casos representem a diversidade do transtorno?
É interessante que o filme aborde três perspectivas diferentes. São três fases distintas do transtorno. No caso da Isabelle, ela tem consciência de sua condição, e às vezes está em tratamento. Existe também o caso da policial que não se trata, e do homem que descobre o tratamento pela primeira vez. Vemos a diferença interessante sobre como cada personagem reage, e como lida com o transtorno. Cada pessoa possui uma capacidade diferente de lidar com isso. A Isabelle fala, em uma cena: “Eu não gosto do terapeuta que me olha do alto da cadeira, como um rei, e fala que a dor é só sua”. Não precisa falar isso, não se pode minimizar a dor da pessoa. O filme traz uma crítica a esse comportamento, porque não é qualquer tratamento que serve a todo mundo. O mundo está louco, precisamos cuidar da nossa saúde mental. Existe a necessidade de testar e buscar o seu caminho.
Isabelle diz: “Não quero ser vista como uma vítima”.
Isso é algo essencial. O filme demonstra profunda empatia por essas pessoas, tanto por quem tem o transtorno, quanto por quem não tem, porque todo mundo enfrenta dificuldades. A forma como eles sentem o mundo é mais intensa, talvez. É diferente. Mas isso não justifica um olhar de coitado em relação a elas. A saúde mental precisa ser tratada como tratamos o joelho: é uma questão natural, física como química, mental como espiritual. O filme vem contribuir muito neste aspecto, para dizer que precisamos olhar com naturalidade para estas questões.
A história de passa em Brasília, e o ritmo da cidade grande parece ter um peso especial na vida dos personagens.
Acredito que as grandes cidades acabam provocando uma sensação de isolamento muito grande. É contraditório: são espaços com muita gente, mas as pessoas se recolhem mais, se sentem solitárias, e observam menos os outros. Além disso, tem uma efervescência de oportunidades de festas, de álcool, de drogas, que servem de válvula de escape, de fuga a essas pessoas. Essa fuga realmente contribui a se desconectar da realidade. Pessoalmente, adoro ir a festas e baladas, mas preciso voltar e ter meu tempo, fazer um balanço. Nas grandes cidades, essas vivências se tornam mais fortes.